Por Dario Aranda
Do Página/12
24 de maio de 2013
Avia Terai é uma localidade com
cinco mil habitantes, no centro geográfico de Chaco (nordeste argentino). A
área urbana está, literalmente, rodeada de plantações de soja e girassol, que
são fumigadas de dez a doze vezes por ano. Um estudo científico confirmou a
denúncia de vizinhos: 31,3% da população destacada declaram que tiveram algum
familiar com câncer.
Os altíssimos índices de
câncer, e também de deficiência, repetiram-se em outras três cidades cercadas
por campos transgênicos: Campo Largo, Napenay e La Leonesa. Foi o que revelou
um estudo interdisciplinar, realizado durante um ano e patrocinado pelo
Ministério da Saúde da Nação (Argentina). A pesquisa relaciona a causa das
enfermidades com o modelo agropecuário.
“Relação entre o uso de
agroquímicos e a condição de saúde”. Este é o nome da pesquisa, de 68 páginas,
que contou com 2051 observações no território, utilizou dados oficiais e que
foi realizada por seis médicos, licenciados em enfermagem e geógrafos.
Na entrada de Avia Terai existe
uma empresa de sementes transgênicas (Mandiyú) e uma agroquímica (Ciagro), com
campos experimentais. Chegando ao povoado, destaca-se uma pista de aviões para
fumigação. Também está presente a multinacional cerealista Bunge, com
carga-descarga de caminhões. Em Avia Terai, foram entrevistadas 390 pessoas
sendo que, entre elas, 31,3% da população declararam ter contado com algum
familiar com câncer, nos últimos dez anos.
“No Centro Integrador
Comunitário (CIC) nos entregaram um censo realizado pelas próprias mulheres do
povoado, que solicitam uma escola para deficientes. Somente entre os menores de
20 anos, da área urbana, contaram 101 crianças e jovens com deficiência”,
destaca o trabalho.
Na localidade de Campo Largo,
10% das mulheres e 15% dos homens manifestaram ter algum tipo de deficiência e
29,8% reconheceram que tiveram familiares com câncer, nos últimos dez anos. Em
Napenay, 20% dos homens manifestaram ter algum tipo de deficiência e 38,9%
apontaram a existência de algum familiar com câncer. Em La Leonesa, região
arrozeira, 27,4% da população declararam ter familiares com câncer.
“As quatro localidades
caracterizadas como assentamentos, nas quais se desenvolve o modelo
agroprodutivo, empregando os pacotes tecnológicos que incluem sementes
transgênicas e o emprego de agroquímicos, têm respostas acima de 20%, chegando
até 38%, ao mesmo tempo em que as duas localidades caracterizadas como
pecuaristas chegam a valores muito baixos”, alerta a pesquisa.
Para o seu relatório
epidemiológico, a pesquisa tomou como fontes de informação os estudos da
Direção de Estatística Sanitárias, do Ministério da Saúde de Chaco, e o
Registro de Tumores de Chaco, do Serviço de Neonatologia do Hospital Perrando e
do Hospital 4 de Junho, além das próprias pesquisas no território. E explicaram que priorizaram os
casos de tumores e as malformações congênitas, pois “associam-se à exposição
com agroquímicos”.
Os produtos de maior uso na
área são endosulfan, clorpirifós, glifosato, paraquat, dimetoato,
lambdaciaotrina, metamidofós, cipermetrina e carbendazim, entre outros.
O trabalho detalha uma
bibliografia científica que adverte sobre as malformações e câncer nas áreas
com uso intensivo de agrotóxicos, recorda que a aparição de ervas daninha
resistentes fez com que “para sustentar a produtividade, sejam aplicadas
quantidades cada vez maiores de agroquímicos”, e lembra que os mais atingidos
são crianças e mulheres grávidas.
Alejandra Gómez, da Rede de
Saúde Popular Ramón Carrillo, trabalha junto às populações fumigadas de Chaco e
não duvida: “Continua-se priorizando a ‘produtividade’ e o rendimento do
agronegócio, sem levar em conta os custos sociais e ambientais, nem a saúde e a
vida. As leis não são cumpridas e o Estado continua ausente em matéria
ambiental. Deve ficar claro que junto com o avanço da fronteira agrícola,
avança o desmonte e as enfermidades na população”.
A pesquisa cita estudos
científicos e afirma as consequências do modelo: “Redução da fertilidade
masculina, enfermidades neurológicas, redução do crescimento, anormalidades
fetais, fadiga crônica em crianças e Mal de Parkinson. Também está contribuindo
enormemente para o aumento do índice de câncer, já que os resíduos de
pesticidas estão entre as três maiores causas de câncer”.
No capítulo final, os
pesquisadores afirmam que “é possível compatibilizar o desenvolvimento dos
povos com a saúde e a educação, preservando o território para gerações
futuras”, recorda a sentença judicial, que freou fumigações na localidade de La
Leonesa, mas adverte que em muitas outras cidades “a população ainda continua
esperando e, por isso, acreditamos que é necessário atuar de forma mais rápida
diante das situações em que se prejudica a saúde”. Destaca que no país
conseguiram “erradicar muitas enfermidades, que durante anos causaram mortes e
postergaram”, e revela a razão da pesquisa: “Não queremos ficar silenciosos
diante de novas ameaças”.
Fonte: MST
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