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terça-feira, 17 de julho de 2012

Letônia: aqui o Fundo Monetário expõe seu projeto



Depois do programa elogiado pelo FMI, famílias mudaram-se para antigos barracos de guardar ferramentas
Após “austeridade”, 1/3 dos jovens emigrou, PIB caiu 23%, serviços públicos estão destruídos. Diretora-gerente do FMI elogia: “vocês ensinaram caminho”

Por Andy Robinson | Tradução: Daniela Frabasile
Diante de uma foto gigante das torres medievais e pontes de aço soviético de Riga, Christiane Lagarde dirigia-se a uma sala cheia de executivos e funcionários de roupa cinza. O slogan Letonia: agaisnt all odds (Letônia: contra todos os prognósticos), usado para anunciar a conferência, lembrava um dos filmes de Rambo. E, de fato, a diretoria do Fundo Monetário Internacional (FMI) estava na Letônia para alardear que havia cumprido sua missão, três anos depois de assinar um acordo para resgate da economia nacional. “Quem teria imaginado em 2009 que estaríamos aqui celebrando essa conquista, depois de um percurso tão difícil? É um tour de force; ensinaram o caminho para a zona do euro…”.
Por que tantos elogios a um pequeno país pós-soviético de dois milhões de habitantes no mar Báltico, cujo principal produto de exportação é madeira extraída das florestas que existem da capital até a fronteira com a Rússia? Porque “somos a experiência em laboratório da desvalorização interna”, ironizou Serguéo Acupov, ex-assessor do Governo que, depois de conseguir realizar a transição-relâmpago para a economia de mercado, em 1990, parece hoje muito menos convencido pela ideologia do choque rápido e agudo. “Querem um exemplo para Grécia, Portugal.. Espanha”. Por “desvalorização interna”, Acupov refere-se à política de ajustes através de cortes salariais e nos gastos públicos. Ainda que a Letônia não seja membro da zona do euro, recusou-se a desvalorizar sua moeda, o Lat, e se tornou a cobaia da terapia de choque — mais ou menos como o Chile, nos anos que antecederam a chamada revolução neoliberal no Reino Unido e nos Estados Unidos. “Escrevemos um novo capítulo nos livros”, disse um dos participantes da conferência do FMI.
Depois do estouro de sua própria bolha imobiliária e uma crise financeira da dívida, a Letônia firmou, em dezembro de 2008, um acordo de resgate com a União Europeia e o FMI. Em troca de receber créditos de 7,5 bilhões de euros, o governo lançou o maior de todos os ajustes orçamentários, equivalente a 17% do valor de sua economia em apenas dois anos. A Letônia submeteu-se à pior recessão econômica registrada na Europa, igualando-se à Grande Depressão estadunidense. O PIB caiu 23% em dois anos. Os salários despencaram entre 25 e 30%. Enquanto o desemprego aumentava de 5% para 20%, o salário-desemprego foi reduzido a 40 latis (57 euros) por mês. A pobreza alcançou quatro em cada dez famílias, mas a alíquota única do imposto sobre a renda foi eleva (para 25%), passando a incidir até sobre os rendimentos mensais de 60 euros.
Nem mesmo a Grécia aniquilou um quarto de sua economia, como fizeram os letões. Mas agora a desvalorização interna dá seus frutos, segundo argumentam Lagarde e outros que desenharam o ajuste. A Letônia cresce 6% este ano, mais que qualquer outra economia europeia, e eliminou suas dívidas anteriores. Agora, seria um modelo europeu a ser seguido. “Fizemos o que tínhamos que fazer”, disse Ilmars Rimsevics, o severo governador do Banco da Letônia, “eu diria que matamos o touro a unha, mas meus assessores me aconselharam a falar em podar a árvore”, acrescentou com um senso de humor muito letão.
A uns doze quilômetros do centro de Riga, Diana Vasilane entende o que sente alguém ao ser podado, “minha filha mudou-se para Roma há três meses, quando sua empresa, Statoil (da Noruega), cortou seu salário de 600 para 400 lats por mês; meu filho foi para a Suécia; o filho do vizinho para a Austrália; estamos aqui rezando para não vivermos muito porque ninguém irá cuidar de nós”, disse. A revoada de jovens para outros países já havia começado depois da queda do comunismo. Mas desde o início do chamado “resgate” de 2009, este movimento tornou-se uma hemorragia. 10% da população (230 mil, de um total de 2.2 milhões de habitantes) saíram do país. Um em cada três letões com menos de 30 anos se foi, a maioria para nunca voltar.
Até as cidades britânicas mais pobres são destino para letões em busca de trabalho. O voo da Ryanair de Liverpool para Riga ia cheio de jovens leetões que visitavam suas famílias, e todos os voos de volta estavam cheios, na semana passada. Isso soma-se aos graves problemas demográficos na Letôna, devido a uma taxa de fecundidade baixa e uma expectativa de vida reduzida (um problema agravado por um sistema de saúde em crise orçamentária). “A população envelhece rapidamente”, disse o demógrafo Mihail Hazans. Isso “já ameaça o desenvolvimento econômico e a segurança social”.
Os filhos não foram a única parte da vida de Vasilane que foi podada. Há um ano e meio, ela era diretora da ONG Risk Berni (Risckchild.org), que prestava apoio a crianças de famílias marginalizadas (quase todas) do bairro Moscow Worstadt, de etnia russa e em ruínas, no centro de Riga. Moscow Worstadt era antes um distrito industrial da economia soviética. Agora é um foco de prostituição, drogas e atividades ilícitas.
No centro infantil Riska Berni, davam comida a 20 ou 30 crianças por dia e distribuíam roupas. Organizavam atividades – remo no rio, patinação, partidas de futebol – para adolescentes. O estado letão ajudava com 2000 lat (2400 euros) por mês. O hotel Radisson fornecia as sobras de sua cozinha, talvez dos jantares das próprias equipes da União Europeia e FMI que chegavam a Riga, de vez em quando. Mas o mega ajuste também chegou a Riska Berni. O governo podou o subsídio pela metade e Riska Berni fechou no ano passado. “Com tanta emigração, as mães de muitas crianças foram a outros países e muitas das crianças agora vivem com seus irmãos maiores ou seus avós”, disse. Durante uma parada em Moscow Worstadt, um jovem de cabeça raspada entrou em um bar onde homens com cara de poucos amigos tomavam cerveja em silêncio. “Acabei de brigar com um; ele bateu em mim primeiro”, disse. Nas ruas, jovens prostitutas – talvez de 17 ou 18 anos – esperavam.
Exceto Moscow  Worstadt, a crise chama atenção por sua ausência no centro de Riga, visitado por bandos de turistas nórdicos que interrompem seu tour pelas igrejas para tomar sopa de beterraba nas varandas onde um grupo toca Knocking on heaven’s door. Mas no subúrbio, onde vive Diana, as portas não são do paraíso, mas sim de centenas de habitações precárias, onde muitas vezes moram famílias que foram despejadas depois do estouro da bolha imobiliária. “Muitas das casas boas pertencem aos bancos, e seus ex-habitantes acabam aqui”, acrescenta Vasilane enquanto um ônibus sobe uma rua sem asfalto. Entramos em uma urbanização de barracos de madeira que se estende até o rio, muitas delas com lotes cultivados que os novos pobres da Letônia combinam com a pesca para sobreviver. Não tem eletricidade, apesar de temperaturas de — 20º C no inverno. “Nos tempos soviéticos, as pessoas tinham pequenos pomares aqui para os finais de semana com um barracão para guardar as ferramentas” – disse o condutor. Agora as pessoas vivem nos barracões.
Konstance Bondare, de 80 anos, é uma das moradoras do bairro de habitações precárias. Vive em uma cabana de madeira em ruínas, sem luz e sem água, talvez um desses barracões que em tempos soviéticos eram usados para armazenar ferramentas. Konstance diz que veio morar aqui há um ano e meio, depois de ser despejado por um banco que tomou posse de seu apartamento em Riga. Havia avalizado a hipoteca do apartamento que sua filha comprara alguns anos antes;  quando esta perdeu o emprego, o banco apreendeu os dois apartamentos. Assim como um em cada três jovens letões que emigraram desde o início do ajuste, a filha também se mudou. Konstance veio viver aqui com seu cachorro. Ele recebe uma pensão de aproximadamente 180 euros por mês. Vai todos os dias ao rio, buscar água — e diz que bebe. Para a descrença daqueles que a entrevistaram, afirma que paga o aluguel deste barraco de cerca de 12 metros quadrados, mas não diz a quem. “O banco me jogou na rua e me sugeriram envenenar meu cachorro; prefiro envenenar a mim mesma” disse, “olhem como nós letões vivemos em nosso próprio país!”.
Há centenas de habitações como esta neste subúrbio rural de Riga, aberto pelas vítimas do ajuste. Curiosamente, muitas das ruelas entre as habitações têm cadeados anti-roubo. “Temos poucos bens, mas há muitos roubos e temos medo”, disse. Uma senhora da idade de Konstance foi assassinada com um machado há algumas semanas perto daqui. Roubaram sua pensão de mais ou menos 100 euros.

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