SASSÁ
TUPINAMBÁ
19 de
abril de 2013
Tribunal
Popular: o Estado brasileiro no banco dos réus
As imagens exibidas nesta quarta
e quinta-feira (17 e 18), onde indígenas de várias etnias ocuparam o plenário
da Câmara dos Deputados e o Palácio do Planalto são emblemáticas na semana que
marca o Dia do Índio. Os povos que resistem desde a chegada dos colonizadores
nestas terras hoje enfrentam um novo ciclo de desenvolvimentismo, no qual o
Estado brasileiro é seu principal financiador. Mais do que elencar empresas que
lucram sob o custo da morte de indígenas e focar a luta somente contra essas
corporações, é preciso localizar as recentes movimentações políticas que
colocam em questão se o Dia do Índio é uma data de festa ou se é uma data de
guerra.
A expansão das fronteiras agrícolas
no país é inquestionável e ao contrário do que muitos imaginam, os últimos anos
também foram marcados pelo aumento da concentração de terras no Brasil. E,
absolutamente contrária à versão dos governos, empresários e grande mídia, isso
não significa desenvolvimento algum para a maioria da população brasileira, em
especial para os povos indígenas.
Diferente das análises que até
reconhecem a exploração desenfreada das terras pelo agronegócio mas omitem o
papel do Estado brasileiro, é preciso que se diga que os governos petistas,
nesses últimos dez anos, têm sido responsáveis diretos e indiretos pela
dramática situação de vida dos povos indígenas.
Depois de dez anos da chegada do
Partido dos Trabalhadores na Presidência da República, em composição com as
forças políticas da direita tradicional e latifundiária, os povos indígenas
acumularam nomes de lideranças em suas listas de mortos, viram suas terras
tradicionais usurpadas, suas florestas desmatadas, suas águas envenenadas pelos
agrotóxicos e seus direitos básicos como educação e saúde sendo ignorados.
A surpresa dos nobres deputados e
deputadas ao verem lideranças indígenas em seu ambiente de trabalho – e
negociatas – é simbólica do senso comum da burguesia brasileira, que acredita
que esses povos estejam alheios e distantes de suas decisões. Mas não, estes
povos são e sempre foram uma força política viva da sociedade.
Foi com a ajuda de várias
lideranças indígenas que o petismo acumulou forças em torno de um projeto para
alcançar o poder. Como resposta receberam, por exemplo, um acordo entre Lula e
Bush para a produção em larga escala de etanol. Viram o país autorizar o uso de
agrotóxicos no campo e sentem na pele o que significa sermos os recordistas de
uso de venenos nos alimentos. Assistem cotidianamente a instalação de novas
usinas de cana patrocinadas pelo Governo Federal via Banco Nacional de
Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ouviram o anúncio do Projeto de
Aceleração do Crescimento (PAC), nas versões I e II, assim como têm sido
despejados de suas terras para a construção de mega-obras para responder a
demandas de empresários. Foram descartados em nome da exploração de recursos
naturais para exportação. E choraram, sob os milhares novos pés de cana e soja,
a morte de centenas de lideranças, como o cacique Marcos Veron, indígena
Guarani Kaiowá assassinado após a retomada de sua terra tradicional, em 2003.
O discurso da conciliação entre
indígenas e agronegócio têm servido, há anos, para que os poderosos evitem
resistências ao seu projeto de “desenvolvimento”. E agora, enquanto diversas
etnias, como os Tupinambás da Bahia, reforçam atos de retomadas de terras, o
Estado prepara artifícios jurídicos que reduzem ainda mais as possibilidades de
demarcação de terras indígenas.
A PEC 215, que transfere a
responsabilidade da demarcação de terras das mãos da Presidência para o
Congresso, é uma dessas iniciativas. Se o parâmetro da correlação de forças no
Congresso for a nova lei do Código Florestal, que significou mais benefícios ao
agronegócio, não há dúvidas de que este será mais um retrocesso.
Outra medida é a Portaria 303 da
Advocacia Geral da União (AGU). Nela, as 19 condicionantes utilizadas para
aprovação da Terra Indígena Raposa Serra do Sol (RR), seriam colocadas em
prática e como modelo. Entre elas estão, por exemplo, a definição de que os
direitos indígenas sobre as terras não podem sobrepor os interesses de defesa
nacional e nem podem impedir a exploração de “riquezas de cunho estratégico
para o país”. Ou seja, oficializam as possibilidades de exploração de recursos naturais pelo capital
em terras indígenas. E esta é a arte dos governos petistas: transformar uma
aparente vitória dos povos indígenas em uma certeira vitória da burguesia.
A dura realidade dos povos
indígenas e a própria habilidade dos governos forçam a fragmentação da crítica
diante do confinamento e do genocídio atualmente vivida por diversas etnias.
Colocam que, diante da existência de jagunços deve-se combate-los
individualmente ou que diante das irregularidades do agronegócio deve-se
regularizá-las apenas. No entanto, a responsabilidade diante do confinamento e
do genocídio diz respeito à totalidade das violações de direitos cometidas
contra os indígenas, intrínsecas ao projeto econômico em curso. Afinal, algo
deve explicar o porquê que os governos petistas demarcaram menos terras do que
alguns de seus antecessores da direita tradicional.
A criação histórica dessa
engrenagem de violações é complexa. Iniciam pela entrega de terras públicas a
fazendeiros, pela ocupação desses latifundiários dentro da estruturas de poder
político e judicial, pela financeirização dos produtos agrícolas, pela
participação de recursos públicos em interesses privados, pela transferência de
responsabilidade sobre as terras para os estados e até pelo uso de forças
públicas para criminalização dos indígenas. Mas sob cada um desses aspectos, os
governos têm sim responsabilidade.
Deve-se reconhecer que as forças
mais racistas, latifundiárias, genocidas, que atuam livremente na ponta dessa
estrutura, nos vários estados, em conflito direto com os indígenas, permanecem
como adversários centrais, até por uma questão de sobrevivência imediata. Mas
se trata também de levantar, neste Dia do Índio, as flechas e bordunas contra
este governo e seus aliados do agronegócio.
Se estamos à beira de mais
retrocessos aos direitos indígenas, como a aprovação da PEC 215, é hora de
cobrarmos a demarcação imediata das terras de todos esses povos. E esta é uma
decisão que está nas mãos do Governo Federal. Nem as tentativas de tutela por
parte da Funai, nem as tentativas de cooptação preparatória para as eleições de
2014, poderão segurar a auto-organização dos povos indígenas até que tenham
seus territórios para que possam viver ao seu modo, como indígenas.
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