Por Lúcio Flávio Pinto
Cartas da Amazônia
02/05/2013
No auge da sua valorização, as
empresas do grupo X, de Eike Batista, valiam 101 bilhões de reais. Hoje, valem
R$ 14,7 bilhões. Que conglomerado empresarial no mundo resiste a uma perda de
valor de quase 85% em três anos?
Nesse período, quase R$ 90
bilhões viraram pó, fumaça, cinza, pó, vento. Ainda assim, continua
inflacionado artificialmente o valor real da corporação daquele que, no ápice
desse crescimento, era o homem mais rico do Brasil e oitavo bilionário do
mundo, com pretensões a ser o primeiro em mais dois anos.
É espantoso como esse “caso”
não atrai o interesse em profundidade que merece, permanecendo na
superficialidade do dito show-biz. É um retrato do Brasil dos nossos dias. Eike
é o maior– mas não o único – dos aventureiros de mercado. Cheios de
inteligência e argúcia, impetuosidade e falta de escrúpulos, voracidade sem
qualquer freio ético ou moral, informações privilegiadas e elos secretos com
quem pode produzi-las.
Por seus próprios meios, esses
barões não teriam ido tão longe se, no início da sua caminhada, não tivessem
participado, em posição vantajosa, do programa de desestatização. A venda de
ativos do governo à distância de um efetivo controle da sociedade foi uma
realização nociva do governo Fernando Henrique Cardoso.
FHC a herdou da administração
Collor, que apenas abriu o caminho, com a desenvoltura que então poucos puderam
perceber. Sob o tucanato, a venda do patrimônio público foi ampliada,
multiplicada e levada ao extremo da irresponsabilidade, conforme admitido por
um dos seus protagonistas.
O efeito multiplicador
exponencial, porém, funcionaria a partir de 2003, com Lula e seus agentes
aloprados (mas tão vivos, inteligentes e inescrupulosos quanto seus parceiros
de negócios do outro lado do balcão estatal). Todas as amarras do controle
externo foram liberadas graças aos programas de transferência de renda e de
inclusão social.
Esses programas foram iniciados
sob o império de FHC, mas mantidos em nível discreto pela idiossincrasia tucana
pelo povo, cujo cheiro não recomendava a essas aves de bela plumagem maior
aproximação.
Lula é povo e seus cônsules
petistas dispunham (e ainda dispõem, já que permanecem com Dilma no poder) de
ferramentas para seduzir, convencer e amortecer a grande clientela nacional. Um
tanto de programas com um naco de recursos foi o bastante para engordar
paquidermicamente a classe média made by PT, desde que seus integrantes se
acomodem na faixa de rendimentos de até dois salários mínimos. Nada além de 700
dólares, o que, nos Estados Unidos e outros países de renda próxima, jamais
poderia ser traduzido por classe média.
Para os ricos, as tetas cada
vez mais gordas e úberes do Banco Nacional do Desenvolvimento e Social. Nunca,
na sua história, parafraseando Lula, agora com plena propriedade, o banco fez
tantos milionários e bilionários. Não é a toa que seu ativo supera o do Banco
Mundial, algo simplesmente inimaginável pouco tempo atrás.
Como a receita própria do BNDES
e suas fontes de recursos tradicionais não lhe permitem dar conta de tanta
demanda, o tesouro nacional afrouxou os controles e sangrou as burras do erário
para fomentar o incremento desejado.
A contabilidade foi devidamente
maquilada para esconder as manobras com os números, embora, como seria de se
esperar, não escaparam ao olhar clínico dos auditores (que provocaram a
elevação do custo do dinheiro que o BNDES for buscar no mercado internacional).
Nem Juscelino Kubitscheck, em
seus arroubos de meio século de desenvolvimento em cinco anos de mandato como
presidente da república, nem Roberto Campos, o ideólogo do modelo anterior, de
pronto-socorro estatal para famintos ESC (Empresários Sem-Capital), sequer
sonharam com tanto nos seus maiores momentos de delírio.
Dos R$ 14,7 bilhões que
subsistem como matéria sonante no capital das empresas de Eike Batista, R$ 10
bilhões são do BNDES, com a participação coadjuvante da Caixa com 10% desse
valor. O quadro é alarmante. Num país sério, dotado de Banco Central para
valer, teria resultado em liquidação extrajudicial ou, fora do âmbito
jurisdicional específico, seria um caso de polícia, como reage o banco de
fomento?
O BNDES, que parecia menos
preocupado com o destino do dinheiro que jogou nas letras do bilionário virtual
do que em continuar a pintar o cenário de cor de rosa das multinacionais
brasileiras, não conseguiu mais manter as aparências.
O Estado de S. Paulo, na sua
edição do dia 22 do mês passado, anunciou que o BNDES decidiu abandonar a
política de criação das tais multinacionais brasileiras. O presidente do banco,
Luciano Coutinho, admitiu, em entrevista exclusiva ao jornal, que o número de
setores com potencial de desenvolver líderes globais é “limitado” e que essa
agenda foi concluída. Insistiu em que essa política tinha “méritos” e chegou
“até onde podia ir”, porque o número de setores em que o Brasil tem potencial
para projetar empresas líderes é “limitado”.
Os segmentos com maior
potencial eram a petroquímica, celulose, frigoríficos, siderurgia, suco de
laranja e cimento. “Não enxergo outros com o mesmo potencial”, frisou.
O favorecimento a empresas dessas
áreas (as “campeãs nacionais”, na classificação da imprensa) começou há seis
anos, no governo Lula, quando Coutinho já ocupava o cargo de presidente do
BNDES. Com empréstimos em condições generosas e compras de participação, o
banco injetou quase R$ 18 bilhões nos frigoríficos JBS e Marfrig, na Lácteos
Brasil, na Oi e na Fibria.
Ao fazer um levantamento, o
jornal constatou que algumas dessas empresas estão em situação financeira
delicada, como a Lácteos que pediu recuperação judicial, e o Marfrig. Elas serão
reanimadas no pronto socorro estatal ou baixarão à sepultura em breve, se
tiverem que passar a caminhar com as próprias pernas?
De olho no próprio bolso, o
contribuinte brasileiro devia prestar mais atenção a essa novela. É muito mais
apimentada do que as da televisão. Com um acréscimo próprio: o da
interatividade negativa para o tesouro nacional.
Fonte: Br.notícias
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