Roberto Setúbal e Pedro Moreira Salles, cabeças das famílias que controlam o Itaú, esperam sorrir de novo: em 2012, lucros de “apenas” R$ 13,6 bilhões |
Para conter a inflação, há outros remédios. Mas oligarquia
financeira pressiona – porque quer voltar a ganhar os mesmos rios de dinheiro
de antes
por Antonio Martins
Um assunto único domina, hoje
(11/4), as manchetes dos jornais brasileiros mais vendidos. Folha, Globo e
Estado destacam, em frases quase idênticas que a inflação anualizada subiu
(para 6,59%) e “estourou a meta” fixada pelo Banco Central (BC). Em
consequência, não restaria, ao próprio banco, outra alternativa exceto iniciar
uma nova rodada de elevação da taxa básica de juros (Selic), já na próxima
semana. A presidente Dilma Roussef, que se manifestou contra a alta, há poucos
dias, teria sido vencida. AFolha chega até a prever o montante e o ritmo do
ascenso: a Selic, hoje em 7,5% ao ano, passaria a 8,5%, após “quatro aumentos
de 0,25 ponto percentual, até dezembro”.
Noam Chomsky cunhou certa vez o
termo “fabricação de consensos” – provavelmente sem cogitar que alguém tentasse
praticá-la de modo tão caricatural quanto a mídia brasileira. Há três abusos
claros nas manchetes de hoje: a) a inflação não está mais em alta, nem deve ser
reduzida a qualquer custo; b) elevar os juros não é receita eficaz para
fazê-lo; c) por trás do suposto “remédio” esconde-se a luta da oligarquia
financeira para capturar uma parcela ainda maior da riqueza coletiva. Os
jornais, é claro, escondem esta tentativa.
Veja, ponto por ponto, como se
manipulam os fatos.
1. Para constatar que a
inflação não está subindo, mas em queda, há dois meses, basta mirar o gráfico
abaixo, publicado sem destaque pelo Estado. A taxa, medida por um dos índices
do IBGE (o IPCA) foi de 0,47% em março, ante 0,6% em fevereiro e 0,86% em
janeiro. O índice anualizado só aumentou porque os 0,47% de agora substituíram,
no cômputo de doze meses, uma taxa excepcionalmente baixa, registrada em março
de 2012 – 0,21%. Tudo indica que, já em abril, a inflação anual recuará, sem
necessidade de qualquer intervenção, para os patamares previstos pela “meta” do
BC.
2. A mídia brasileira omite,
mas há uma crítica internacional crescente à crença segundo deve-se perseguir a
queda da inflação a qualquer custo. Pelo menos dois economistas premiados com o
Nobel – Paul Krugman e Joseph Stiglitz – têm sugerido o contrário. Propõem que
os Estados mantenham, nas próximas décadas, índices de inflação ligeiramente
superiores aos atuais – como ocorreu, aliás, nos “anos gloriosos” do pós-II
Guerra. Explicam que tal ambiente permitirá desvalorizar a riqueza financeira
dos mais ricos, reduzir a dívida pública e, em consequência, promover políticas
redistributivas. Estas, explica Stiglitz, estimulam a economia e a geração de
empregos – porque a classe média e os pobres consomem uma parte expressiva de
seus rendimentos, enquanto os super ricos entesouram quase tudo.
3. Ainda que a meta seja
reduzir a inflação, elevar os juros é uma péssima forma de fazê-lo. Num post
extremamente didático, publicado hoje, o jornalista Luís Nassif demonstraque o
BC dispõe de instrumentos muito mais eficazes para segurar os preços. Tem total
autonomia, por exemplo, para determinar uma redução dos prazos de financiamento
ao consumidor. A mudança torna mais difícil adquirir bens, reduz o consumo e as
pressões inflacionárias. Tome, por exemplo, uma geladeira de R$ 1.000,
financiada em 24 meses, a uma taxa de 4% ao mês. Hoje, as prestações são de R$
65,58. Com a redução do prazo para 18 meses, elas saltam para R$ 79,00. Já a
alta da Selic eleva-as para… R$ 65,86. “Alguém deixaria de tomar financiamento
por conta de um aumento de 28 centavos?”, pergunta Nassif.
4. Por fim, a questão central.
Se a alta da taxa Selic é tão ineficaz, qual o motivo de tanta batalha em torno
dela? É que os juros, embora não reduzam a inflação, são, por excelência, o
meio pelo qual a oligarquia financeira extrai riqueza do conjunto da sociedade.
Em 2012, o Estado brasileiro desviou, do total de impostos arrecadados, R$ 128
bilhões (ou 4,81% do PIB) para pagar juros – equivale a aproximadamente seis
vezeso montante aplicado no Bolsa-Família. Mas, ao invés de beneficiar 13 milhões
de famílias, os juros fluem, segundo cálculos do IPEA, para apenas 0,5% da
população – a ínfima minoria que tem recursos para comprar títulos públicos ou
seus derivados.
Ocorre que este setor havia se
acostumado a ganhar muito mais, nos anos anteriores. Em 2011, foram R$ 151
bilhões; e no período FHC, a despesa com juros chegou a 9% do PIB. A redução da
sangria foi alcançada precisamente graças à queda dos juros. A partir de julho
de 2011, a presidente Dilma orientou o BC a retomar a trajetória de redução
iniciada no governo Lula. As taxas, que são fixadas em reuniões do Conselho de
Política Monetária (Copom) do banco, caíram de 12,5% ao ano para os 7,5% de
hoje. Sucederam-se fatos extraordinários. Em 2012, por exemplo, os lucros de
bancos como o Itaú e o Santander recuaram, ainda que muito levemente – depois
de anos de recordes sucessivamente quebrados.
A oligarquia financeira jamais
se conformou com a queda de juros. Não pode, evidentemente, expor suas razões.
Mas tem muito poder, dinheiro e capacidade de “convencer” aliados importantes.
Prepare seus olhos e ouvidos. Até a próxima reunião do Copom, você estará
exposto a doses cavalares de propaganda ideológica – disfarçada na forma de
“notícias” e previsões alarmentes dos “especialistas de mercado”. O governo e o
Banco Central cederão? Esta é a pergunta que importa.
Fonte: Outras Palavras
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