Lincoln Secco
“O criminoso não produz apenas
crimes, mas ainda o Direito Penal (...). O criminoso produz ainda a organização
da polícia e da Justiça penal, os agentes, juízes, carrascos, jurados (...).
Somente a tortura possibilitou as mais engenhosas invenções mecânicas e ocupa
uma multidão de honestos trabalhadores na produção desses instrumentos”. (Karl
Marx, Teorias da Mais Valia).
No dia 10 de fevereiro ocorreu
a lamentável morte do cinegrafista Santiago Ilídio Andrade atingido numa
manifestação no Rio de Janeiro. Imediatamente vozes da imprensa se ergueram
contra os manifestantes que agridem (sic) a polícia e agora até jornalistas! Na
tribuna do senado homens “probos” como Renan Calheiros pediram a prisão de
manifestantes e o impagável Jorge Vianna (PT-AC) ressuscitou o projeto de lei
contra o “terrorismo”. Este é um momento delicado porque a Direita acredita que
tem um mártir.
Mentiras
Não é verdade que manifestantes
saem às ruas para atacar pessoas. Os ataques são sempre ao patrimônio simbólico
de grandes instituições financeiras. Simbólicos sim porque uma vidraça quebrada
tem praticamente custo zero para tais empresas. Obviamente que ao serem
acuados, agredidos, atropelados (como uma jovem de 18 anos em São Paulo),
baleados (como outro jovem na mesma cidade), perseguidos aleatoriamente por
pura vingança, os manifestantes reagem. Quebram catracas, ônibus e atiram
pedras nos policiais em legítima defesa.
Indignação
Seletiva
Quando Douglas Martins
Rodrigues, 17 anos, foi morto pela PM no Jaçanã, zona norte de São Paulo,
grande parte da imprensa tratou da revolta espontânea da população local como
“vandalismo”. E quem se choca com milhares de mortes de pobres nas periferias
todos os anos?
Lei
Celerada
Nada disso justifica matar um
cinegrafista. Mas esta morte também não justifica uma lei criminosa. Em junho
de 1927 o Presidente Washington Luiz apoiou a chamada “lei celerada” que
criminalizava protestos públicos e greves. Houve intervenções nos sindicatos e
os anarquistas e comunistas foram presos. Aos “tenentes” no exílio ou na
clandestinidade lhes foi negada a anistia. E assim tudo correu bem até que a
chamada “Revolução de 1930” varreu aquele presidente do poder. Em São Paulo a
população invadiu e depredou a chamada “Bastilha do Cambuci” onde os presos
políticos eram torturados.
É evidente que depois
ingressamos em nova forma de dominação.
Terrorismo?
A lei contra o terrorismo é tão
estapafúrdia, causa tanto horror nos meios jurídicos progressistas que precisa
buscar exemplos tão frágeis quanto o de inventar uma “organização criminosa
bloco negro”. Que ela não existe a polícia já sabe, é óbvio. Qualquer um pode
empregar esta tática. Mas como o Estado, a grande imprensa e alguns estudiosos
do Direito Penal, a Polícia também vive do crime.
No nosso caso, em que o próprio
regime político é criminoso e a democracia é racionada, é necessário
periodicamente reinventar os crimes políticos. A fachada democrática atual
ainda não permite que sejam tratados enquanto tal. É que na verdade tais crimes
sequer existem. Por isso, é preciso inventá-los. Afinal, como se justificariam
os batalhões de choque sem os temíveis blocos negros?
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