Publicado em 06/02/2014
Não faz muito tempo, os
“especialistas” e os investidores viam os “mercados emergentes” – um eufemismo
para China, Índia, Brasil e alguns outros – como salvadores da economia-mundo.
Eram eles que iriam sustentar o crescimento e, portanto, a acumulação de capitais,
quando os EUA, a União Europeia e o Japão declinavam, em seu papel tradicional
de pilastras do sistema capitalista global.
Por isso, é chocante que, nas
duas últimas semanas de janeiro, o Wall Street Journal (WSJ), o Financial Times
(FT), o Main Street, a agência Bloomberg, o New York Times (NYT) e o Fundo
Monetário Internacional tenham, todos, soado o alarme sobre o “colapso” destes
mesmos mercados emergentes; e que tenham advertido, em especial, sobre a
deflação, que poderia ser “contagiosa”. Tive a impressão de que estão em
pânico, quase indisfarçável.
Primeiro, algumas palavras
sobre deflação. Mercados “calmos” são aqueles em que os preços nominais não
caem e sobem devagar. Isso permite aos vendedores e compradores prever, com
razoável confiança, quais suas melhores decisões. Os mercados mundiais não
estão calmos há bastante tempo. Muitos analistas associam o fim desta calma à
crise, em 2008, do mercado de hipotecas norte-americano. De minha parte, vou
além. Penso que o declínio começou no período entre 1967 e 73, e não foi
interrompido desde então.
Os mercados não estão calmos
quando há deflação ou inflação significativas. Estes dois fenômenos têm, ambos,
impacto nas estatísticas de emprego e, portanto, na demanda mundial efetiva por
todos os tipos de produção. Se os índices de emprego real caem, por uma das
duas razões, há sofrimento agudo para a vasta maioria da população e um grande
aumento das incertezas, que tende a paralisar novos investimentos produtivos.
Isso leva a mais sofrimento e mais paralisia, num círculo vicioso.
É claro que alguns capitalistas
são capazes de tirar proveito da situação, por meio de manipulações financeiras
engenhosas, envolvendo especulação. O problema é que estão fazendo uma grande
aposta – que pode levar tanto à valorização maciça de seus ativos quanto à
falência. Mas, pelo menos, têm uma chance de lucrar muito. Para a maioria da
população mundial, o prognóstico provável é perder, às vezes maciçamente.
O que dizem estes relatos de
pânico? Michael Arnold pergunta, no WSJ: “A desvalorização das moedas levará os
bancos centrais dos mercados emergentes a elevar as taxas de juros?” Ele diz
que o desarranjo foi provocado por “estatísticas de crescimento desapontadoras”
na China e pela desvalorização da moeda argentina. Arnold adverte, em especial,
para a situação da Índia e Indonésia, que têm “alta carga de dívidas e
dependência pesada de empréstimos externos – por isso, estão tentando reduzir a
inflação”. Ele menciona a Turquia como outra zona de problemas.
Hal M. Bundrick enfatiza, no
Main Street, o contágio. Ele aponta tanto a mudança na política monetária dos
EUA quando as preocupações com a economia chinesa – além das tensões políticas
na Turquia, Argentina e Ucrânia – como “aceleradores do declínio”. Cita um banqueiro
russo, que fala sobre a queda do rublo e a atmosfera “próxima ao pânico”.
Afirma que tal sensação está “se deslocando dos mercados emergentes para os
desenvolvidos”.
O título de uma matéria de
Gavyn Davies, no FT, é “O mundo emergente descarrilhará a recuperação global?”
O autor diz que as moedas emergentes estão “em queda livre”. Também ele vê a
desaceleração chinesa como um fator principal, em particular por causar impacto
nas “economias abastecedoras” (ou seja, países que vendem produtos primários à
China) – em particular Brasil, Rússia e África do Sul. Ele diz que os riscos de
uma bolha de crédito não são um problema apenas na China, mas também na
Turquia, Índia e Indonésia. Se a redução do crescimento chinês se prolongar
muito, ela poderá provocar “ampliação da recessão global”. Embora faça
previsões moderadamente otimistas, ele imediatamente recua, ressalvando que
suas simulações (que alimentam seu otimismo contido) baseiam-se em padrões
antigos, que podem não mais funcionar.
No FT, Ralph Atkins fala no
“espectro da deflação”. O fenômeno, mesmo que positivo a curto prazo, é
“definitivamente negativo para os ativos”, no longo prazo. Sua preocupação
particular dirige-se à zona do euro. Depois de citar argumentos de outros
analistas, que veem os aspectos positivos, ele termina dizendo: “o espectro da
deflação vestiu seu manto de invisibilidade”.
E ninguém menos que Christine
Lagarde, diretora-gerente do FMI, afirmou, aos representantes do Establishment
reunidos no Fórum Econômico Mundial, em Davos, que há uma ameaça ao mercado
global, quando os Estados Unidos cortam seus estímulos monetários. Existe um
“novo risco no horizonte, e ele precisa ser examinado de perto”. Ela cita as
“repercussões… nos mercados emergentes”.
Naquele mesma semana, um editorial
da agência Bloomberg começava assim: “As economias emergentes viveram uma
semana brutal”. O texto vê estes mercados como muito ligados ao dólar e,
portanto, “excessivamente sensíveis a flutuações – reais ou imaginárias – na
política monetária norte-americana”. Por isso, pede que o FED, banco central
dos EUA, “não feche a torneira muito cedo” e (previsivelmente), que os países
emergentes “melhorem suas políticas”.
Não menos importante, Lando
Thomas informa, no NYT, que a nova palavra da moda em Wall Street, substituindo
os BRICS, é “os cinco fracos” [“the Fragile Five”]. A lista inclui três membros
dos BRICS (Brasil, Índia e África do Sul) mais Turquia e Indonésia. Exclui
tanto a China quanto a Rússia, cujo impacto geopolítico parece pesar
decisivamente.
Todos parecem oferecer bons
conselhos, certos de que, de alguma maneira, eles irão aliviar a situação.
Poucos parecem admitir que a demanda efetiva global é o verdadeiro problema.
Mas é nítido que, abaixo da superfície, já o detectaram. É por isso que estão
em pânico, porque, então toda sua ênfase no “crescimento” – uma fé crucial –
estará minada. Neste caso, a crise deixa de ser cíclica e torna-se estrutural:
não pode ser resolvida com paliativos, mas com a invenção de um novo sistema.
Esta é a famosa bifurcação, em que há duas saídas possíveis – uma melhor e
outra pior que o sistema existente. Um jogo em que todos nós estaremos
envolvidos.
*Immanuel Wallerstein nasceu em
Nova York (Estados Unidos), em 1930. É doutor em Sociologia pela Universidade
Columbia, onde lecionou — foi também professor nas universidades McGill e
Binghamton. Desde 2000, é pesquisador-sênior do Departamento de Sociologia da
Universidade Yale. Estudioso do marxismo e crítico do capitalismo global, é uma
das principais referências teóricas dos movimentos antiglobalização. É autor de
O universalismo europeu (Boitempo, 2007) e The essential Wallerstein (Boitempo,
no prelo).
Publicado originalmente emAgence Global, em 1 de janeiro de 2015. A tradução é de Antonio Martins para oOutrasPalavras.
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