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domingo, 24 de fevereiro de 2013

Acordo UE-EUA não é bom negócio, diz sociólogo


O anúncio de que os Estados Unidos e a União Europeia (UE) planejam fechar um acordo de livre-comércio causou impacto. Logo surgiram análises de que a parceria comercial pode ser uma tragédia para o Mercosul. Esta não é, no entanto, a opinião do sociólogo Carlos Eduardo Martins que, em entrevista ao Portal Vermelho, avalia que o acordo não terá efeitos econômicos relevantes: “unir-se à economia estadunidense não é um bom negócio”, diz.

Por Vanessa Silva

Para o ministro de Relações Exteriores, Antonio Patriota, ainda é cedo para avaliar as consequências de tal acordo, mas observa que os países envolvidos terão dificuldade para chegar a um consenso sobre alguns pontos, como o que trata das tarifas praticadas em alguns setores.

As diferenças tarifárias são um grande entrave na opinião de Martins, mas ele pontua também a questão política: o acordo aproxima os governos europeus dos Estados Unidos. “Caso esta proposta avance e impulsione as assimetrias e as frustrações sociais, como as que se desenvolveram na União Europeia lastreada pelo euro, poderá provocar uma forte oposição interna cujos efeitos políticos certamente terão impacto significativo na geopolítica mundial do século 21”, avalia o Coordenador do laboratório de Estudos sobre Hegemonia e Contra-hegemonia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (LEHC-UFRJ).

Já um acordo do Mercosul com a União Europeia segue sendo complicado, na avaliação do sociólogo. Para ele, a melhor saída está nas relações sul-sul que vêm sendo priorizadas pelo governo brasileiro, com o fortalecimento da integração latino-americana, e das relações com os Brics (grupo formado por Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul).

Acompanhe a íntegra da entrevista concedida por e-mail:

Portal Vermelho: O acordo da União Europeia com os EUA é a grande aposta para salvar as economias em crise. Que influência este acordo terá nos países em desenvolvimento?

Carlos Eduardo Martins: Em primeiro lugar, não creio que este acordo terá efeitos econômicos importantes sobre os países desenvolvidos. As melhores estimativas falam em uma elevação em 0,5% da taxa de crescimento para a UE e 0,4% para os Estados Unidos, mas pode bem ser o contrário.

Basta ver o caso do México, que não reduziu sua taxa de pobreza com o estabelecimento do Nafta e apresenta dinamismo econômico muito inferior ao do restante da América Latina. Se tomarmos o século 21 como referência, este país cresceu a uma taxa per capita de 1,1%, enquanto os oito principais países da América Latina o fizeram em 2,1%. Articular-se à economia estadunidense não é bom negócio. E a aproximação entre as economias estadunidense e europeia pode ser a aproximação entre duas estagnações.

Há uma pesada herança neoliberal que contribui para isso. Trata-se de economias com várias convergências de políticas econômicas e de resultados: ambas praticaram políticas de altas taxas de juros na década de 1990 e continuam com essas práticas para empréstimos de longo prazo; apresentam alto nível de endividamento do setor público; baixas taxas de investimento; altos níveis de desemprego; aprofundamento da desigualdade e assimetrias internas. Ambas praticaram políticas de abertura comercial e financeira que, no caso europeu, se estabeleceu, sobretudo, através do euro como grande fundamento da integração europeia, com desastrosos resultados macroeconômicos e sociais de longo prazo.

Em segundo lugar, qualquer possibilidade de avançar em um acordo de livre-comércio entre Estados Unidos e União Européia terá que tocar no tema dos subsídios agrícolas e nas barreiras fito-sanitárias. A tarifa média do comércio entre as duas regiões é bastante baixa, de 4%. Mas os subsídios ao setor agrícola chegavam a 23% e 40% da renda agrária dos Estados Unidos e da União Europeia, respectivamente, entre 1998-2000. Há também as barreiras fito-sanitárias nos Estados Unidos aos produtos europeus e aos organismos geneticamente modificados estadunidenses na União Europeia.

Um controle dos subsídios agrícolas não necessariamente impactará favoravelmente as economias em desenvolvimento. Os subsídios agrícolas dividem-se em vários tipos como subsídios à produção interna e subsídios à exportação. Pode-se perfeitamente reduzir os subsídios que impactem o comércio entre Estados Unidos e União Europeia e redirecioná-los para os outros mercados. De qualquer forma, trata-se de uma negociação muito difícil, pois a realidade dos 27 países que compõem a União Europeia é muito distinta — há casos em que a população agrícola é mais expressiva que outros — os mecanismos de combate às assimetrias são limitados e o avanço da produtividade na União Europeia nos anos 2000 foi muito inferior ao dos Estados Unidos. Os países de maior peso relativo de população agrícola são de economia mediterrânea (Grécia, Portugal, Espanha, Itália) ou do extremo norte (Irlanda e Islândia) justamente onde a crise se fez mais forte. Uma destruição do emprego agrícola nestes países pode agravar a crise social europeia.

Finalmente, há que se considerar a dimensão política presente num acordo deste tipo, que aproxima os governos dos Estados Unidos e europeus, reforçando ações do imperialismo como as que se manifestou na Líbia, no Mali, estimulando um envolvimento maior da União Europeia e da Otan em intervenções internacionais contra governos e poderes políticos da periferia e do sul, dividindo os seus custos cada vez mais difíceis de serem suportados pelo governo estadunidense.

Caso este acordo avance e impulsione as assimetrias e as frustrações sociais, como a que se desenvolveram na União Europeia lastreada pelo euro, poderá provocar uma forte oposição interna cujos efeitos políticos certamente terão impacto significativo na geopolítica mundial do século 21.

Considera que ele possa, de alguma maneira, impactar o acordo entre a UE e o Mercosul?

Há uma tentativa de a União Europeia resolver o problema da sua crise interna buscando mercados externos. Daí a busca por impulsionar acordos comerciais com outras regiões e países. Por isso retoma o acordo bi regional entre a União europeia e o Mercosul, cujas tratativas iniciadas em 1999 foram interrompidas em 2004. Há vários contenciosos na agenda que dificultam um acordo amplo entre os blocos: a vulnerabilidade e o protecionismo do mercado agrícola europeu frente às exportações do Brasil e Argentina; a vulnerabilidade do setor industrial brasileiro e do Mercosul frente à competitividade europeia; as exigências europeias de segurança na legislação sobre investimentos em confronto com a política de nacionalizações impulsionadas por Venezuela e Argentina; as exigências europeias de tratamento nacional a empresas estrangeiras no mercado de compras governamentais ou de regras de propriedade intelectual que limitem a difusão do conhecimento.

Tudo leva a crer que os avanços possíveis diante destes contenciosos serão muito limitados. Um acordo entre Estados Unidos e União Europeia de livre-comércio poderia facilitar um acordo com o Mercosul caso encadeasse a eliminação dos subsídios agrícolas aos produtores europeus, estendendo este benefício ao Mercosul. Neste caso, poderia ser utilizado o desmonte de um dos impasses da negociação como instrumento de barganha para desmobilizar outros. Mas trata-se de um cenário muito hipotético

Os EUA firmaram o Nafta e a Aliança do Pacífico ao sul do continente, e agora este acordo com a UE em uma estratégia para fazer frente à China. Essas são também ações para golpear e fragilizar economicamente a integração latino-americana?

Sem dúvida, trata-se de proporcionar a integração via concorrência e defesa da propriedade privada. Entretanto, as experiências históricas deste tipo de integração são de um fracasso retumbante. A União Europeia vê aumentar a pobreza, a estagnação econômica e o desemprego. Os Estados Unidos também. Ambas são economias onde o Estado perdeu grande parte de sua capacidade de ação e liderança por seu endividamento com um setor privado oligopólico e rentista, que não proporciona emprego ou melhoria da condição social dos povos. Na América Latina, o México é um grande exemplo deste fracasso econômico e social promovido por sua adesão ao Nafta: desmontou parte significativa de seu setor industrial, importa metade da gasolina que consome e não constrói, desde 1979, uma refinaria. Esta ofensiva não tem base popular no continente.

Se sim, como a América Latina poderia reagir? O estreitamento das relações sul-sul seria uma resposta ainda que estas economias fiquem de fora do centro financeiro mundial?

A América Latina está em um momento econômico bastante positivo. Beneficia-se da alta dos preços das commodities, em última instância puxada pelo mercado chinês, acumula importantes reservas internacionais, e possui a maior parte de seus governos inclinados a posições progressistas do ponto de vista social.

Agora o continente deve aprofundar a presença de um Estado popular e democrático, capaz de organizar e direcionar o progresso de integração para a soberania financeira, científica, tecnológica, alimentar e o desenvolvimento do mercado interno. Deve impulsionar o Banco do Sul, aprofundando suas dimensões sociais e sua capacidade de eliminar o subdesenvolvimento e reduzir assimetrias.

Esta é uma tarefa interna onde o Brasil tem um papel chave a desenvolver. Além disso, a cooperação Sul-Sul é da maior importância pela dimensão que vem tomando a ascensão das periferias na economia mundial. Ela se manifesta de forma mais imediata no Brics, e na possibilidade de organização de um Banco de Desenvolvimento capaz de promover uma alternativa monetária ao dólar, investimentos em regiões subdesenvolvidas, cooperação científica e tecnológica para quebrar das barreiras de entrada. Tudo isto são possibilidades que para serem efetivadas requerem um alto grau de organização política em torno dos processos de integração na América Latina.
Fonte: Vermelho

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