15 DE JULHO DE 2014
Polícia e Judiciário fazem
prisões arbitrárias, sem provas ou direito de defesa, rasgando Constituição.
Mídia esconde fatos. Ministro da Justiça conivente
Segundo o chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, as prisões seriam para impedir que atos de violência ocorressem neste domingo. A lei permite isso?
A polícia do Rio apresentou várias coisas que teriam sido apreendidas nas residências dos presos. Pelas fotos publicadas na mídia, dá pra ver máscaras contra gás lacrimogêneo, viseiras, um revólver…
Polícia e Judiciário fazem
prisões arbitrárias, sem provas ou direito de defesa, rasgando Constituição.
Mídia esconde fatos. Ministro da Justiça conivente
Por João Batista Damasceno,
entrevistado por Conceição Lemes, no Viomundo
Nessa sexta-feira 11, a 27ª
Vara Criminal da cidade do Rio de Janeiro expediu 26 mandados de prisão
temporária e dois de busca e apreensão de menores de idade.
A maioria foi detida ontem
(12.07). Acusação: formação de quadrilha armada, com pena prevista de até três
anos de reclusão.
Em entrevista coletiva nesse
sábado, o chefe de Polícia Civil do Rio de Janeiro, delegado Fernando Veloso,
justificou: “Estamos monitorando a ação desse grupo de pessoas desde setembro
do ano passado. A prisão delas vai impedir que outros atos de violência ocorram
neste domingo”.
Veloso disse que a polícia
fluminense tem provas “robustas” e consistentes” de que “essa quadrilha
pretendia praticar atos violentos se não hoje, amanhã [domingo]”.
Na mesma coletiva , a delegada
Renata Araújo, adjunta da Delegacia de Repressão a Crimes de Informática
(DRCI), alegou: “Eles planejavam ataques e se aproveitavam de problemas reais
para fazer manifestações onde usavam artefatos para incendiar ônibus, depredar
agências bancárias, entre outros”.
“Do ponto de vista substancial,
não há como defender a legalidade de tais prisões”, denuncia o juiz João
Batista Damasceno, membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
“Violou-se o direito constitucional de liberdade de manifestação do pensamento
e direito de reunião.”
“Na prática, implementaram-se
medidas típicas de um Estado de Sítio, sem que ele tivesse sido decretado. Isso
é crime de responsabilidade”, alerta. “Num Estado de Direito efetivo, as
autoridades envolvidas numa situação como essa seriam chamadas a se explicar e
poderiam, eventualmente, ser responsabilizadas.”
“A polícia fluminense se
converteu na ‘polícia Mãe Dinah’ que investiga o futuro”, critica Damasceno.
“Seria cômico não fosse trágico ao Estado de Direito e não representasse um
perigo de volta ao tempo sombrio da ditadura militar, notadamente quando
vigente o AI-5, que suprimira o habeas corpus.”
A propósito. Entre as coisas
apreendidas pela polícia do Rio de Janeiro na residência dos presos há máscaras
contra gás lacrimogêneo, viseiras, máscaras de carnaval, computadores, livros
de capa vermelha e um revólver.
“O revólver foi apreendido na
casa de um adolescente que milita politicamente. Só que é do pai do ativista,
que tem porte legal de arma. A mídia tradicional tem a informação, mas não
publica”, acusa Damasceno.
“A prisão de máscaras de
carnaval, bandeiras vermelhas e até livros de literatura — pelo simples fato de
terem a capa vermelha — é a prova do retorno da estupidez às práticas policiais
dos tempos de ditadura”, vai mais fundo. “Mudou-se o nome, mas a política é a
mesma.”
Segue a íntegra da nossa entrevista
com João Batista Damasceno, que é juiz no Rio de Janeiro, doutor em Ciência
Política e membro da Associação Juízes para a Democracia (AJD).
Segundo o chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, as prisões seriam para impedir que atos de violência ocorressem neste domingo. A lei permite isso?
A Constituição dispõe que
ninguém será considerado culpado sem que haja sentença condenatória transitada
em julgado. Neste momento, estamos vivenciando casos de responsabilização antes
que a pessoa cometa o fato tido como criminoso.
Não se trata apenas de prisão
temporária, visando à apuração do fato cometido. Nem prisão preventiva, para
proteção do processo, ou seja, das testemunhas e garantia da execução penal,
caso o acusado seja condenado.
Trata-se de prisão antecipada
ao fato, que não se pode afirmar que aconteceria. A militante Elisa [Elisa
Quadros, conhecida como Sininho] estava no Rio Grande do Sul e certamente não
viria ao Rio de Janeiro para as manifestações de encerramento da Copa.
No Rio de Janeiro, já tivemos
um chefe de polícia que se envolveu com o crime organizado internacional, no
caso a máfia espanhola, apontada, na época, como responsável pelo tráfico
internacional de drogas.
Seria um absurdo defender a
prisão do atual chefe de polícia a fim de evitar que pudesse – no futuro –
cometer os mesmos crimes que teriam sido cometidos por aquele chefe de polícia
no final do século XX.
Perante a lei, o atual chefe de
polícia merece a mesma consideração que os demais cidadãos brasileiros. A
violação ao direito de uns permite que o direito de outros também seja violado,
inclusive do próprio chefe de polícia.
Mas é preciso lembrar que tais
prisões foram decretadas pelo poder Judiciário, que tem funcionado como
auxiliar da polícia e do governo na violação aos direitos dos cidadãos. Assim,
não se espera que funcione como órgão garantidor dos direitos.
Essas
prisões são ilegais então?
Elas foram efetuadas a pedido
da polícia, mas por decretação do Judiciário.
Do ponto de vista formal, a
polícia fez o que o Judiciário autorizou. Claro que na execução da medida no
Rio Grande do Sul os policiais fluminenses não poderiam ter atuado. Eles agiram
fora do limite territorial do Estado do Rio de Janeiro. Atuaram com excesso de
poder.
O delegado encarregado da
diligência gravou vídeo da prisão da militante no Rio Grande do Sul, expondo
indevidamente sua imagem, e disse estar em auxílio à polícia gaúcha. Mas vendo
o vídeo percebe-se que toda a diligência foi efetuada pela polícia fluminense.
Trata-se de uma polícia, que,
desde a condecoração dos homens do Esquadrão da Morte nos anos 60 pelo
governador Carlos Lacerda, atua à margem da lei.
Do ponto de vista substancial,
não há como defender a legalidade de tais prisões.
Em entrevista, o chefe de
polícia do Rio de Janeiro disse que tais militantes vinham sendo monitorados
desde setembro de 2013 e que as prisões evitariam que participassem de
manifestações neste domingo, final da Copa.
Porém, violou-se o direito
constitucional de liberdade de manifestação do pensamento e direito de reunião.
Na prática, implementaram-se
medidas típicas de um Estado de Sítio, sem que ele tivesse sido decretado. Isso
é crime de responsabilidade. Num Estado de Direito efetivo, as autoridades
envolvidas numa situação como essa seriam chamadas a se explicar e poderiam,
eventualmente, ser responsabilizadas.
A
Justiça determinou a prisão temporária. Por quê?
A prisão temporária, de
discutível constitucionalidade, visa restringir a liberdade de uma pessoa a fim
de coletar prova de crime que se tenha cometido.
A prisão temporária é uma
prisão para preservar as provas, após a ocorrência de um crime. Trata-se de
medida emergencial, por isso se afasta o suposto criminoso da cena do crime
para a produção probatória necessária à sua acusação.
No caso presente, os militantes
estavam sendo monitorados desde setembro de 2013. Não havia prova a ser
coletada emergencialmente.
Fica cada vez mais evidente o
reforço do Estado Policial, com exercício arbitrário do poder da polícia.
Voltamos ao Brasil da Primeira República, quando a política se fazia com a
polícia à frente. O estopim para a Revolução de 30 foi uma ação policial na
casa da namorada de João Dantas, adversário do candidato a vice-presidente de Getúlio
Vargas, João Pessoa.
A polícia do Rio apresentou várias coisas que teriam sido apreendidas nas residências dos presos. Pelas fotos publicadas na mídia, dá pra ver máscaras contra gás lacrimogêneo, viseiras, um revólver…
O revólver foi apreendido na
casa de um adolescente que milita politicamente. Só que o revólver é do pai
desse ativista político, que tem porte legal de arma. A mídia tradicional tem a
informação, mas não publica, legitimando a atuação da polícia.
A polícia tratou o adolescente
como se ele fosse o dono da casa. E diante da demonstração de que seu pai era o
detentor de porte legal de arma, lavrou-se um registro de omissão de cautela. É
uma forma de justificar a apreensão de uma arma que não poderia ser apreendida.
A polícia buscou dar um aparato
legal à apreensão, sob o fundamento de que aquele que tem a posse legal da arma
não a guardou adequadamente, tornando-a passível de apreensão. Mas isto não foi
levado ao conhecimento da sociedade.
Pesa
o fato de estarmos em ano eleitoral?
Com certeza, e a polícia quer
mostrar eficiência na intimidação de opositores das políticas públicas lesivas
aos interesses do povo.
Curiosamente, essa mesma
polícia que prendeu os jovens militantes não se moveu diante do que não foi
apurado na CPI do Cachoeira. Tampouco diante do furto das vigas do elevado da
Perimetral, no Rio de Janeiro. Eram vigas com cerca 20 toneladas! Essa mesma
polícia não foi capaz de esclarecer a autoria do furto, apesar do grande volume
e notável valor econômico.
Igualmente não foram
esclarecidos pela Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI) os
crimes cometidos por policiais. E a DRCI é que está atuando contra os
militantes presos.
Explique
melhor isso.
Computadores de juízes fluminenses
foram invadidos e hackeados e o fato somente se comprovou porque o Ministério
Público o esclareceu. A delegada titular de então direcionou a investigação
para as vítimas.
No ano passado, crimes contra
um magistrado, praticados por policiais pela internet, igualmente terminaram
sem qualquer apuração. De nada adiantou a reunião do delegado titular da DRCI
no gabinete da então chefe de polícia, Martha Rocha. Nada se apurou. As
investigações são seletivas.
Desde a morte do jornalista Tim
Lopes formou-se uma perversa aliança da mídia com a polícia. Já não se
denunciam as arbitrariedades policiais como se fazia antes. O fato se agravou
com a morte do cinegrafista Santiago de Andrade durante uma manifestação
recente.
Não se registrou a morte do
Santiago como uma fatalidade; nem que ele trabalhava sem os equipamentos de
proteção que lhe deveriam ser fornecidos pela empresa de comunicação que o
empregava.
A morte dele foi consequência
da irresponsabilidade de militantes, que não desejavam sua morte, mas também da
culpa grave do empregador que não lhe forneceu os meios adequados para proteção
na cobertura de uma manifestação que se sabia poderia resultar em confronto ou
conflito, como ocorre no restante do mundo.
A polícia fluminense se
converteu na “polícia Mãe Dinah”, que investiga o futuro. Seria cômico se não
fosse trágico ao Estado de Direito e não representasse um perigo de volta ao
tempo sombrio da ditadura militar, notadamente quando vigente o AI-5, que
suprimira o habeas corpus.
A prisão de máscaras de
carnaval, bandeiras vermelhas e até livros de literatura — pelo simples fato de
terem a capa vermelha — é a prova do retorno da estupidez às práticas
policiais. Durante a ditadura, a mesma polícia fazia apreensão de livros pela
cor da capa. Naquela época, não era a Delegacia de Repressão aos Crimes de
Informática, mas o DOPS, Departamento de Ordem Política e Social. Mudou-se o
nome, mas a política é a mesma.
O que representam essas
prisões?
O apogeu da escalada do Estado
Policial. Mas não é coisa que tenha sido formatada apenas pelo atual chefe de
polícia. É parte de uma política federal de repressão aos movimentos sociais. A
atuação tem sido similar em outros Estados. No Rio de Janeiro e em São Paulo
ocorre maior repercussão. Mas esse tipo de atuação se intensificou após reunião
dos secretários de Segurança dos estados no Ministério da Justiça.
É óbvio que nem tudo é coisa do
governo federal; apenas a matriz. As polícias e o próprio Judiciário funcionam
nesses episódios como forças auxiliares. O próprio chefe de polícia desempenha
papel deste quilate.
O povo, para certo de tipo de
político, só é bonito visto do palanque, para onde vai aplaudir o candidato.
Assim pensava Benedito Valadares, velho político mineiro, que cunhou tal frase.
Anastácio Somoza, ditador
nicaraguense derrubado pela Revolução Sandinista em 1979, dividia o povo em
três segmentos: os amigos, a quem dava ouro; os indiferentes, a quem dava prata
e os inimigos, a quem destinava chumbo.
As atuais políticas públicas
têm o mesmo viés. Mas quem ficou com o ouro foi a FIFA. Aos que não se
domesticaram para receber a prata restaram demolições de casas, remoções de
suas comunidades, repressão brutal e prisões.
Fonte: Outras
Palavras
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