Só em 2011, médicos cubanos recuperaram a visão gratuitamente de 2 milhões de pessoas em 35 países |
Elite corporativista teme que
mudança do foco no atendimento abale o nosso sistema mercantil de saúde
PEDRO PORFÍRIO*
A virulenta reação do Conselho
Federal de Medicina contra a vinda de 6 mil médicos cubanos para trabalhar em
áreas absolutamente carentes do país é muito mais do que uma atitude
corporativista: expõe o pavor que uma certa elite da classe médica tem diante
dos êxitos inevitáveis do modelo adotado na ilha, que prioriza a prevenção e a
educação para a saúde, reduzindo não apenas os índices de enfermidades, mas
sobretudo a necessidade de atendimento e os custos com a saúde.
Essa não é a primeira investida
radical do CFM e da Associação Médica Brasileira contra a prática vitoriosa dos
médicos cubanos entre nós. Em 2005, quando o governador de Tocantins não
conseguia médicos para a maioria dos seus pequenos e afastados municípios,
recorreu a um convênio com Cuba e viu o quadro de saúde mudar rapidamente com a
presença de apenas uma centena de profissionais daquele país.
A reação das entidades médicas
de Tocantins, comprometidas com a baixa qualidade da medicina pública que
favorece o atendimento privado, foi quase de desespero. Elas só descansaram
quando obtiveram uma liminar de um juiz de primeira instância determinando em
2007 a imediata “expulsão” dos médicos cubanos.
No Brasil, o apego às grandes cidades
Dos 371.788 médicos brasileiros, 260.251 estão nas regiões Sul e Sudeste |
Neste momento, o governo da
presidenta Dilma Rousseff só está cogitando de trazer os médicos cubanos, responsáveis
pelos melhores índices de saúde do Continente, diante da impossibilidade de
assegurar a presença de profissionais brasileiros em mais de um milhar de
municípios, mesmo com a oferta de vencimentos bem superiores aos pagos nos
grandes centros urbanos.
E isso não acontece por acaso.
O próprio modelo de formação de profissionais de saúde, com quase 58% de
escolas privadas, é voltado para um tipo de atendimento vinculado à indústria
de equipamentos de alta tecnologia, aos laboratórios e às vantagens do regime
híbrido, em que é possível conciliar plantões de 24 horas no sistema público
com seus consultórios e clínicas particulares, alimentados pelos planos de
saúde.
Mesmo com consultas e
procedimentos pagos segundo a tabela da AMB, o volume de clientes é programado para que possam atender
no mínimo dez por turnos de cinco horas. O sistema é tão direcionado que na
maioria das especialidades o segurado pode ter de esperar mais de dois meses
por uma consulta.
Além disso, dependendo da
especialidade e do caráter de cada médico, é possível auferir faturamentos
paralelos em comissões pelo direcionamento dos exames pedidos como rotinas em
cada consulta.
Sem compromisso em retribuir os
cursos públicos
Há no Brasil uma grande
“injustiça orçamentária”: a formação de médicos nas faculdades públicas, que
custa muito dinheiro a todos os brasileiros, não presume nenhuma retribuição
social, pelo menos enquanto não se aprova o projeto do senador Cristóvam
Buarque, que obriga os médicos recém-formados que tiveram seus cursos custeados
com recursos públicos a exercerem a profissão, por dois anos, em municípios com
menos de 30 mil habitantes ou em comunidades carentes de regiões
metropolitanas.
Cruzando informações, podemos
chegar a um custo de R$ 792.000,00 reais para o curso de um aluno de faculdades
públicas de Medicina, sem incluir a residência. E se considerarmos o perfil de
quem consegue passar em vestibulares que chegam a ter 185 candidatos por vaga
(UNESP), vamos nos deparar com estudantes de classe média alta, isso onde não
há cotas sociais.
Um levantamento do Ministério
da Educação detectou que na medicina os estudantes que vieram de escolas
particulares respondem por 88% das matrículas nas universidades bancadas pelo
Estado. Na odontologia, eles são 80%.
Em faculdades públicas ou
privadas, os quase 13 mil médicos formados anualmente no Brasil não estão nem
preparados, nem motivados para atender às populações dos grotões. E não estão
por que não se habituaram à rotina da medicina preventiva e não aprenderam como
atender sem as parafernálias tecnológicas de que se tornaram dependentes.
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