Cena de "Assistência Mortal", de Raoul Peck Foto: Berlinale/Reprodução |
Documentário de Raoul Peck
mostra como a ajuda humanitária após o terremoto de 2010, que mobilizou
diversos países e bilhões de dólares, não respondeu às necessidade básicas da
população haitiana.
Rui Martins,
de Berlim (Alemanha)
08/02/2013
O terremoto do dia 12 de
janeiro de 2010 no Haiti e a reconstrução do país são os temas de um dos
principais filmes do Festival Internacional de Cinema de Berlim (Berlinale):
“Assistência Mortal”, do cineasta haitiano Raoul Peck.
Exibido na mostra Berlinale
Especial, o documentário reúne depoimentos de autoridades como o ex-presidente
haitiano René Preval, o ex-primeiro-ministro Jean Max Bellerive, o
ex-presidente estadunidense e co-presidente da Comissão Interina de
Reconstrução do Haiti, Bill Clinton, mais dirigentes de ONGs e habitantes da
capital Porto Príncipe.
O objetivo do filme é o de
mostrar a mobilização internacional de ajuda humanitária, assim que ocorreu o
devastador terremoto, e como essa ajuda, que custou alguns bilhões de dólares,
não respondeu às necessidade básicas da população. Como explica um dos
ex-ministros haitianos, os países que ofereceram assistência, a fizeram sem
consultar e sem a participação do governo local, enquanto as ONGs tomaram
iniciativas próprias, algumas vezes absurdas.
Um exemplo apresentado no
documentário é o de três ONGs que, agindo isoladamente e em trechos diversos da
remoção de detritos num dos principais sistemas de canalização das águas
pluviais, faziam e refaziam o mesmo trabalho. A primeira removeu todo o
material que impedia o escoamento das águas e colocou ao lado. Nas primeiras
chuvas tudo entrou de novo no sistema de canalização e, a seguir, foi
devidamente removido por outra ONG num trecho mais abaixo. Todo o trabalho foi
perdido com novas chuvas e coube a uma terceira ONG refazer a limpeza. Isso
demonstra a maneira caótica dispensada pelas organizações humanitárias no
Haiti.
“Não existe uma coordenação das
ONGs e é impossível contatar as duas mil ONGs existentes, muitas delas
religiosas, que evitam qualquer planificação com o governo”, explica uma
autoridade haitiana no filme. “Um caso mais marcante foi a construção de um
novo hospital perto de um já existente, sem qualquer autorização, ao invés de
ser erguido alguns quilômetros mais adiante, próximo a uma população mais
carente. O resultado é que enviei tratores para impedir a construção, dada a
insistência dos dirigentes da ONG, sem que eu saiba o porquê de tal interesse!”,
conta.
Outro absurdo relatado é o de
que certas casas de emergências construídas pelas organizações humanitárias
estrangeiras custaram mais caro do que se tivessem sido construídas pelos
próprios haitianos. Essa discrepância entre o que se oferece e o que se precisa
é acentuada logo no início do filme, quando o presidente do Haiti não entende
porque os países filantrópicos enviam produtos do exterior sendo que poderiam
ter sido comprados dentro do próprio Haiti.
Raoul Peck deixa também visível
um interesse de certas ONGs fazerem qualquer coisa, mesmo que mais cara e nem
tanto necessária, provavelmente para mostrarem serviço aos seus financiadores.
Há também uma discrepância entre os totais anunciados nos planos de assistência
e os dólares que realmente chegam ao Haiti.
O cineasta Raoul Peck, nascido
no Haiti, mas criado no Zaire e nos Estados Unidos, vive atualmente na França.
Hoje cinquentenário, Peck já fez um filme dedicado à memória de Patrice
Lumunda, herói congolês cujo assassinato deu ao ditador Mobutu acesso ao poder.
Fonte: Brasil de Fato
Nenhum comentário:
Postar um comentário