Acelerador de partículas construído entre a Suíça e a França |
HENRIQUE CANARY
• "Por que deveríamos
subsidiar a curiosidade intelectual?"
Ronald Reagan,
presidente americano, discurso de campanha eleitoral, 1980.
"Nada é mais digno de
nosso patrocínio que o fomento da ciência e da literatura. O conhecimento é, em
todo e qualquer país, a base mais segura da felicidade pública"
George Washington,
presidente americano, discurso no congresso, 1790.
No dia em que se comemora a
Independência norte-americana, dia em que os Estados Unidos escolheram para
dizer para si mesmos e para o mundo como eles são uma grande nação, a velha
Europa, mergulhada em crise, mas herdeira de uma gloriosa tradição intelectual,
anunciou o que pode ser o maior feito científico desde o descobrimento do DNA,
em 1953.
O “bóson de Higgs”, partícula
fundamental que fornece massa a todas as outras partículas e que, portanto, é
responsável por formar simplesmente toda a matéria do universo, está prestes a
ser encontrado. No último dia 4 de julho, experimentos realizados no Centro
Europeu de Física Nuclear (CERN) mostraram fortes indícios da existência do
bóson. Embora muitos cálculos e novos experimentos ainda precisem ser feitos, é
inegável que nos aproximamos cada vez mais da última fronteira que nos
permitirá entender a origem da matéria, e com ela, a origem do próprio
universo. Mas as lições desse feito não se reduzem ao mundo da ciência e aos
cadernos de domingo dos jornais burgueses. Todo operário consciente deve
conhecer essa discussão e saber tirar as conclusões necessárias.
O
incrível mundo subatômico
Como todos aprendemos na
escola, a matéria que nos rodeia é composta por átomos. Mas os próprios átomos,
que antes se acreditavam unos e indivisíveis, são apenas uma combinação
específica de outras partículas ainda menores: os prótons, neutrons e elétrons.
Os prótons e neutros se agrupam no núcleo do átomo em um número específico,
dando origem a um determinado elemento químico: hidrogênio, oxigênio, carbono
etc. Os elétrons, por sua vez, orbitam esse núcleo.
Frequentemente, para
representar um átomo, desenhamos um pequena esfera com os elétrons girando ao
seu redor. Isso é assim apenas em parte. A ideia central está correta, mas se
fôssemos levar em consideração a escala das coisas, o desenho seria muito
diferente. Se o núcleo do átomo fosse do tamanho de um limão, por exemplo, os
elétrons estariam girando a cerca de 3 quilômetros de distância desse “limão”
(núcleo). Quer dizer, o espaço entre a órbita dos elétrons e o núcleo atômico é
imensamente “grande” (em termos sub-atômicos, obviamente). Daí tiramos uma
primeira conclusão como mínimo impressionante: a maior parte da matéria que
vemos, das coisas e pessoas que tocamos e sentimos é composta de... vazio.
Assim, ao estudar o mundo
subatômico, os cientistas começaram a descobrir coisas fantásticas. Mas o mais
importante: começaram a perceber que as leis tradicionais da física, a chamada
“física newtoniana” (em referência a Isaac Newton, formulador das leis da
mecânica clássica) simplesmente não se aplicavam ao mundo subatômico. Por
exemplo, na física clássica, qualquer objeto, para dar uma volta completa em
torno de si mesmo, tem que girar 360 graus. Assim ocorre, por exemplo, com a
Terra ou com um casal que dança forró. Já no mundo subatômico, existe toda uma
classe de partículas que, para dar uma volta completa em torno de seu próprio
eixo, tem que girar... 540 graus, ou seja, uma volta e meia. Isso parece muito
estranho, mas é assim.
Esses estranhos fenômenos
observados pelos cientistas deram origem a uma nova mecânica, a mecânica do
mundo subatômico, completamente diferente da mecânica clássica de nosso mundo
visível: a chamada mecânica quântica.
O
“modelo padrão”
Estudar o mundo subatômico é
algo muito complicado. Não se pode abrir um átomo e ver o que tem lá dentro. O
que se sabe sobre sua estrutura interna provém fundamentalmente de experimentos
que “refletem” essa estrutura e, obviamente, de muitos cálculos matemáticos.
Assim, ao longo do tempo, foi se estabelecendo um determinado “modelo” de como
seria essa estrutura interna, seus componentes, seu comportamento etc. Isso não
significa que os cientistas façam “especulações” sobre o mundo subatômico.
Muita coisa foi demonstrada com precisão através de experimentos absolutamente
incontestáveis, verificados exaustivamente por todo o mundo científico. Já
outra parte do “modelo” não foi ainda demonstrada. Mas mesmo o que não foi
ainda demonstrado ou descoberto foi previsto matematicamente. Ou seja, os
cientistas não detectaram ainda algumas partículas subatômicas, mas eles sabem
que elas devem estar lá, só podem estar lá, porque todo o modelo só faz sentido
se elas existirem e estiverem lá.
O “modelo padrão” é, portanto,
um enorme (ou minúsculo) quebra-cabeça que vem sendo montado ao longo de várias
décadas através dos esforços conjuntos de diferentes gerações de cientistas de
diversos países.
A última peça desse
quebra-cabeça é o “bóson de Higgs”, cujos indícios foram encontrados no último
dia 4 em Genebra, na Suiça.
O
“bóson de Higgs” e o LHC
A peça faltante no
quebra-cabeça do modelo padrão diz respeito ao seguinte: como se formam as
partículas subatômicas? Como elas adquirem massa, ou seja, como se tornam
matéria?
Em 1964 o físico britânico
Peter Higgs propôs a hipótese de que existiria uma partícula específica no
mundo subatômico, cuja função seria justamentre fornecer massa a todas as
outras partículas. Essa partícula, pelo cálculos de Higgs, teria surgido logo
após o Big Bang, há cerca de 15 bilhões de anos atrás, dando origem aos
primeiros átomos e à matéria tal qual nós a conhecemos.
No entanto, a hipótese de Higgs
permaneceu apenas um modelo matemático porque não havia condições técnicas de
por à prova sua teoria.
Somente em 2008, com a
inauguração do LHC (Large Hadron Colider, ou “Grande Colisor de Hádrons”), um
imenso acelerador de partículas de 27 quilômetros de circunferência enterrado
na fronteira entre a Suiça e a França, foi possível dar início aos experimentos
que deveriam demonstrar a existência do bóson de Higgs.
O que faz um acelerador de
partículas? Basicamente, consiste em dois tubos circulares dentro dos quais se
injetam duas “nuvens” de prótons eletricamente carregados. Essas “nuvens” vão
sendo aceleradas em direções contrárias por meio de um sistema de imãs
colocados ao longo dos tubos. Quando as duas nuvens atingem 99,99% da
velocidade da luz, os dois tubos são “conectados” um ao outro (como nos desvios
de trens), fazendo com que as duas “nuvens”, que giravam em direções opostas,
se choquem violentamente. A colisão é tão poderosa, que a energia liberada pode
ser comparada (proporcionalmente, é claro) ao próprio Big Bang. Os prótons
literalmente “se quebram”, dando origem a partículas menores, ou seja,
demonstrando de que são feitos. Quanto maior o choque, menor a partícula gerada
e mais a fundo a estrutura subatômica é revelada.
Foi basicamente esse
experimento que detectou fortes indício do bóson de Higgs no último dia 4 em
Genebra. Se não o capturamos ainda, pelos menos estamos nas suas pegadas...
O
que muda com o bóson de Higgs?
Uma coisa muito importante: a
percepção do homem sobre o universo e a matéria. Se o bóson de Higgs for
encontrado, ficará definitivamente provado que a matéria pode sim surgir do
nada.
Isso abalaria profundamente os
alicerces das distintas religiões, pois várias delas, depois que aceitaram
muito a contragosto a ideia do Big Bang, seguem batendo na tecla de que a
matéria do universo não poderia ter surgido “do nada”. O bóson de Higgs comprovaria
justamente que a matéria não só surgiu do nada, como ainda hoje surge
constantemente do nada e se transforma constantemente em nada. Aceitar essa
ideia é difícil para qualquer pessoa normal exatamente porque se trata de um
fenômeno quântico, ou seja, regido por outras leis que não as da física
clássica. Parece ilógico, absurdo, irracional, mas de acordo com as leis da
física quântica, é um fenômenos tão banal, quanto a queda de uma maçã ou a
frenagem de um carro.
“Partícula
de Deus”?
O bóson de Higgs é
frequentemente chamado na imprensa de “partícula de Deus”. A conotação
ideológica do apelido é evidente: tentar atribuir a Deus a existência da
partícula, mantendo assim uma visão mística do universo.
No entanto, há dois problemas
com esse apelido: o primeiro é que ele não passa de um mal entendido. Em 1993,
o prêmio Nobel de física Leon Lederman escreveu um livro sobre o bóson de
Higgs, cujo título em inglês era “The goddamn particle” (literalmente, “a
partícula maldita”), em referência às dificuldades que se enfrentavam para
encontrá-la. Mas a editora de Lederman achou o título muito agressivo e mudou
para “The God particle” (A partícula de Deus), para não afastar o público
religioso. O infeliz apelido acabou pegando e a pobre partícula é chamada assim
até hoje.
O segundo problema é que o
bóson de Higgs justamente afasta ainda mais a ideia de um deus-criador do
universo. Da mesma maneira que Darwin demonstrou que o homem não necessitou ser
criado, pois havia evoluído de especies anteriores, assim também o bóson de
Higgs demonstrará simplesmente que a matéria do universo (ou seja, tudo!) não
precisou de um deus para ser formada. Formou-se e organizou-se por si mesma.
Sobre isso, é bom que se
esclareça: nenhuma descoberta científica jamais provará a inexistência de deus,
como desafiam os religiosos. Isso é assim por uma questão lógica. Só se pode
provar que algo “existe”. Não se pode provar que algo “não existe”. Justamente
por isso, o ônus da prova recai sempre sobre aquele que quer demonstrar a
existência de algo. Mas cada descoberta científica prova, isso sim, que deus
não é necessário. Com o tempo e com o avanço da ciência, assim esperamos, a
hipótese de um ser-criador do céu e da terra ficará cada vez mais insustentável
e as pessoas abandonarão essa ideia de maneira mais ou menos natural.
As
conclusões políticas
A discussão sobre o bóson de
Higgs nos remete também a outras, mais políticas. Em primeiro lugar, ficou
definitivamente comprovada a importância decisiva do financiamento estatal às
pesquisas científicas. O LHC custou cerca de 3 bilhões de euros. Quando
começaram as discussões sobre sua construção, muitos políticos e meios de
comunicação criticaram o projeto como sendo um “brinquedinho” para cientistas
vaidosos brincarem de deus. Obviamente, nenhuma empresa privada queria investir
tanto dinheiro em algo que não se tinha nenhuma certeza que iria dar certo. Se
chegou a especular que os experimentos com as nuvens de prótons gerariam um
buraco-negro que engoliria todo o planeta etc. Tamanho o obscurantismo de
certos meios reacionários...
Pois o LHC não só foi
construído com dinheiro estatal em um consórcio entre diversos países, como
funciona de maneira extremamente democrática: os dados obtidos em todos os
experimentos são compartilhados livremente com milhares de cientistas no mundo
inteiro. Ficou provado também, portanto, que as atuais leis que regem a
propriedade intelectual na maioria dos países protegem apenas as grandes
corporações, sendo absolutamente nefastas para desenvolvimento da ciência. É
preciso garantir o livro compartilhamento de toda e qualquer informação, seja
ela científica, cultural, política ou de qualquer outra natureza. As novas leis
que estão sendo votadas em vários países, sobretudo EUA e Europa, e que regulam
o uso da internet e criminalizam compartilhamento de informação, sob a
justificativa da “proteção” dos autores, vai na contra-mão da história. Puxa a
humanidade para trás.
O
espírito da ciência e o socialismo
O que buscam os cientistas do
CERN quando enviam os dados de seus experimentos para colegas do mundo inteiro?
A resposta é simples: buscam críticas ao seu trabalho. Querem que outros
cientistas encontrem os erros que eles não encontraram. Tal é o espírito da
verdadeira ciência: a verdadeira ciência é movida por grandes paixões e
hipótese visionárias, mas é rigidamente controlada pelo pensamento cético. A
ciência não busca respostas fáceis e fábulas reconfortantes. A ciência busca a
verdade. Só a verdade lhe interessa, por dura, incômoda ou vulgar que seja.
O socialismo, ao libertar a
sociedade das amarras da propriedade privada e do lucro, dará à ciência um
impulso nunca visto. A ciência verdadeira, sinônimo de liberdade e humildade,
será ensinada nas escolas, na internet, nos programas de TV (ou outras
tecnologias que venham a ser criadas) de maneira profunda e interessante, e
substituirá as atividades fúteis e alienantes que preenchem hoje a infância de
nossas crianças. A população será cientificamente culta. Dessa população culta
e consciente, se destacarão em número inacreditável para nossos padrões atuais,
os novos gênios do mundo comunista. As mais fantásticas obras da ficção
científica serão realidade em nosso cotidiano e o cidadão comum terá acesso não
apenas ao fruto da ciência, ou seja, à tecnologia, como é hoje, mas conhecerá o
próprio processo científico. Será mais consciente de si mesmo e do mundo a seu
redor. A simples curiosidade, característica dos mamíferos superiores (e não
devemos esquecer nunca que somos apenas uma entre as várias espécies de
mamíferos) trouxe o homem até aqui. No futuro, conduzirá a humanidade muito
além, até fronteiras jamais sonhadas.
Fonte: PSTU
2 comentários:
Ótimo texto! Fiquei feliz em ver um texto sobre ciência aqui.
Eu não sou simpatizante de partido nenhum, mas os textos do PSTU (pelo menos os que eu lí aqui) são bastante coerentes. Aí eu pergunto pro autor do blog: Rubens, qual a sua opnião sobre esse partido em específico?
Caro Jack,
Não sou filiado a nenhum partido e considero que essa democracia representativa burguesa não leva a nenhum outro lugar que não ao de origem. Não vejo mudanças substanciais por esta vi. Já postamos bastante coisas sobre ciência (principalmente sobre a ciência Política. O fato deste texto ter saído no site do PSTU não tem nenhuma relação com opção política nem partidária.
Grato por acompanhar nosso Blog.
Abraço,
Rubens
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