A MORTE DO DIABO

Alex Conceição

 

Depois de um dia cansativo de trabalho árduo nas igrejas e ruas do mundo, o Diabo pegou seu carro e se dirigiu à sua casa no subúrbio do além. As vias pelas quais costumava passar não eram das melhores, todos os dias naquele horário havia engarrafamentos, quando não acidentes terríveis com muitos mortos e feridos; isso era devido tanto à imprudência no trânsito quanto às péssimas condições em que se encontravam as estradas.

O que ele não imaginava é que naquele dia um dos sorteados para acompanhar a morte num passeio eterno seria ele. Um caminhoneiro embriagado fazia ultrapassagens indevidamente e surgiu de repente na frente do Diabo a mais de 180 por hora e naquela subidinha de ladeira que gera a mesma aflição pro barrigudinho que não pode ver os seus pés. Foi fatal!

O corcel 73, placa INF 6669, SP - São Paulo entrou com tudo no caminhão. O motorista estando embriagado e não louco conseguiu levantar os pés saindo ileso do acidente. O Diabo que tinha a pele dura, feito couro de jacaré, morreu, mas não ficou deformado; mesmo se fosse o caso ele sempre carregava no bolso o RG, a carteira de trabalho e a carteira de motorista A, B, C, D e E. Os policiais e paramédicos chegando ao local não tiveram dúvidas, era mesmo o corpo de Benito Adolf Josef Antônio Carlos Magalhães Cabral Cortez Lúcifer Diabo de Jesus e Silva. O Diabo morreu tragicamente diante da irresponsabilidade de um motorista ateu.

No velório do dito-cujo, apareceram as mais diversas personalidades. Artistas famosos (principalmente estrelas mundiais do Rock), os diretores dos filmes O Advogado do Diabo, Hell Boy, O homem que desafiou o diabo, O Auto da Compadecida, A Paixão de Cristo etc., cantores de ópera (afinal o diabo estava tentando ser eclético), de RAP, de JAZZ, Bosta Nova... Havia pouco espaço para tanta gente.

Também apareceram no velório grandes líderes religiosos cristãos. Pedir Maiscêdo, Dois Erre Soares, Malataia, o ex-Papa Bento, o novo Papa Chico. Val do milho mandou os pêsames aos familiares e justificou com uma foto dele em uma de suas fazendas com algumas mulheres e se debulhando em lágrimas. Os satanistas também marcaram presença com grandes faixas com frases do tipo “você nunca será esquecido”, “descanse em paz” “vai com Deus”...

Por incrível que pareça o choro mais comovente era o dos lideres cristãos. Eles estavam desesperados e não havia nada que os confortasse. Pedir Maiscêdo caiu em berros e soluços; serviram água com açúcar para o ex e o atual Papa; Malataia desmaiou nos braços de alguns fiéis que o acompanhavam. Foi um verdadeiro rebuliço na capela onde estava o corpo.

Pouca gente estava entendendo o tumulto e o desespero dos cristãos. Nessa hora, porém, chegou ao recinto o todo-poderoso Deus, acompanhado de sete arcanjos. Cumprimentava a todos numa paciência extrema, no entanto, não pode deixar de observar, abismado, a balbúrdia em que se encontrava o local, por conta dos líderes cristãos. Deus passou de fininho e inclinou-se próximo do caixão, parecia sussurrar algo no ouvido do falecido. Ora bolas, Deus ali era algo mais que compreensível, pois aqueles que leram a bíblia sabem que o Diabo já foi um dos filhos mais queridos de Deus e lembrando aqueles tempos é óbvio que o Senhor viria aos préstimos da família que se encontrava desamparada.

Choros e lamentos, risos e cochichos, chá e bolachas poca-zói; um velório comum como de qualquer trabalhador, que deixara marcas neste mundo. A esta hora da madrugada os grandes líderes já se encontravam mais calmos, com aquele soluço de fim de choro e olhos vermelhos em brasa. Era o fim de um mito. Um pop star das religiões cristãs! Por muito tempo havia sido ele o nome mais mencionado nos cultos protestantes e católicos (com direito a apelidos e tudo). Às vezes fazia concorrência até ao grande e poderoso Deus, ou pelo menos era o que deixavam transparecer os pastores e padres que temiam este como uma força maior ou equiparável ao todo-poderoso.

Naquela manhã (a que sucedia o velório) tudo amanheceu num tom mais cinza; algumas pessoas vestiam luto, e até mesmo algumas igrejas (irresponsáveis creio eu) decretaram luto pelo dito-cujo. O cortejo, que se iniciara logo cedo seguiu a rua principal da cidade arrebatando uma multidão lastimosa em partes e curiosa em outras, pois queriam saber se era verdade o fato apresentado em jornais televisivos e de rádio – imagine se o povo tão crítico da mídia confiaria numa notícia tão alarmante. Era verdade! Depois de tanto tempo a mídia apresentava fatos verídicos... Ops! Isso depende da perspectiva é claro, tendo em vista a multiplicidade de versões para a morte do Diabo; tantas que não vale apena nem mencionar. Óbvio que redes de TV e rádio com donos cristãos ficaram divididos em afirmar de quem foi a culpa no acidente – formaram até a teoria de que o motorista estava com o demônio, tese logo refutada pois o demônio estava em seu próprio carro e o caminhoneiro no caminhão. E assim formou-se um mar de opiniões e críticas que foram parar nas redes sociais e daí já sabemos o resultado... Muita merda!

Deixando as notícias de lado e voltando ao cortejo, pudemos observar uma imensidão de gente a acompanhar. No fim aconteceu tudo normal: o caixão desceu um buraco de sete palmos, jogaram terra, acenderam velas e rezaram... Acabou-se a vida do tão prestativo Diabo; aquele que quando respirava não deixou de cumprir com os seus deveres, dentre os quais auxiliando banqueiros e governantes em suas contabilidades, mantendo o leão (bichinho de estimação do governo) sempre bem alimentado com carne fresca de contribuintes.

O dia seguiu pesado e quando caiu a noite ouvia-se um silencio nas igrejas de ponta de esquina e murmurinhos nas igrejas matrizes. Cogitava-se agora a possibilidade de se abrir uns concursos públicos e seleções para os cargos exercidos pelo falecido. Principalmente para aqueles relacionados com os bancos e governo, já que os que faziam parte da igreja eram exercidos de forma voluntária.

O concurso não aconteceu. O que se observou, porém, foi um aumento nas taxas de violência. Os homossexuais continuaram homossexuais, a África continuou pobre, Jequié continuou quente... O que se observou de anormal foi o fim das igrejas. Quanto aos líderes cristãos, estes se preocuparam em como iriam conseguir dinheiro, o que não seria difícil, pois a maioria conseguiu sustentar a idéia de que o Diabo era responsável por tudo, arrebatando multidões de fiéis, então não seria difícil montar empresas de publicidade, candidatar-se, conseguir cargos no governo, ser corretores de imóveis, agiotas, o diabo a quatro!