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segunda-feira, 27 de maio de 2013

Teoria das Vantagens Imperialistas

José Martins

Ao contrário do que dizem os economistas, quanto maior o conteúdo tecnológico das mercadorias exportadas pela China tanto menor o conteúdo de produção nacional e maior a presença de empresas estrangeiras nas exportações.
Embora o valor unitário agregado pelos 79 mil operários da fábrica da Foxcom, em Tai Yuan, norte da China, para montar anualmente 57 milhões de aparelhos iPod da Aple equivale – pelos cálculos de Powers[i] – a apenas a 10 dólares do valor agregado globalmente ao aparelho, nas estatísticas de comércio externo da China na alfândega dos Estados Unidos o preço de importação daquele mesmo aparelho iPod é contabilizado por 275 dólares.
Essa “distorção” ocorre porque grande parte do valor agregado das mercadorias chinesas exportadas não é efetivamente produzida na China. É apenas montada. É importante calcular os índices de conteúdo doméstico e externo nas mercadorias exportadas por um país, pois indicam: 1º - a qualidade do seu processo produtivo de capital; 2º - a possibilidade de alcançar um desenvolvimento científico e tecnológico similar ao das economias dominantes.

A ESPECIALIZAÇÃO IMPERIALISTA E SEU SEGREDO – O liberalismo econômico, ou economia do imperialismo, procura justificar a implantação da chamada “especialização vertical” no comércio externo das economias dominadas. Essa receita leva aos enclaves industriais, ou Zonas de Processamento de Exportações (ZPE), definidas pela OIT como “zonas industriais que oferecem incentivos especiais para atrair investidores estrangeiros, nas quais produtos importados sofrem algum tipo de processamento antes de serem (re) exportados novamente”.
Nova localização geográfica das linhas de montagem no território nacional: em geral na costa ou pequenas ilhas próximas do continente (Offshore, extraterritorial). Apartheid geográfico e econômico – indústria exportadora inorgânica à economia do país, a não ser com o Estado e com a população operária dos menores salários do mundo. Mesmo a maioria dos capitalistas chineses e administradores das subcontratadas (Foxcom, etc.) não são produzidos internamente – são “importados” de Taiwan, Hong Kong, Singapura, etc., para onde fugiram em 1949, derrotados pela revolução popular de Mao Tse Tung.
A “especialização vertical” é a forma imperialista atual de inserção da periferia nas cadeias globais de produção. O contrário, a “especialização horizontal”, dependia do envolvimento da produção interna e demais condições econômicas nacionais na produção da mercadoria a ser exportada – era a forma antiga de tentativa (inevitavelmente bloqueada pela ação imperialista) de inserção no mercado mundial. Predominou. grosso modo, até os anos 1970.
O que é letal para as economias dominadas: não existe meio termo entre a forma atual de exploração imperialista e a antiga. Em países com grande extensão territorial e populacional, como Brasil, Índia e Rússia, as burguesias nacionais e seus economistas ainda procuram uma maneira indolor de se inserir nas cadeias produtivas globais, sem virar mais uma Singapura tamanho família – e inventam na academia e alhures a doutrina do “neodesenvolvimentismo”, em que o mercado mundial e as cadeias globais de produção de capital são coisas naturais, seres da inovação tecnológica, políticas cambiais e outros fetiches.
A “especialização vertical” é a teoria das vantagens relativas de Ricardo – depois vulgarizada um pouco mais pela teoria da dotação de fatores da escola neoclássica – adaptada grosseiramente, agora, para a divisão internacional do trabalho especificamente capitalista. Procura esconder a natureza daquela “distorção” chinesa mencionada acima, imaginando vantagens relativas pela especialização em elevado conteúdo de insumos importados nas mercadorias exportadas, ou, equivalentemente, com elevado valor agregado externo materializado nas exportações – de acordo com o modelo, essa forma de engajamento das economias dominadas nas cadeias globais de produção/comércio seria altamente virtuosa, rápida disseminação do conhecimento e do controle pelo país de modernas tecnologias (efeito catch-up)[ii].
Entretanto, como todo autismo econométrico, o modelo da “especialização vertical” também é repleto de simplificações e hipóteses irreais. Para que o modelo funcione pressupõe-se que os insumos importados sejam realmente internalizados e integrados de forma equilibrada pela economia nacional; assim, o grau de utilização desses insumos é indiferente, absolutamente neutro, seja para a produção destinada à exportação, seja para a destinada às vendas internas.[iii]
Isso não é confirmado praticamente. Não faltam boas pesquisas – auxiliadas por modelos econométricos formulados para ajudar a desvelar a realidade econômica e não escondê-la – demonstrando que esses pressupostos básicos da teoria das vantagens imperialistas são claramente desmentidos pelo caso chinês. A “fábrica do mundo” é o caso mais emblemático devido exatamente ao generalizado Processing exports [processamento de exportação] no país – a produção nacional crescentemente enclausurada em centenas de zonas econômicas especiais e outras formas de enclaves econômicos. Verifica-se inicialmente, pela tabela abaixo, um resumo dessa metástase de ZPEs na economia mundial e a parte da China neste processo.
Em menos de dez anos (1997/2006) o número de ZPEs no mundo aumentou mais de quatro vezes, de 845 para 3500. E o emprego saltou de 22.5 milhões para 66 milhões de trabalhadores. Desse total, os 40 milhões de trabalhadores da China empregados em suas ZPEs correspondia em 2006 a mais de 60% do total mundial (66 milhões). É importante salientar que, em 2006, mais da metade das exportações chinesas são realizadas pelas ZPEs. Devido a essa predominância do processamento de exportações no comércio externo chinês, mais da metade das mercadorias importadas pelo país nos anos recentes entrou marcada com o carimbo para reexportação, o que obriga que elas não sejam consumidas internamente para não perder os incentivos tarifários.[iv]
Essa camisa de força tem um impacto negativo direto sobre a industrialização do país. Já vimos, no caso de uma mercadoria isolada (iPod), quanto do seu valor agregado é produzido no exterior e quanto é produzido na indústria doméstica. Vemos agora que também na totalidade das exportações chinesas mais da metade do valor agregado não é produzida no país.
Cálculos dos conteúdos nacionais e estrangeiros nas exportações das ZPEs confrontados com os das vendas internas e “exportações normais” – quer dizer, processadas fora das ZPEs – mostra que, entre 1997 e 2006, ocorreu um acréscimo de aproximadamente 6 pontos percentuais na participação do conteúdo estrangeiro nas vendas internas e exportações normais. Entretanto, na evolução das exportações das ZPEs, no mesmo período, observa-se que também foram utilizados mais insumos produzidos internamente em 2002 do que em 1997, com uma redução de insumos importados de aproximadamente 6 pontos. Mas a tendência foi interrompida e, em 2006, retorna ao mesmo nível de 1997. Simultaneamente, a tendência de elevação dos insumos externos nas exportações normais e vendas internas também foi interrompida entre 2002 e 2006.
A razão mais aparente para essa reversão do cenário é que a participação de empresas totalmente estrangeiras (cujas exportações têm a menor participação do conteúdo de valor agregado nacional) nas exportações chinesas aumentou dramaticamente de 29,4% para 39,3% entre 2002 e 2006.
Outra razão, mais fundamental: para compensar a forte queda da taxa de lucro das empresas globais na crise de 2000/2001, acelera-se o deslocamento de suas linhas de produção para economias de “baixo custo” e altas taxas de lucro. Mais decididamente para a China e outras miseráveis economias asiáticas, onde predomina a extração de mais-valia absoluta como forma de valorização do capital. Vejamos alguns números que ilustram esse processo.
As empresas globais comandam o espetáculo. Já em 2002, em 63 ramos listados no território chinês, pouco mais de dez ramos industriais centralizavam quase a metade das exportações chinesas de manufaturas e apresentavam uma participação de valor agregado nacional abaixo de 50%. São ramos que exportam as mercadorias tecnologicamente mais sofisticadas das exportações chinesas: computadores, equipamentos de telecomunicações, eletrodomésticos, aparelhos de comunicação, etc. Quanto maior o conteúdo tecnológico das mercadorias exportadas, menor o conteúdo nacional e maior a presença de empresas estrangeiras nas exportações do ramo. Essa é a realidade que desmente a propaganda da teoria das vantagens imperialistas.
Como se vê nos números acima, as características principais desses ramos que centralizam as exportações da “fábrica do mundo”:
1. As ZPEs são responsáveis por quase dois terços das exportações do país 2. O valor adicionado produzido internamente é minúsculo.
3. As empresas globais – dos EUA, Japão e Alemanha, principalmente – jogam um papel avassalador.
Portanto, a aparência de uma estrutura sofisticada de exportações com alta intensidade tecnológica na China é em grande medida uma enorme ilusão estatística, o que não deixa de ser aproveitado pelos seus economistas para a mistificação teórica sobre as vantagens da produção/comércio imperialista para evolução do processo de produção de capital no país.

Fonte: Núcleo de Educação Popular 13 de Maio - São Paulo, SP.

CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA
EDIÇÃO 1148/9– Ano 28; 3ª e 4ª semanas Maio 2013.
E-mail: criticasemanal@uol.com.br
Tel. (11) 92357060 ou (48) 96409331


[i] Powers, W.M. – The Value of Value Added: Measuring Global Engagement with Gross and Value-added Trade [O valor do valor agregado: medindo a participação global em termos de comércio bruto e de valor agregado] – U.S. International Trade Commission, Washington, DC. November 2012.
[ii] Veja esse tipo de apologia às virtudes das Export Processing Zones em UNIDO Industrial Development Report 2009, principalmente no capítulo What makes a special economic zone successful? [O que faz o sucesso da zona econômica especial?] e em RODRIK, Dani “What’s so special about China’s exports? [O que é tão especial nas exportações da China?] NBER Working Paper 11947, Cambridge. (2006)
[iii] Hummels, D., J. Ishii and K. Yi. – “The Nature and Growth of Vertical Specialization in World Trade,” [Natureza e Crescimento da Especialização Vertical no Comércio Mundial] Journal of international economics, 2001
[iv] Powers, W.M., idem. Veja também: Koopman, R.; Wei,S.; Wang,Z. – How much of Chinese exports is really made in China? Assessing foreign and domestic value-added in gross exports. [Quanto das exportações chinesas é realmente produzido na China? Calculando o valor agregado estrangeiro e doméstico nas exportações]. U.S. International Trade Commission, Washington, March 2008. A não ser quando indicado, utilizaremos doravante os dados destes dois excelentes trabalhos.

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