Vedete
do governo federal, nem o “Ciência sem Fronteiras” escapa à sanha neoliberal
petista e mostra que tem fronteiras reais.
Programa
é focado na área tecnológica, mas a categoria Indústria Criativa era uma
‘brecha’ para alunos de Humanas
Clarice Cudischevitch e Isabela Lamster
21 de novembro de 2012 | 23h 04
O programa federal Ciência Sem
Fronteiras (CsF) excluiu no seu mais novo edital a possibilidade de
participação de estudantes de pelo menos 24 cursos, 20 deles de Ciências
Humanas. O foco principal do CsF é a área tecnológica, mas 1.114 estudantes de
Humanas já haviam sido contemplados pelo programa em uma área chamada Indústria
Criativa.
O número representa 6% do total
de bolsistas, mas é maior, por exemplo, que o número de beneficiados de
Computação e Tecnologia da Informação (887 bolsistas), uma das mais
estratégicas para o País. Até agora, 17.134 estudantes estão em outros países
pelo programa.
Nesse edital foram excluídos
cursos como Publicidade, Artes Plásticas, Cinema, Jornalismo. Carreiras da área
de Saúde também foram atingidas, como Enfermagem e Fisioterapia.
Em entrevista ao Estado há duas
semanas, Jorge Guimarães, presidente da Coordenação de Aperfeiçoamento de
Pessoal de Nível Superior (Capes) - um dos órgãos responsáveis pelo CsF - já
havia adiantado que poderia alterar os editais. A definição da área Indústria
Criativa no site do programa já havia sido modificada por ser considerada muito
abrangente.
“A primeira definição tinha
ficado muito frouxa e pessoas de áreas similares acharam que podiam ser
incluídas”, disse Guimarães. “A ênfase continua sendo as áreas tecnológicas.”
As mudanças causaram revolta
entre estudantes, que já se mobilizaram no Facebook, com a criação do grupo
“Ciência com Fronteiras”, que já conta com 700 membros. O estudante de
Jornalismo da PUC-MG, Igor Silva, de 19 anos, foi pego de surpresa. "Já
tinha gastado mais de R$ 800 me preparando para os exames de
certificação". Ele planejava estudar na Austrália.
A estudante de Publicidade na
Universidade de Fortaleza,Thaís Esmeraldo, de 21, se disse “desrespeitada” com
a mudança. “Pessoas que antes tinham a mesma condição que tenho hoje, puderam
participar. Por que me tiraram esse direito?”, questiona Thaís.
A estudante queria fazer uma graduação sanduíche na University
of East London, em Londres, Inglaterra. Para agilizar o processo, Thaís já
havia, inclusive, agendado um teste de proficiência em Brasília, pois não
conseguiu uma vaga em sua cidade. Pelo exame, a jovem desembolsou R$ 440.
"A sorte foi que a passagem eu comprei por milhas", diz. Mesmo diante
das mudanças, Thaís diz que fará a prova.
A
porta que foi fechada
O programa de intercâmbio prevê
a concessão de 101 mil bolsas em quatro anos, com foco nas Engenharias,
Tecnologia da Informação, Ciências Exatas e afins. O fato de o CsF não
abranger, a princípio, as Ciências Humanas e Sociais já foi bastante criticado por
entidades como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a
Associação Nacional de Pós-Graduação.
A justificativa é que esses
cursos no Brasil não têm lacunas a serem preenchidas como os de Ciências
Exatas, Engenharias e áreas tecnológicas e, portanto, não precisariam ser
complementados com o estudo em universidades do exterior. "Além disso, o
CNPq e a Capes mantiveram os programas usuais das duas agências, nos quais não
há prioridade de área, e sim de mérito", afirmou, em julho, o presidente da
Capes, Jorge Guimarães, defendendo que as Ciências Humanas e Sociais
continuavam com oportunidades para intercâmbios.
"Historicamente, as
Ciências Humanas foram muito mais beneficiadas pelas universidades públicas,
por isso muita gente se formou nesses cursos", explica a consultora em
educação Ilona Becskeházy. "Agora o governo está sendo estratégico,
priorizando a área que precisa de mais retorno - tecnologia e inovação."
Entretanto, na prática, alunos
de cursos como Publicidade, Jornalismo e até Artes conseguiram ser selecionados
pelo programa. Isso porque a categoria de Indústria Criativa não era bem
definida, apesar de incluir determinados cursos de Ciências Humanas. Nos
editais, ela vinha com uma explicação entre parênteses - (Cinema, Arquitetura,
Desenho Industrial, etc) - que abria uma brecha para outras áreas.
Justamente por ser mais
abrangente, a Indústria Criativa já era uma das categorias que mais reunia
bolsistas. Os principais cursos incluídos na área eram Arquitetura e Desenho
Industrial, mas havia estudantes dos mais variados campos, como Moda, Artes
Cênicas e Música. Cerca de 72% estão hoje inseridos na modalidade de Graduação
Sanduíche, e a maioria está nos Estados Unidos, França, Reino Unido, Portugal,
Itália e Alemanha.
Beneficiados
Nos Estados Unidos desde
setembro, o estudante de Desenho Industrial da Universidade Estadual do Rio de
janeiro (UERJ) Caio Logato, de 20 anos, conseguiu uma bolsa do programa para
estudar um ano na Universidade de Artes e Design em Savannah. "Em sua
maioria, as bolsas são só para Ciências Exatas; apesar disso, não senti nenhuma
resistência à minha candidatura. Fiquei muito feliz em saber que as carreiras
criativas não foram negligenciadas", diz o bolsista.
Em relação à sua experiência na
nova universidade, Caio destaca que o ensino norte-americano proporciona o
contato com tecnologias desconhecidas no Brasil e, por isso, tem sido muito
produtivo. "Tem coisas aqui das quais eu nunca tinha ouvido falar. Os
equipamentos não deixam a desejar a nenhum estúdio profissional de Hollywood.
Os professores também são muito qualificados e sempre disponíveis para ajudar,
dão até o número do celular para o caso de dúvidas". O estudante fala
ainda sobre sua rotina intensa fora do País. "Em duas semanas eu faço
projetos que no Brasil eu teria seis meses para fazer".
Responsável pelo Ciência Sem
Fronteiras na Divisão de Relações Internacionais da Universidade Federal do Rio
de Janeiro, Paulo Guerra considera que o princípio do programa de priorizar as
áreas tecnológicas é uma discriminação às Ciências Humanas e Sociais.
"Isso vem de uma visão obtusa do governo de que as Engenharias são o que
importa para o desenvolvimento do Brasil, mas cursos como Comunicação e Letras
também têm significância."
O bolsista da Universidade Federal
do Ceará (UFC) Leonardo Veras Souza, 20 anos, que está no Canadá cursando parte
de sua graduação em Arquitetura e Urbanismo na Brock University, em Ontário,
espantou-se ao ver que o número de vagas abertas para sua área era
relativamente alto, principalmente para o seu curso, que não estava antes na
lista do programa. "É uma área tão importante para o País como qualquer
outra, e não pode ser deixada de lado. Essa é uma forma de valorizar futuros
profissionais e investir no crescimento brasileiro. A experiência está valendo
a pena para mim e outras pessoas deveriam ter a mesma oportunidade".
No caso da UFRJ, 68 alunos de
cursos de Ciências Humanas se inscreveram no programa, dos quais 37 foram
homologados. Foram aceitos estudantes de Arquitetura, Artes Cênicas,
Comunicação Social, Comunicação Visual, Composição Paisagística, entre outros.
No entanto, foram indeferidas as candidaturas de alunos de licenciaturas em
geral e de Economia, Letras, Gestão Pública e Direito.
A aluna de Publicidade e
Propaganda da UFRJ Nathalia Barbosa, 23 anos, foi uma das que conseguiram uma
bolsa pelo programa. Ela estuda atualmente na Universidade de King's College,
em Londres. De acordo com Nathalia, mesmo não cursando uma das carreiras de
foco do projeto, não houve empecilhos à sua aceitação. "Acredito que os fatores que contaram
para a minha concessão foram apenas os acadêmicos: o meu currículo e projetos
de iniciação científica na faculdade".
Alex Nunes Silva, 21 anos,
cursa Geografia na Universidade Federal do Maranhão (UFMA) e também foi
selecionado para estudar na Brock University. Ele diz que, quando voltar,
pretende compartilhar o conhecimento adquirido no Canadá com seus companheiros
de curso na UFMA. "Além disso, será a minha chance de concorrer a uma vaga
de mestrado aplicando o meu conhecimento em prol do desenvolvimento do
Brasil."
Mestrado
em Cinema pode ser incluído no CsF
De acordo com o presidente da
Capes, Jorge Guimarães, o Comitê Executivo do Ciência sem Fronteiras está
considerando a possibilidade de incluir no programa a modalidade de mestrado
para o curso de Cinema. "Não há doutorado nessa área, nem no Brasil e nem
no exterior, então queremos melhorar a experiência dos mestrandos em
Cinema", afirma. Ele diz que os cursos dessa área tendem a ser muito caros
por envolverem o uso de diversos equipamentos especiais.
Guimarães conta que a próxima
reunião do comitê deve acontecer no final deste mês. "É provável que essa
ideia seja aprovada. Podemos pelo menos fazer um teste." Por enquanto, o
Ciência sem Fronteiras não inclui a modalidade de mestrado no exterior, por se
considerar que os cursos daqui já têm qualidade suficiente e não há desfalques
a serem supridos.
COLABORARAM CRISTIANE
NASCIMENTO E DAVI LIRA.