Éric
Toussain, economista e presidente do Comitê para Anulação da Dívida, aponta
notáveis semelhanças entre políticas seguidas pelo Velho Continente e as que
empobreceram América Latina no século 20. Nos dois casos, pequena minoria
ganhou com a crise.
Em Adital
27 DE JULHO DE 2012
As
políticas de recorte e austeridade conduzem a alguma parte?
O que fazem é aprofundar e
prolongar a crise. Qualquer economista sério sabe que se houver redução do
gasto público e se, ao mesmo tempo, a demanda privada for comprimida,
congelando salários e reduzindo as prestações aos aposentados, a consequência é
um débil ou negativo crescimento. Isso é o que está acontecendo em vários
países da União Europeia. As medidas tomadas pela Comissão Europeia (CE) e
pelos governos nacionais desembocam no aprofundamento da crise e em sua
ampliação, com projeção para os próximos 10 a 15 anos.
Enquanto
isso, deve ser tomada alguma medida para encurtar esse tempo projetado?
Refiro-me a essa duração de
tempo [de 10 ou 15 anos] porque na situação atual de ausência de crescimento ou
de depressão, a consequência é o aumento da dívida pública. O que acontece é
que, através do resgate bancário, a dívida privada está sendo transferida para
a dívida pública; e a depressão econômica está diminuindo a arrecadação fiscal
por falta de atividade. Pode acontecer o que já aconteceu na América Latina,
onde as pessoas, após 10 anos, não aguentaram mais esse tipo de política. As
pessoas não acreditam que a austeridade e a disciplina fiscal vão melhorar a
economia, nem tampouco no efeito positivo dos 120 bilhões de euros que a União
Europeia (EU) liberou para incentivar o crescimento. É difícil calcular a
reação das pessoas contra essa política. Se considerarmos a Grécia como um
laboratório, está claro que há dois anos a reação popular tem sido muito forte;
primeiro na rua e, depois, nas urnas. E isso não desembocou em nenhuma
alternativa, pois, nas últimas eleições, por um pouco mais de dois pontos
percentuais, ganhou o partido da Nova Democracia.
Com
a ausência de medidas de ativação da economia, a situação será de ‘default’?
É provável que em 10 ou 15 anos
haja casos de ‘default’, ou seja, de não pagamento da dívida por parte de
alguns Estados. Saber esses 10 ou 15 anos é crucial para pensar saídas à crise
faz com que o trabalho de conscientização da população em busca de alternativas
para mudar a correlação de forças políticas e sociais; e isso se apresenta como
um objetivo que se tornará realidade em dois ou três anos. Estamos em uma fase
na qual os que estão na ofensiva são os responsáveis ou cúmplices da crise. E
estes continuarão mais ou menos nessa linha.
Que medidas podem ser adotadas
para reativar a economia?
É evidente que reativar a
economiza implica um programa com várias medidas importantes, entre as quais
está aumentar o gasto público, o que significa ter um déficit. Com a reativação
econômica, aumentam os ingressos e estes têm que seguir paralelamente com o
aumento dos impostos sobre os que se beneficiaram nesses últimos 20 anos,
especulando e gozando de benefícios fiscais: os mais ricos. Nesse sentido, o
Imposto de Patrimônio e sobre os ingressos dos mais ricos deveriam ser
aumentados em 1%. Nas economias mais industrializadas, os ricos aumentaram seu
patrimônio nos últimos dez anos em 50%, o que significa 20% do PIB nacional. Há
uma década esse aumento era de 10%. Também terá que ser aumentado o imposto de
sociedades das grandes empresas, que baixou não só o tipo de gravame
estabelecido, mas também o valor que realmente pagam.
Em
que termos situa o déficit para que haja crescimento?
Em torno de 4 a 5%. Na Espanha
existe um déficit significativo de 8%; isso, porém, sem nenhuma política de
estímulo à economia. Temos que destacar que uma parte da dívida pública é
ilegítima. É necessário que a maioria dos países da UE perdoem a dívidas. Essa
decisão não virá do Governo de Rajoy, mas da pressão da mobilização cidadã,
forçando a formação de outro tipo de governos.
Vendo o caso da Grécia, parece
que esse cenário fica longe… Por isso, falo da necessidade de 10 a 15 anos para
sair da crise. A Grécia esteve ao ponto de chegar a essa situação extrema e não
descarto que ainda corra risco, porque o governo que surgiu nas últimas
eleições é muito débil. Temos que levar em consideração também o caso da
Islândia, onde houve uma mobilização cidadã que produziu uma mudança na presidência
do país e obrigou-os a tomar decisões opostas ao resgate que Rajoy tem feito
com os bancos. A solução que foi dada na Islândia aos bancos é radicalmente
diferente da que tem sido dada na Espanha.
Como pode haver gasto público
se a dívida pública vai aliviar a dívida privada dos bancos?
Por isso digo que a parte
ilegítima da dívida deve ser perdoada. Quando a CE fala de baixar o déficit
fiscal nunca contempla a redução do pagamento da dívida; quando o orçamento
saldar a dívida significa aumentá-la. A visão da CE é que, como a dívida
pública aumenta, é necessário diminuir o déficit fiscal e, portanto, reduzir os
gastos públicos, quando o correto seria baixar a dívida e aumentar o
investimento de forma a permitir o estímulo da demanda pública e privada e a
atividade econômica.
O
senhor é partidário da expropriação dos bancos?
Sim. Quando falo de expropriar
me refiro que devem partir do interesse coletivo dos cidadãos e dos países. Não
se pode confiar naqueles que levaram os bancos ao desastre e transferir essa
situação ao setor público. Tem que haver um controle cidadão e uma auditoria
permanente das contas do setor financeiro. A expropriação não significa
estatizar os bancos de uma maneira burocrática, mas um controle dos cidadãos,
através da transparência das contas, para o financiamento de projetos que
sirvam ao interesse social. Os bancos são insolventes e dependem dos créditos
do Banco Central Europeu. Tem que haver um setor financeiro público e um
privado cooperativo de tamanho médio para evitar modelos de cooperativas de
crédito que, por suas dimensões, abandonaram essa filosofia. Isto é, que os
sócios participem na entidade.
Fonte: Outras
Palavras