Sociólogo lança livro "Destruição em Massa – Geopolítica da Fome". Foto: Rafael Stedile |
José Coutinho Júnior
Da Página do MST
O sociólogo suíço Jean Ziegler,
ex-relator especial para o Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU),
denunciou que a fome é um dos principais problemas da humanidade, em um debate
na última segunda-feira, em São Paulo.
- O direito à alimentação é o
direito fundamental mais brutalmente violado. A fome é o que mais mata no
planeta. A cada ano, 70 milhões de pessoas morrem. Destas, 18 milhões morrem de
fome. A cada 5 segundos, uma criança no mundo morre de fome – disse Ziegler.
Na década de 1950, 60 milhões
de pessoas passavam fome. Atualmente, mais de um bilhão.
- O planeta nas condições
atuais poderia alimentar 12 bilhões de pessoas, de acordo com estudo da
Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO). Não há
escassez de alimentos. O problema da fome é o acesso à alimentação. Portanto,
quando uma criança morre de fome ela é assassinada – completou.
Ziegler afirma que é a primeira
vez que a humanidade tem condições efetivas de atender às necessidades básicas
de todos. Depois do fim da Guerra Fria, mais especificamente em 1991, a
produção capitalista aumentou muito, chegando a dobrar em 2002. Ao mesmo tempo,
essa produção seguiu um processo de monopolização das riquezas. Hoje, 52,8% do
Produto Interno Bruto (PIB) mundial está nas mãos de empresas multinacionais.
A concentração da riqueza nas
mãos de algumas empresas faz com que os capitalistas tenham uma grande força
política.
- O poder político dessas
empresas foge ao controle social. 85% dos alimentos de base negociados no mundo
são controlados por 10 empresas. Elas decidem cada dia quem vai morrer de fome
e quem vai comer – afirmou Ziegler.
O sociólogo ainda relatou que
essas empresas seguem blindadas pela tese neoliberal de que o mercado não deve
ser regulado pelo Estado. Segundo ele, na Guatemala, 63% da terra está
concentrada em 1,6% dos produtores.
- A primeira reivindicação que
fiz, após a missão, foi a realização da Reforma Agrária no país. Fui rechaçado,
pois uma intervenção no mercado não é possível. Não havia sequer um cadastro de
terras lá: quando os latifundiários querem aumentar suas terras, mandam
pistoleiros atacar a população maia que vive ao redor.
Especulação
A especulação financeira dos
alimentos nas bolsas de valores é um dos principais fatores para o crescimento
dos preços da cesta básica nos últimos dois anos, dificultando o acesso aos
alimentos e causando a fome. De acordo com o Banco Mundial, 1,2 bilhão de
pessoas encontram-se em extrema pobreza hoje, vivendo com menos de um dólar por
dia. Segundo Zigler, quando o preço do alimento explode, essas pessoas não
podem comprar.
- Apesar de a especulação ser
algo legal, permitido pela lei, isso é um crime. Os especuladores deveriam ser
julgados num tribunal internacional por crime contra a humanidade – denunciou
Ziegler.
A política de agrocombustíveis,
que, além de utilizar terras que poderiam produzir comida, transforma alimentos
em combustível, é mais um agravante. Para o sociólogo, é inadmissível usar
terras para fazer combustível em vez de alimentos em um mundo onde a cada cinco
segundo uma pessoa morre de fome.
Política da fome
Ziegler afirma que não se pode
naturalizar a fome, que é uma produção humana, criada pela sociedade desigual
no capitalismo. Prova disso são as diversas políticas agrícolas praticadas
tanto por empresas e subsidiadas por instituições nacionais e internacionais.
O dumping agrícola consiste em
subsidiar alimentos importados em detrimento dos alimentos produzidos
internamente. De acordo com Ziegler, os mercados africanos podem comprar
alimentos vindos da Europa a 1/3 do preço dos produtos africanos. Os camponeses
africanos, dessa forma, não conseguem produzir para se sustentar.
Ziegler denunciou o “roubo de
terras”, que é o aluguel ou compra de terras em um país por fundos privados e
bancos internacionais, que ocorreu com mais de 202 mil hectares de áreas
férteis na África, com crédito do Banco Mundial e de instituições financeiras
da África. Os camponeses, por conta desse processo, são expulsos das terras
para favelas. Esse processo tem se intensificado uma vez que os preços dos
alimentos aumentam com a especulação imobiliária.
O Banco Mundial justifica o
roubo de terras com o argumento de que a produtividade do camponês africano é
baixa até mesmo em um ano normal, com poucos problemas (o que raramente acontece).
Um hectare gera no máximo 600 kg por ano, enquanto que na Inglaterra ou Canadá,
um hectare gera uma tonelada. Para o Banco Mundial, é mais razoável dar essa
terra a uma multinacional capaz de investir capital e tecnologia e tirar o
camponês de lá.
- Essa não é a solução. É
preciso dar os meios de produção ao camponês africano. A irrigação é pouca, não
há adubo animal ou mineral nem crédito agrícola, e a dívida externa dos países
impedem que eles invistam na agricultura – defende Ziegler.
Soluções
Segundo Ziegler, a única forma
de mudar as políticas que perpetuam a fome é por meio da mobilização e pressão
popular. Ele afirma que devemos exigir dos ministros de finanças na assembleia
do Fundo Monetário Internacional que votem pelo fim das dívidas externas e nos
mobilizar para impedir o uso de agrocombustíveis e acabar com o dumping
agrícola.
- A única coisa que nos separa
das vítimas da fome é que elas tiveram o azar de nascer onde se passa fome.
O ex-relator especial para o
Direito à Alimentação da Nações Unidas (ONU) veio ao Brasil lançar o livro
“Destruição em Massa – Geopolítica da Fome” (Editora Cortez) e participar da 6ª
edição do Seminário Anual de Serviço Social, que aconteceu no Teatro da
Universidade Católica (TUCA).
Fonte: Canal
iBase
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