"O Estado não pode
eliminar a contradição entre a função e a boa vontade da administração, de um
lado, e os seus meios e possibilidades, de outro, sem eliminar a si mesmo, uma
vez que repousa sobre essa contradição. Ele repousa sobre a contradição entre
vida privada e pública, sobre a contradição entre os interesses gerais e os
interesses particulares. Por isso, a administração deve limitar-se a uma atividade
formal e negativa, uma vez que exatamente lá onde começa a vida civil e o seu
trabalho, cessa o seu poder. Mais ainda, frente à consequências que brotam da
natureza a-social desta vida civil, dessa propriedade privada, desse comércio,
dessa indústria, dessa rapina recíproca das diferentes esferas civis, frente a
estas consequências, a impotência é a lei natural da administração. Com efeito,
esta dilaceração, esta infâmia, esta escravidão da sociedade civil, é o
fundamento natural onde se apoia o Estado moderno, assim como a sociedade civil
da escravidão era o fundamento no qual se apoiava o Estado antigo. A existência
do Estado e a existência da escravidão são inseparáveis. O Estado antigo e a
escravidão antiga - fracas antíteses clássicas - não estavam fundidos entre si
mais estreitamente do que o Estado moderno e o moderno mundo de traficantes,
hipócritas antíteses cristãs. Se o Estado moderno quisesse acabar com a
impotência da sua administração, teria que acabar com a atual vida privada. Se
ele quisesse eliminar a vida privada, deveria eliminar a si mesmo, uma vez que
ele só existe como antítese dela. Mas nenhum ser vivo acredita que os defeitos
de sua existência tenham a sua raiz no princípio da sua vida, na essência da
sua vida, mas, ao contrário, em circunstâncias externas à sua vida. O suicídio
é contra a natureza. Por isso, o Estado não pode acreditar na impotência
interior da sua administração, isto é, de si mesmo. Ele pode descobrir apenas
defeitos formais, casuais, da mesma, e tentar remediá-los. Se tais modificações
são infrutíferas, então o mal social é uma imperfeição natural, independente do
homem, uma lei de Deus, ou então a vontade dos indivíduos particulares é por
demais corrupta para corresponder aos bons objetivos da administração. E quem
são esses pervertidos indivíduos particulares? São os que murmuram contra o
governo sempre que ele limita a liberdade e pretendem que o governo impeça as consequências
necessárias dessa liberdade".
"Quanto mais poderoso é o
Estado e, portanto, quanto mais político é um país, tanto menos está disposto a
procurar no princípio do Estado, portanto no atual ordenamento da sociedade, do
qual o Estado é a expressão ativa, autoconsciente e oficial, o fundamento dos
males sociais e a compreender-lhes o princípio geral. O intelecto político é
político exatamente na medida em que pensa dentro dos limites da política.
Quanto mais agudo ele é, quanto mais vivo, tanto menos é capaz de compreender
os males sociais. O período clássico do intelecto político é a Revolução
francesa. Bem longe de descobrir no princípio do Estado a fonte dos males
sociais, os heróis da Revolução Francesa descobriram antes nos males sociais a
fonte das más condições políticas. Deste modo, Robespierre vê na grande miséria
vê na grande miséria e na grande riqueza um obstáculo à democracia pura. Por
isso, ele quer estabelecer uma frugalidade espartana geral. O princípio da
política é a vontade. Quanto mais unilateral, isto é, quanto mais perfeito é o
intelecto político, tanto mais ele crê na onipotência da vontade e tanto mais é
cego frente aos limites naturais e espirituais da vontade e, consequentemente,
tanto mais é incapaz de descobrir a fonte dos males sociais. Não é preciso
argumentar mais contra a insensata esperança do "prussiano", segundo
a qual o "intelecto político" é chamado a descobrir as raízes da
miséria social na Alemanha".
Karl Marx
Glosas Críticas ao Artigo
1844
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