Era
feito aquela gente honesta, boa e comovida/Que caminha para a morte pensando em
vencer na vida/Era feito aquela gente honesta, boa e comovida/Que tem no fim da
tarde a sensação/Da missão cumprida/Acreditava em Deus e em outras coisas
invisíveis/Dizia sempre sim aos seus senhores infalíveis/Pois é; tendo dinheiro
não há coisas impossíveis (“Pequeno perfil de um cidadão comum”)
Desde domingo, 18/11, a mídia
murdochiana vem promovendo uma série de ataques a um dos maiores ícones da
autêntica música popular brasileira, o cantor Belchior, que beiram ao
histerismo. Como veremos, este tratamento não é um fato isolado ou que esteja
colocado apenas para pautar jornalecos ou programas sensacionalistas como a
revista domingueira “Fantástico”. A emissora dos Marinhos, em reportagem
especial de vários minutos, afirma que Belchior desapareceu de um hotel no
Uruguai sem pagar a dívida de hospedagem e responde por diversas outras
cobranças no Brasil. Mais uma vez, a mídia transforma em “espetáculo” um drama
pessoal, obviamente não no sentido de buscar uma solução, mas sim para
raivosamente incriminar e condenar a priori os envolvidos. Mas por que esta
perseguição, que remonta desde 2009 pela também Rede Globo que afirmava na
época Belchior teria desaparecido quando, na verdade, estava na ativa
preparando disco e shows? Belchior foi um dos primeiros cantores nordestinos a
fazer sucesso em todo o Brasil em meados dos anos 70, quando participava de um
grupo de jovens compositores e músicos cearenses, ao lado de Fagner, Ednardo,
Fausto Nilo, Rodger Rogério, Teti, Cirino e outros, conhecidos nacionalmente
como o “Pessoal do Ceará” que, fruto desta parceria, compuseram o disco
“Massafeira” em 1980. Nesta época consolidou-se não apenas como um cantor, mas
cresceu sobre uma proposta (contra)cultural de crítica ao modo de vida imposto
pelo regime militar pós-golpe de 1964, lançando canções ácidas e engajadas ao
mesmo tempo sensuais do quilate de “Velha roupa colorida”, “Como nossos pais”
(que sensibilizaram inclusive Elis Regina!), “Apenas um rapaz
latino-americano”, “Divina comédia humana” e a genialíssima crônica da vida
“Pequeno perfil de um cidadão comum”. Por isto mesmo o establishment burguês
trata de colocar, em tempos de reação ideológica, na marginalidade este
menestrel de tão lírica e coerente obra.
Contudo, o que na primeira
reportagem de 2009 transparecia ser uma preocupação com o seu desaparecimento,
hoje a situação adquiriu outro aspecto, pois Belchior vem sofrendo um
verdadeiro linchamento de toda a imprensa nacional após a reportagem do
“Fantástico”, com um tom bem mais agressivo e de conteúdo nitidamente
policialesco, acusando-o de ter deixado um rastro de “falcatruas” por onde
passara, no Uruguai e no Brasil, agora “encontrado” em Porto Alegre. Em curta
declaração ao jornal Zero Hora (21/11), afirma que “esta notícia que está
circulando é mentirosa”. O que mais chama a atenção dentro de tudo isto, é que
Belchior é um dos poucos artistas nacionais, tal como Ednardo, que se recusou a
adotar a “unanimidade” dos ritmos atuais (forró eletrônico, axé-music,
sertanejo universitário, pagode mauricinho etc.), muito diferente da postura de
Fagner, por exemplo, com quem rompeu por discordar de sua linha de criação e
conduta claudicante perante a mídia, e que vem atuando praticamente como garoto
propaganda da oligarquia “socialista” dos Ferreira Gomes no Ceará, aceitando
passivamente cantar músicas de baixa qualidade do tipo “pop-forró” desenraizado
de sua natureza e realidade rural tão bem retratada por Luiz Gonzaga, Humberto
Teixeira...
No entanto, o ponto fulcral da
perseguição policialesca a Belchior deve ser compreendido na essência da
própria época por que passamos e vivemos, de profundo retrocesso ideológico e
cultural da humanidade, cada vez mais dominada pela idiotização da internet (as
famigeradas e controladas redes sociais), pelos meios de comunicação de massa e
a opinião pública a serviço da contrarrevolução imperialista nos países
semicoloniais como o Brasil. Assim, qualquer elemento de resistência cultural,
mesmo que não esteja em voga na mídia, deve ser destruído, por ser considerado
“velho” e contestador da estupidificação das mentes da juventude, cujas letras
e poesia da obra de Belchior tratam da inconformidade e de um claro engajamento
musical voltado a um projeto estético-político contracultural rechaçado pela
ideologia dominante. A ruptura com a “inquestionalidade” e com a cultura do
óbvio não mais interessa à classe dominante, o que importa acima de tudo é ser
“moderno e atualizado”, em conformidade ao que impõe goela abaixo a indústria
cultural de massas voltada exclusivamente para o mercado de consumo do “novo” e
do politicamente correto, o que implica inexistência de espaço para a crítica
mais ácida aos costumes e idiossincrasias. Muitos artistas consagrados, exponenciais
como Chico Buarque, já se renderam covarde e mediocremente a esta situação,
declinando conscientemente de se constituir em um pólo que faça germinar
qualquer semente de resistência cultural no país, vergando-se às imposições da
“voz do dono”.
Desta forma, os detentores da
propriedade privada dos meios de comunicação em associação com o imperialismo
tratam de destruir os últimos resquícios de resistência cultural ainda
existentes para impor os “novos” valores ideológicos extremamente conservadores
e belicosos a fim de eliminar o “velho” da sociedade e o que resta da boa
música brasileira para logo impor padrões de consumo descartáveis e de baixa
qualidade artistíca. Neste sentido, o agora demonizado Belchior, ocupa as
colunas policiais dos jornalões da imprensa charlatã. Por outro lado, o grande
depositário da cultura de resistência político-cultural deve ser o
proletariado, organizado desde seus locais de moradia, estudo e trabalho de
forma que possa enfrentar com sua ação direta os ditames da burguesia, a
política do “consenso” e o capital financeiro internacional que é o grande
beneficiário da idiotização principalmente da juventude. Somente a classe
operária dirigida por um partido comunista pode ter em suas mãos o futuro e um
horizonte cultural pleno de satisfação e júbilo através da destruição
revolucionária e violenta do atual modo de produção e, sobre suas cinzas,
erguer as bases de uma nova sociedade.
Fonte: Blog da LBI
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