Rogério Castro
10 Fevereiro 2014
Na última sexta-feira, dia 31 de janeiro, o sociólogo Emir
Sader publicou em seu blog no site da Carta Maior um artigo intitulado “Acabou
o ciclo do PT?”, no qual procura refutar a oposição conservadora ao governo
federal no que tange ao fim do ciclo histórico do Partido dos Trabalhadores
(PT) e afirmar, graças à sua “popularidade”, o favoritismo da atual presidente,
Dilma Rousseff, à reeleição.
Este artigo vai se concentrar, por um viés crítico e não do
ponto de vista da reação, na pergunta que intitula o texto de Sader. Ainda que
não seja pretensão do texto responder à questão de maneira concludente, iremos
apresentar alguns elementos para o debate. A primeira coisa que temos a dizer é
de qual PT o autor do artigo se refere – se ao PT das origens, que combatia o
neoliberalismo e se colocava como alternativa aos projetos então vigentes, ou
se ao PT pós-2003, alçado ao poder central por meio da eleição de Lula. Se for
em relação ao primeiro PT, que é aqui o que mais nos interessa, respondemos
afirmativamente – inclusive é o que difere o título deste artigo do outro que
se replica – que o partido fundado em 1980 teve seu ciclo encerrado e o que nos
atesta isso é exatamente os seus onze anos de administração no Brasil. Quanto
ao segundo, que Sader não distingue no texto, desconsidera as descontinuidades,
trata-se, realmente, de uma incógnita, haja vista as reviravoltas que antecedem
um processo eleitoral.
Mas o que nos interessa aqui prioritariamente não é saber a
titularidade da administração de um projeto – ou política econômica – que, em
essência, se equivale – se o atual governo, ou se o candidato oposicionista
apoiado pelo ex-presidente FHC. O fundamental na discussão aqui é saber se há
ou não um projeto verdadeiramente alternativo no PT para sabermos, coisa que
parece óbvia, mas não para todos, se os graves problemas sociais que temos no
Brasil de hoje serão tratados de uma maneira X ou de uma maneira Y.
Para alguém dois anos mais novo do que o Partido em questão,
mas que, ainda que indiretamente, conviveu, nos anos 2000, próximo de seus
militantes (inclusive experientes), a única maneira de se proceder a uma
leitura desta – isto é, de algo que não se viveu, nem de dentro, nem de fora –
é recorrendo à ainda incipiente história da agremiação. O PT é um daqueles
fenômenos históricos que só se tem uma dimensão – por razões várias – do que é
ou do que foi depois do fato (post festum). E quem nos atesta isso, por
exemplo, é um estudioso que se debruçou sobre essa história e lançou o
resultado de sua pesquisa, amparado em farto material bibliográfico (como
documentos, dissertações, teses, etc.), no livro História do PT, em 2011 –
Lincoln Secco.
Conforme assinala Secco, o PT surgiu da junção de militantes
– de variadas matizes, influências – egressos da luta armada, das Comunidades
Eclesiais de Base (CEBS) e de sindicalistas. A ideia de formar um partido com
um perfil claro, isto é, de trabalhadores, mostrava o caráter de classe que se
queria imprimir à organização. A ideia de classe, na acepção de então,
pressupunha conflito de interesses – e as greves e a inserção do PT nelas e a
posterior fundação da CUT em 1983 nada mais faz do que nos certificar disso –
ou, para aproximar-se da literatura que, de uma forma ou de outra, e também não
pouco problemática, lastreava as ações do partido, tinha-se em mente a ideia da
luta de classes (defendida por Marx). Ainda nos 1980, quando propôs um governo
para todos, e não mais para a classe trabalhadora, na administração da cidade
de São Paulo pela então prefeita Luiza Erundina (1989), abateu-se sobre o PT
uma daquelas variadas crises que ele iria incorrer ao longo de sua história –
Francisco Weffort, por exemplo, antes de mais tarde aderir ao governo FHC, já
havia dito que a concepção de luta de classes tinha sido superada, no que foi
contraposto por Florestan Fernandes. Apesar de ter sido apoiada pela esquerda
(o candidato apoiado pela Articulação era o ex-candidato pelo PSOL nas eleições
presidenciais de 2010, Plínio de Arruda Sampaio, que tinha inclusive o apoio de
Lula), isso já seria algo sintomático em relação às disputas – que expressavam
as diferenças, um desdobramento da composição das forças que deram vida ao
partido – futuras (o resultado delas), e mostraria os renhidos combates que se
travaria no interior do partido entre as Tendências que dividiriam o partido
entre moderados e uma ala esquerda. Ninguém poderia – talvez – adivinhar que o
PT chegasse aos anos 2000 tendo como lema de governo “Brasil: um país de todos”
– abandonando, de vez, à exceção de casos em que se privilegia pela ocasião do
momento por uma questão de retórica, a centralidade da questão das classes.
Mas, quando, por exemplo, a chamada esquerda partidária venceu uma dessas
disputas internas (1993) e assumiu a direção do partido, a figura pública mais
expressiva do partido – Lula – negou-se a se centralizar por esta e fundou o
Instituto de Cidadania, realizando caravanas pelo Brasil – eram os chamados
centros paralelos. Aqui, poderíamos já prever o que seria um governo encabeçado
por alguém que se achava acima do partido e não deixaria centralizar-se pelas
decisões das instâncias internas. Foi nessa época (1994) que o ex-ministro da
Fazenda, Antonio Palocci, acusado mais tarde de violar o sigilo bancário do
caseiro Francenildo (2006), então prefeito de Ribeirão Preto, teria dado início
à privatização da empresa municipal de telecomunicações, antes mesmo de FHC.
Luiz Eduardo Cheida teria feito o mesmo em Londrina.
Um dos pontos apresentados por Lincoln que mostra essa
assimilação posterior acerca do lugar do PT na história política do Brasil é a
consciência, que vai ser assinalada no seu livro, de que o PT não é a primeira
organização de esquerda nacional. Isso pode parecer uma coisa secundária, mas
na ação cotidiana dos militantes tinha-se a impressão de que a esquerda
brasileira nasceu no ABC paulista, ponto que mostra, aliás, outro problema assinalado
por Secco: o da formação. O pragmatismo, inclusive de Lula, e uma certa repulsa
a debates teóricos, ainda que mais afeita ao chamado Campo Majoritário (nome
que antecedera ao vago Construindo um Novo Brasil posterior), seria um dos
problemas do partido, e que, obviamente, iria cobrar seu preço cedo ou tarde –
como cobrou, em certa medida, a partir de 2003. A ideia vaga de socialismo,
como observa Secco, seria outro ponto, a nosso ver determinante e complicador.
Mas esse aggiornamento – como assinala Secco – que o PT irá passar não estaria
desconexo da situação internacional. A queda União Soviética fez o então
deputado José Genoíno (ainda no Partido Revolucionário Comunista), por exemplo,
dizer que ditadura do proletariado e planificação da economia eram coisas
ultrapassadas. Isso ainda nos anos 1990, quando a oposição parlamentar parece
tornar-se o eixo da intervenção partidária. Genoíno, aliás, que após perder a
eleição em 2002 em São Paulo iria assumir a presidência do partido e ser um dos
protagonistas do caso do mensalão, atribuiria à esquerda partidária que estava
no comando do partido a derrota nas eleições de 1994 para o ex-ministro de
Itamar, Fernando Henrique Cardoso, que teve como bandeira à época o Plano Real.
Mas a alternativa da liberdade de mercado em contraposição à planificação da
economia não mostrava apenas que o socialismo não mais encontraria vida plena
para além de discursos – vagos ou não – no PT; a opção pelo mercado tiraria do
PT a condição de encarnar e materializar qualquer projeto alternativo ao então
vigente, como então se confirmou (já em 1991, o I Congresso do PT aprovava a
rejeição à abolição do mercado, rejeição à ditadura do proletariado e defesa de
um “socialismo” que fosse produto duma “radicalização da democracia”...).
Um partido é constituído de militantes e dirigentes, não é
algo totêmico, acima das pessoas, cujo controle não se sabe de onde vem. Um dos
dirigentes do PT, Aloísio Mercadante, também ainda nos 1990, discursava com
veemência, conforme nos conta Secco, em Serra Negra (SP), contra aqueles que
defendiam o não pagamento da dívida externa (em 1989, a proposta da suspensão
do pagamento faria parte do programa econômico do partido, aprovado no VI
Encontro Nacional); e o pior é que sairia vitorioso. Uma das questões
estruturais em matéria de política econômica, que poderia, ainda que não levar
ao socialismo (ou ainda que abrisse caminho), divisar projetos distintos, haja
vista o que estava sendo colocado em curso, teria sua aprovação censurada por
um dos líderes do partido. O PT, que com o passar do tempo foi deixando cada
vez de lado a possibilidade da via revolucionária e centrando-se na via
eleitoral como única forma de chegar ao poder (a dicotomia entre
institucionalidade e ação extra-parlamentar), logo deixaria de ser, na prática,
nem mesmo aquele partido social democrata que nos anos 1980 rejeitava-se o
rótulo com furor. O modo petista de governar, que pouco a pouco foi sendo
condescendente com a repressão à greves, ações de movimentos sociais, como a
que culminou com a expulsão do vereador Boni em Diadema por comandar a ocupação
do buraco do Gazuza (o prefeito, Zé Augusto, que autorizou o uso da força
policial fora suspenso por três meses), ou mesmo o episódio da Vila Socialista
em que a prefeitura do PT negou-se a dar refúgio aos desalojados violentamente
pela Polícia, foi logo logo perdendo os traços que lhe seriam peculiares, e
justificaria portanto a sua especificidade, e tornando-se cada vez menos
diferente daqueles a quem o partido fazia oposição – mais uma vez, nada mais
sintomático com o que se veria na década seguinte.
Um dos responsáveis por esse “enquadramento” do partido,
senão o principal, seria José Dirceu, ex-ministro da Casa Civil no governo Lula
e presidente do PT de 1995 a 2002. José Dirceu desde o final dos anos 1990
parece ter sido o principal responsável dentro do partido – ou seria esta a sua
principal (ou mesmo única) preocupação – pela questão das alianças. Foi ele
quem costurou a candidatura de Brizola (PDT) em 1998 à vice na chapa de Lula
(Dirceu e Lula teriam pedido a Brizola para maneirar no tom das críticas às
privatizações!), e teria sido o articulador da aliança com o empresário José
Alencar (antigo PL-MG) em 2002 – na leitura dos dirigentes, a única forma do PT
ultrapassar a barreira de 30% do eleitorado que lhe era marca nas eleições
anteriores. O financiamento também sempre foi outro tema quente dentro do PT.
Segundo Secco, desde as eleições de 1994 o Partido dos Trabalhadores já recebia
apoio financeiro de empresários – a que preço não se sabe, mas nos anos atuais
talvez dê para deduzir porque, por exemplo, a Odebrecht teria investido na
campanha de José Dirceu ao governo de São Paulo, segundo denunciou Cesar
Benjamin na eleição para presidência do partido em 1995 – o contraste seria a
eleição de 1989, quando mutirões de apoiadores fizeram com que mais de 60% da
arrecadação viessem de receitas próprias. Mas o tempo das rifas e dos bolos
para festas no diretório havia passado.. assim como o “Vote 3, o resto é
burguês”, da campanha de 1982, também, o que desde então inviabilizava o perfil
de classe de outrora e dava chão ao gelatinoso e abstrato “governo de todos”.
O forte do PT, pelo menos pelo que se extrai da tônica dos
Congressos e Encontros captada pelo historiador Lincoln Secco, não era mesmo as
questões teóricas decisivas – apesar da existência de um relativo e
potencialmente fecundo debate interno com participação ativa da militância (em
1994, o PT possuía 120 mil militantes, 700 mil filiados e estava organizado em
2.304 diretórios municipais). Se isso é certo, podemos dizer que a única meta –
ou talvez obsessão – do seu presidente a partir da segunda metade dos anos 1990
seria a de chegar ao poder – chegar ao poder pelo poder, para ser mais preciso.
Ao conseguir tal feito, novamente a questão das alianças voltaria a ser
reposta, haja vista o fato de que agora a missão era outra: governar o país.
Mas, qual seria mesmo o programa do governo a ser aplicado? A Reforma da
Previdência em 2003 e a expulsão da ala do partido que votaria contra – os
chamados radicais liderados pela então senadora Heloísa Helena – mostraria que
o rumo do governo seria o da continuidade ao anterior, e não o da mudança,
aquele mesmo impulso que dera origem ao próprio partido. A Carta ao Povo
Brasileiro (lançada em junho de 2002) já sinalizava para isso. Ainda assim, os
que não se opunham à linha que estava sendo adotada, mas se opunham pura e
simplesmente ao PT, queriam inviabilizar o governo. Foi aí que, após um
escândalo envolvendo um apadrinhado político de Roberto Jefferson, então
deputado federal pelo Rio de Janeiro, este veio à público e revelou como o
governo Lula obtinha a maioria para aprovar as medidas no Congresso: comprando
o voto dos deputados (mesma acusação que caiu sobre o governo FHC antes de sua
reeleição). O deputado apareceu dias depois com o olho roxo, mas não voltou
atrás do que havia dito. Sustentou e, junto com José Dirceu, apontado como o
mentor, foi cassado – certamente para manter as “aparências” do decoro do
Parlamento brasileiro. Restou à Lula dizer que não sabia de nada. Foi dessa
maneira que, apesar de tentarem justificar que as vultosas quantias de dinheiro
sacadas do BMG e do Banco Rural eram dinheiro de caixa 2, a cúpula do maior
partido de oposição da história brasileira recente foi parar na cadeia.
A pergunta que fazemos a Emir Sader é o que é que difere na
política do governo atual (Dilma) se comparado a dos antecessores tucanos.
Aliás, nunca foi tão propício como agora uma aliança, cogitada em outras
épocas, diga-se de passagem, entre PT e PSDB. Abundam exemplos. Do pagamento
religioso da dívida externa, que consome quase metade do orçamento nacional e,
por exemplo, inviabiliza as políticas sociais (além dos próprios investimentos
que a presidente diz não poder fazer para justificar as parcerias com a
iniciativa privada), às concessões de estradas, aeroportos, ferrovias, etc. O
leilão do Campo de Libra teve o exército na rua, a exemplo da greve dos
petroleiros em 1994-1995 durante o governo FHC. Na educação, o ensino privado
continua ganhando dinheiro como nunca, graças inclusive aos incentivos do
governo, como PROUNI, FIES, ou mesmo isenções – já os professores trabalham
muito (como horistas), e recebem pouco. Ainda com tantas benesses, faculdades
fecham as portas e deixam profissionais e estudantes a ver navios. A educação
básica segue de mal a pior, com os profissionais sem condições de trabalho, mal
remunerados, e o rendimento escolar cada dia mais pífio. Isso para não falar no
desinteresse pelo magistério. O caos da saúde, levado às ruas no segundo
semestre de 2013, levou Dilma a lançar o Programa Mais Médicos. Mas sem
investimento adequado no SUS, já que o orçamento é asfixiado pelo pagamento da
dívida e o governo se deixa pressionar pelos planos de saúde, nenhuma medida
terá força de reverter o quadro de não haver médicos nos hospitais públicos,
nem estrutura adequada – de equipamentos aos materiais básicos. O caos urbano,
com o crescimento assustador da violência em todo território nacional – que
para o PT não deve haver nenhuma relação com a situação econômica –, dos
pedintes, mendigos, naturalizados pela mídia agora como “moradores de rua”, ou
o crescimento daquilo que Marx chamou de lupenproletariado, não deixa de ser um
sintoma da dramática situação econômica do país, que determina também o monstruoso
número de trabalhadores informais, precários e desempregados – apesar dos
números das pesquisas do IBGE apontarem redução. A terceirização e todo o
fenômeno da reestruturação produtiva postos em prática para aumentar a
rentabilidade dos monopólios capitalistas também têm a condescendência do PT
atual. A inflação dos imóveis, resultado da “liberdade dos mercados”, a
especulação, o aumento do custo de vida e a pressão inflacionária, a sensível
questão dos transportes públicos, tudo isso parece não fazer parte da realidade
fotografada pela lente de Emir Sader. Aliás, nem mesmo a reforma agrária, uma
das bandeiras do PT de outrora, foi considerada em função da política de
favorecimento ao agronegócio, às commodities e de todas as suas consequências
para a segurança alimentar da população, salvo algumas tímidas ações em prol da
agricultura familiar. O lema “País de Todos”, ainda que pensado de maneira
inclusiva, na prática revela que os verdadeiros beneficiários do Brasil de hoje
são os operadores dos consórcios que gerenciam os pedágios nas estradas, os
trens, os metrôs, as obras superfaturadas, etc.
A menina dos olhos de ouro do governo é o programa Bolsa
Família, que mais não é do que uma remodelagem dos antigos programas sociais de
transferência de renda criados por FHC. O PBF – segundo dados levantados quando
do seu décimo aniversário – atende atualmente cerca de 50 milhões de
brasileiros. Pelos próprios critérios de acesso, ao invés de se comemorar,
pode-se concluir que parcela significativa da população brasileira continua
vivendo sob péssimas condições de vida (a renda mensal do beneficiário “pobre”
não pode ser superior a R$ 140; a do “extremamente pobre”, não pode exceder a
R$ 70!). Os valores do benefício, aliás, confirmam isso – o benefício básico é
R$ 70 (desde que o postulante tenha renda mensal por pessoa menor não superior
a R$ 70). E o que era para ser motivo de vergonha para os ex-sindicalistas,
guerrilheiros, trotskistas e revolucionários, vira virtude, e passa a ser o
carro-chefe na defesa pública do governo. É como se “nunca antes na história do
país” tivesse existido programas de “alívio da pobreza”. A vaga ideia de
socialismo de outrora certamente não deveria ser tão vaga para achar que isso
pode ser considerado como alguma coisa próxima da ideia mais vaga de socialismo
que se possa ter – ou mesmo sua caricatura. Realmente, o socialismo no PT
sempre fora algo confuso, mal assimilado, mal compreendido, fato este que
estaria ligado à própria trajetória do marxismo no Brasil e também no mundo.
Por fim, analisando o PT nos dias de hoje, após sua
trajetória, pode-se ter claro, ainda que não estivesse dado no seu início o
rumo atual, os fatores que convergiram para a sua situação de agora. Desde a
imprecisão programática (a ideia vaga de socialismo), a sua existência como
frente de partidos ou tendências (algo mais próximo a um Movimento do que
propriamente um Partido), a origem diversa de seus fundadores (como conciliar
revolucionários, comunistas, ex-guerrilheiros e cristãos da Igreja?), aos
aggiornamentos que aqueles que desde o início assumiram o comando do Partido e
o submeteram à moderação, priorizando sempre a necessidade de se chegar ao
poder ao invés duma discussão programática efetivamente alternativa. Esse
transformismo – que pode ser visualizado, em grande parte, nas páginas de
História do PT – foi gestado de dentro do PT, pelas mudanças de posição de
suas lideranças – ou capitulação, como alguns podem preferir. E, logo,
evidentemente, não iriam eles chegar ao poder e promover uma revolução, ou
mesmo mudanças progressistas. As ações mais criticadas do PT após 2003 já
haviam se desenvolvido antes dele chegar ao poder central.
Portanto, diferente de Emir Sader, o ciclo do PT de outrora,
anti-privatização, defensor exclusivo da classe trabalhadora, anti-capitalista,
como chegou a afirmar Lula em sua posse como presidente do sindicato dos
metalúrgicos, ou mesmo socialista, chegou ao final – e a prova de fogo são os
onze anos à frente do poder central brasileiro. Se isso fez aparecer, ou ainda
que faça, mesmo lentamente, o surgimento de uma esquerda em seu lugar, é outra
questão, que não anula o fato do transformismo – ainda que a sua simples
existência ainda tenha impacto significativo nesse processo. As manifestações
de junho de 2013 justificam o “ainda”; ou seja, elas podem fazer – daqui pra
frente – a roda da história girar. Por outro lado, isso não quer dizer que o
polo oposto, a direita anti-comunista, não tenha desferido ataques mais
contundentes e sistemáticos ao projeto da esquerda – é só ver as recentes
investidas no mercado editorial de livros (na verdade, alguns seriam “Guias”,
como a série “politicamente incorreto”), as posições estratégicas assumidas na
chamada grande mídia por articulistas assumidamente de direita, como Luiz Felipe
Pondé e Reinaldo Azevedo, para não falar do ultrarreacionário Olavo de
Carvalho, e do novo recruta, Lobão. A tão falada base social militante do
partido vem sendo corroída, não à toa, e os novos apoiadores, ao que parece,
são amarrados ao voto no partido pelo BF (uma nova e lamentável forma de
clientelismo). A ideia vaga de socialismo tornou-se tão vaga que a ideia de
socialismo – talvez na cabeça de alguns que se ponham a pensar sobre o assunto
– passou a ser, já que ocupam o Estado, uma ação pública de ajuda humanitária
aos pobres, de caridade.
Agora, em relação ao PT de hoje, o que restou do partido após
a sua transformação, isto é, o PT transformado, o autor que lhes vos fala não é
analista político para prever o sucesso ou insucesso nas eleições presidenciais.
Isto, agora, pouco importa. O que importa, verdadeiramente, é pensar os graves
problemas do país e uma forma verdadeiramente alternativa de enfrentá-los.
Afinal, precisamos avançar na abertura de um novo ciclo na história do país. E
avançar, pela esquerda.