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quarta-feira, 2 de julho de 2014

Como megaempresas colonizam Estado

POR ADRIANO BELISÁRIO
01/07/2014

Dedo em riste, o prefeito do Rio, Eduardo Paes, confraterniza com empresáiros -- entre eles, à esquerda (na foto), Carlos Carvalho, do consórcio que remodela Zona Portuária. Para prefeito, "Hoje, é o lugar da cidade onde mais tem especulação imobiliária, e graças a Deus é assim”


Caso exemplar do Rio de Janeiro revela: quatro empreiteiras dominam planejamento e construção de todas as obras para Copa e Olimpíadas

Por Adriano Belisário, na Pública

Nas maiores intervenções urbanas no Rio de Janeiro em função da Copa e Olimpíadas mudam os objetivos das obras, os valores, os impactos e as suspeitas de ilegalidade na condução dos projetos. Só não mudam as empresas beneficiadas. Por meio de consórcios firmados entre si e com outras empresas, Odebrecht, Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e OAS se revezam nos dez maiores investimentos relacionados aos jogos.
De acordo com um levantamento feito pela reportagem, chega a quase R$ 30 bilhões o valor oficial das dez maiores obras. São elas: a Linha 4 do Metrô; a construção do Porto Maravilha; a reforma do Maracanã e entorno; os corredores expressos Transcarioca, Transolímpica e Transoeste; a Vila dos Atletas e o Parque Olímpico; o Veículo Leve sobre Trilhos (VLT); e a Reabilitação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá.Veja o infográfico interativo:

A Odebrecht é a grande campeã: está presente em oito dos dez projetos. Já a OAS e a Andrade Gutierrez dividem o segundo lugar, com participação em seis projetos cada uma. Em 7 dos 10 projetos a licitação foi ganha por consórcios com presença de duas ou mais das “quatro irmãs”, como são conhecidas. Em dois destes, a concorrência pública foi feita tendo apenas um consórcio na disputa.

Nem sempre a participação das “quatro irmãs” se dá diretamente através das construtoras. Participam também empresas controladas por elas como a CCR e a Invepar. Os acionistas da primeira são Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez, aliadas ao o Grupo Soares Penido (Serveng-Civilsan), com 17% de ações cada um. No Rio de Janeiro, a CCR detém o monopólio das travessias na Baía de Guanabara, administrando ao mesmo tempo os serviços das barcas e da Ponte Rio-Niterói. (As duas concessões responderam por quase 5% da receita operacional bruta da empresa, em 2013). A Odebrecht, que também era sócia na CCR, vendeu sua participação para criar sua própria empresa no ramo de mobilidade urbana, a Odebrecht Transport, que hoje administra o serviço de trens na região metropolitana do Rio de Janeiro através da Supervia. Já a gestão do metrô carioca fica por conta da Invepar, cujos controladores são a OAS e os fundos de pensão da Caixa Econômica (FUNCEF), Petrobras (PETROS) e o Fundo de Investimento em Ações do Banco do Brasil.

Dentre as obras para Copa e Olimpíadas levantadas pela reportagem, apenas a Reabilitação Ambiental da Bacia de Jacarepaguá é alvo de investigações oficiais sobre cartelização. Porém, para o economista Paulo Furquim, ex-conselheiro do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), algumas características observadas nas licitações merecem a atenção das autoridades. “Estas situações com grandes projetos, formação de consórcios e vencedores que se alternam trazem evidências que mostram uma probabilidade não desprezível de existência de cartel. Evidências adicionais como superfaturamento são motivos suficientes para investigação. São certamente situações preocupantes, em que uma autoridade de concorrência deve colocar uma lupa e olhar com bastante cuidado”, afirma.

Na história recente dessas empresas acumulam-se obras que mereceram a atenção das autoridades – dentro e fora do pacote da Copa. Executivos da Odebrecht, OAS, Camargo Corrêa e Andrade Gutierrez já foram investigadas pelo Ministério Público de São Paulo no chamado “cartel do metrô”, que envolveria o acerto de preços para licitações de obras, fornecimento de carros e manutenção de trens e do metrô em São Paulo. O órgão exige uma indenização aos cofres públicos de R$ 2,5 bilhões. Empresa da Camargo Corrêa, a Intercement também aparece em investigações do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE) sobre cartel no setor de cimentos.

No Rio de Janeiro, a Andrade Gutierrez e Odebrecht compartilharam documentação na concorrência de obras do PAC no Complexo do Alemão, segundo reportagem da Folha de São Paulo. Além de indicarem a mesma empresa (Pomagalski) para fornecer os materiais para a instalação dos teleféricos, Odebrecht e Andrade Gutierrez usaram a mesma tradução juramentada da apresentação desta companhia. De acordo com a reportagem, “documentos apreendidos em várias operações da Polícia Federal mostram que empreiteiras formam consórcios ‘paralelos’ antes da disputa de licitações com a finalidade de superfaturar obras públicas”.

Enquanto isso, nas obras para as Olímpiadas…


Na construção do Parque Olímpico, em Jacarepaguá, e do Veículo Leve sobre Trilhos (VLT), no centro da cidade, a licitação teve apenas um concorrente. As construtoras Norberto Odebrecht e Andrade Gutierrez se uniram para ganhar a primeira, cujo orçamento estimado ultrapassa R$ 2,1 bilhões. Já no VLT não ficou ninguém de fora: foram agraciadas a Odebrecht, OAS (por meio da Invepar), Andrade Gutierrez e Camargo Corrêa (por meio da CCR). Para administrar a concessão de R$ 1,2 bilhão por 25 anos, formou-se o Consórcio VLT Carioca. Nele estão presentes, além de duas companhias estrangeiras, a Odebrecht, a CCR, a Invepar e a Riopar, que conta com a participação do empresário Jacob Barata Filho, que controla grande parte da frota rodoviária da cidade. Mesmo assim, quando questionado sobre sua relação com governantes em uma de suas raras entrevistas, Barata foi direto. “Ninguém está mais próximo do poder público do que empreiteira. […] A gente quer um dia chegar lá. Nós somos crianças perto dessa turma”, afirmou.

Odebrecht, CCR e Invepar também estão juntas no consórcio vencedor da licitação para execução das obras e manutenção da BRT Transolímpica, que prevê investimentos de R$ 1,6 bilhão. O corredor expresso ligará a Barra da Tijuca ao bairro de Deodoro, os dois principais polos dos Jogos de 2016. No caso da construção do corredor expresso Transcarioca, da empresa Andrade Gutierrez, o empreendimento foi considerados superfaturado pelo Tribunal de Contas do Município. Segundo auditoria do órgão, houve sobrepreço de R$ 66 milhões na construção dos mergulhões da via que ligará o Aeroporto Antonio Carlos Jobim à Barra da Tijuca. Antes mesmo da inauguração da obra, foram detectados problemas, como asfalto remendado e rachaduras.

O Maraca


Ao contrário do que aconteceu nas obras de outros estádios para a Copa, a reforma e a privatização da gestão do Maracanã foram feitas em duas etapas. Odebrecht e Andrade Gutierrez fizeram as obras do estádio, que recebeu seu primeiro evento-teste em abril de 2013; quase um ano depois, o Tribunal de Contas do Estado do Rio de Janeiro apontou superfaturamento de R$ 67,3 milhões nas obras. Além disso, graças à atuação do Tribunal de Contas da União – que também apontou superfaturamento –  o orçamento das obras no estádio foi reduzido entre R$ 150 e 200 milhões, segundo o ministro Benjamin Zymler.

Sem considerar as obras no entorno, o custo da reforma do estádio até agora foi de R$ 1,2 bilhão, bancado com recursos do BNDES e Caixa Econômica Federal, além de empréstimo do CAF (Banco de Desarrollo da América Latina). Assim, inteiramente novo, o Maracanã foi entregue para a iniciativa privada. A própria Odebrecht se candidatou e ganhou a licitação da Parceria Público-Privada (PPP) como integrante do Consórcio Maracanã S/A, ao lado de Eike Batista e da AEG, em um processo que está na mira do Ministério Público do Rio.
A ação civil pública, movida pelo MPRJ, questiona o fato da empresa IMX ter elaborado o projeto utilizado para embasar o edital que ela mesmo venceu e também a decisão de demolir parte do entorno do estádio, como a Aldeia Maracanã (antigo Museu do Índio), Parque Júlio Delamare, Estádio de Atletismo Célio de Barros e a Escola Friedenreich.

“O Estado partiu da premissa que a viabilidade econômica da concessão do Maracanã dependia da exploração do entorno. Nós entendemos que esta é uma premissa falsa, em função justamente deste estudo de viabilidade. As receitas da exploração do estádio já eram suficientes para viabilizar economicamente o negócio”, diz o promotor Eduardo Santos, responsável pelo caso.

Estudos da IMX apontam as atividades comerciais no entorno como responsável por apenas 12% das receitas, enquanto consumiriam mais de 2/3 das despesas. Segundo Eduardo Santos, quando questionados, o Estado e a IMX afirmaram que é uma questão de sinergia. “Diziam que você só vai ter um público mais rentável se tiver um lugar para estacionar, um restaurante bacana. Isto não é algo que possa ser demonstrado matematicamente, mas é o argumento de defesa de ambos”, afirma.

Após as manifestações do ano passado, o governo recuou com a proposta da demolição. Mesmo assim, o Consórcio se manteve na gestão do Estádio. Beneficiando as empresas, a privatização do Maracanã se tornou um mau negócio para o governo do Estado. Os R$ 7 milhões da outorga anual a ser paga pelas empresas aos cofres públicos não cobre nem a terça parte dos juros do empréstimo solicitado pelo então governador Sérgio Cabral ao BNDES para bancar as reformas do estádio antes de privatizá-lo.

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