Capa do livro Aracelli, meu amor, de José Louzeiro - Foto: Reprodução |
Em defesa da menina barbaramente assassinada, jornalista José
Louzeiro pede a reabertura do processo e denuncia “os intocáveis” de Vitória
(ES)
Cecília Luedeman,
15/05/2013
de São Paulo (SP)
Aracelli Cabrera Crespo,
símbolo do Dia Nacional de Combate ao Abuso e Exploração Sexual de Crianças e
Adolescentes, tem o seu nome manchado de sangue há 40 anos pela impunidade no
Brasil.
Aos 8 anos de idade, em 18 de
maio de 1973, a menina Aracelli foi estuprada e assassinada a dentadas pelos
filhos da elite de Vitória (ES), Dante Michelini Jr. e Paulo Helal, mas,
julgados foram absolvidos, protegidos pela polícia, Justiça, militares e governantes
durante a ditadura.
Em 2000, no governo Fernando
Henrique Cardoso, o dia do assassinato de Araceli se transformou em símbolo do
combate ao abuso e exploração sexual de crianças e adolescentes, mas os
assassinos continuaram impunes. Até hoje. Aos 80 anos, o jornalista José
Louzeiro, autor do romance reportagem Aracelli, meu amor, censurado na época
pelo governo militar, denuncia os “intocáveis” de Vitória e se mantém fiel aos
oprimidos, na reportagem, na literatura e na vida.
Brasil de Fato – O que
significam esses 40 anos de impunidade no caso Araceli?
José Louzeiro – É, rico não vai
preso.
Em seu livro Aracelli, meu
amor, relançado neste ano, você explica que Dante Michelini Jr., o Dantinho, e
Paulo Helal, o Paulinho, assassinaram Araceli, em uma festinha violenta do
pessoal da motoca. As famílias Helal e Michelini eram traficantes de drogas?
Sim, elas eram donas do
tráfico, da polícia, dos ônibus, dos aviões, do campo, da cidade, tudo.
Como você conseguiu fazer uma
investigação tão minuciosa, chegando a tantas fontes para a elucidação do caso
Araceli?
Eu passei uns dois anos
colhendo material, devo ter ido umas 50 vezes escondido para Vitória. Eu fiz
essa investigação com a ajuda do perito Asdrúbal de Lima Cabral, o Dudu, o
repórter Jorge Elias, do jornal Última Hora e a fotógrafa, Ednalva Tavares,
minha mulher na época.
Ao invés de ouvir as fontes
oficiais, você procurou ouvir as pessoas do povo, nas ruas, na periferia de
Vitória, na barbearia, na mercearia, no bar, porque eles tinham as informações
que a polícia e os militares escondiam?
Eu nunca acreditei nas fontes
oficiais. Sempre desconfiei. Eu ouvia todos nas ruas, porque eles sabiam o que
estava acontecendo.
Você ouviu a cozinheira, a
enfermeira, o motorista, a prostituta...
É, o funcionário do bar onde a
menina foi metida na geladeira...
Você foi descobrindo as
testemunhas silenciadas, como a namorada do Jorge Helal, a Marislei, e o
motorista?
Sim, mas depois eles foram
matando as testemunhas, como o Homero Dias, que trabalhava no serviço secreto
da Polícia Militar, enviado para investigar o assassinato, e mataram também a
namorada do Homero, que não tinha nada a ver com a história.
Então, mesmo sob a perseguição
dos Michelini e Helal, você conseguiu as fontes para reconstituir o crime e
apontar os assassinos, em Aracelli, meu amor?
O livro – eu tenho muito
orgulho disso – é uma reportagem. Eu sempre tive a necessidade, não sei por
quê, de me comprometer com a verdade, doa a quem doer, até a mim mesmo. Porque
até perdi o emprego por causa disso. Então, cheguei aqui, nos primeiros 80 anos
e no que puder ajudar para a memória de Araceli, pode contar comigo. Agora, eu
vou lutar muito e peço a ajuda de vocês para fazermos o longa-metragem sobre o
caso Aracelli e gostaria que fosse com o diretor Sérgio Rezende.
Na opinião do jurista Hélio
Bicudo, embora já prescrito, o processo do caso Araceli poderia ser reaberto
como crime hediondo. Você concorda com Bicudo?
Sim. Eu me coloco à disposição
para dizer o que for possível em defesa dessa menina que passou por nós e foi
tão cruelmente sacrificada. Ela foi morta a dentadas, por cachorros com formato
de ser humano.
O governo Dilma deveria exigir
a punição dos assassinos da brasileirinha símbolo do Dia Nacional de Combate ao
Abuso e Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes?
Eu acho que o poder fez a nossa
presidenta esquecer as torturas que ela sofreu. Eu imagino o que ela sofreu.
Porque o lema da casa era o seguinte: entram agoniando e saem agoniados, num
caixão, nem caixão...
Então, a justiça para a menina
Araceli envolve a coragem de mexer no passado da ditadura, coisa que a Comissão
da Verdade ainda não conseguiu?
Nós vivemos num país que tem
dois donos: os ricos e os milicos.
Fonte: Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário