Felipe Prestes
O jornalista Fernando Morais captou Cuba em dois momentos absolutamente diferentes. Em 1976, Morais escreveu a “A Ilha”, obra que o celebrizou e abriu as portas para sua carreira como autor de grandes reportagens em livro. Naquele momento, o repórter encontrou o socialismo funcionando a pleno vapor, com pouquíssimos descontentes.
O livro que acaba de lançar, “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, se passa na década de 1990 e mostra uma Cuba em fortíssima crise econômica decorrente do fim da União Soviética. Um país que se tornou um prato cheio para as dezenas de organizações anticastristas chefiadas por cubanos radicados na Flórida, que incentivavam e auxiliavam os conterrâneos que desejavam deixar a ilha. Com aviões a seu dispor, estas organizações se tornavam cada vez mais ameaçadoras para Cuba, desrespeitando totalmente o espaço aéreo do país, com voos despudorados sobre Havana.
Neste contexto, o governo cubano inicia a Operação Vespa, que consistiu no envio de 14 espiões que se infiltraram nestas organizações anticastristas. Morais começou a pensar o livro no mesmo dia em que dez destes espiões foram descobertos pelo FBI e presos, em 1998, . “Eu comentei com a minha mulher: ‘Aqui tem um livro’”. O escritor solicitou documentos secretos ao governo cubano em seguida, mas só os obteve em 2005. A pesquisa, que incluiu 40 entrevistas, teve início em 2008.
Fernando Morais ainda revela profunda admiração pela Cuba revolucionária, que já não funciona tão bem quanto a que mostrou em “A Ilha”. “Relembro sempre do outdoor, que acho muito forte, que foi colocado na entrada de Havana quando o Papa João Paulo II esteve lá em 1998: ‘Nesta noite 200 milhões de crianças vão dormir na rua em todo o mundo. Nenhuma delas é cubana’”, diz.
Na última quinta-feira (29), Morais veio a Porto Alegre para um debate sobre “Os Últimos Soldados da Guerra Fria” e conversou por cerca de 50 minutos com o Sul21 no restaurante do hotel em que estava hospedado. O jornalista defendeu as “correções de rumo” que estão sendo feitas na economia cubana e explicou que o bloqueio econômico que os Estados Unidos impõem a Cuba é muito mais prejudicial dos que as pessoas costumam pensar. ”É uma metralhadora apontada para a cabeça da economia cubana”, afirma. Morais também falou sobre jornalismo, regulação da mídia e revelou quais podem ser seus próximos livros.
Sul21 – Quando tu escreveste “A Ilha”, na década de 1970, Cuba era quase a realização de uma utopia, as coisas davam muito certo. Em “Os Últimos Soldados da Guerra Fria”, que se passa na década de 1990, Cuba já está em uma situação econômica muito ruim. Como tu avalias a diferença entre o país nestes dois momentos?
Fernando Morais – Havia uma dependência muito grande com a URSS. Cuba era quase um país da chamada Cortina de Ferro. Mantinha um nível de independência política muito grande, mas do ponto de vista econômico era um grau de dependência enorme. Quando acaba a URSS, a economia cubana sofre um baque que torna a sobrevivência da Revolução uma coisa milagrosa. Só se explica mesmo pela garra do povo cubano. O PIB desabou em 75%. Quando o PIB de um país cai 4 ou 5%, um presidente arranca os cabelos. Eles tiveram que fazer mágica para sobreviver. O inacreditável de tudo isto é que, apesar desta tragédia econômica, passados 20 anos do fim da URSS, dados recentes mostram que Cuba é o único país do Caribe e da América Latina que não tem mais desnutrição infantil. Zero. A taxa de mortalidade infantil é de 4,5 por mil. A dos Estados Unidos é de oito por mil. A do Brasil é de 22 por mil. Em São Paulo é de 11 por mil. No debate sobre o livro em Curitiba me perguntaram como eu continuo solidário à Revolução Cubana. Eu cito estes números e relembro sempre do outdoor, que acho muito forte, que foi colocado na entrada de Havana quando o Papa João Paulo II esteve lá em 1998: “Nesta noite 200 milhões de crianças vão dormir na rua em todo o mundo. Nenhuma delas é cubana”. É isso.
Sul21 – Imagino que tenham questionado no debate o fato de o poder estar concentrado com Fidel Castro e agora com seu irmão, o que muitos consideram uma ditadura.
Fernando Morais – É um país em guerra com a maior potência bélica do planeta. Não sei que cidade está a 160 quilômetros de Porto Alegre, para que as pessoas tenham a noção da distância entre Cuba e os Estados Unidos. E não é uma ameaça retórica. É real. Acho que não tem mais ninguém ingênuo depois que os americanos deram a volta no planeta para invadir o Iraque e o Afeganistão e do que fizeram agora na Líbia. Independentemente se Kadafi era um ditador ou não, eles atravessam o planeta e vão matar gente em um lugar que eles não sabem nem a língua. Se você der um mapa-múndi para os americanos, 99% não sabem onde ficam estes países. Os cubanos não são ingênuos de supor que estão a salvo de uma agressão militar, até porque já houve na Baía dos Porcos. Quando o Brasil entrou na Segunda Guerra, Getúlio baixou no dia seguinte leis que proibiam japoneses, alemães e italianos de falar seus idiomas na rua, de ler livros em suas línguas. Está havendo muita mudança econômica em Cuba. Raúl está corrigindo muita cagada que eles fizeram no começo. Agora, não acredito que haverá alguma mudança política enquanto não acabar o bloqueio econômico.
Para ler a entrevista por inteiro, clicar SUL21
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