Diante dos terremotos que abalam o mundo, Ignacio Ramonet propõe a reinvenção da política para reencantar os seres humanos
Por Ignacio Ramonet
Tradução: Daniela Frabasile
Agora que os atentados de 11 de setembro acabam de completar uma década, e passados três anos da quebra do banco Lehman Brothers, quais são as características do novo “sistema-mundo”?
A regra vigente hoje em dia é a dos terremostos. Terremotos climáticos, terremotos financeiros, terremotos nas bolsas de valores, terremotos energéticos e alimentares, terremotos comunicacionais e tecnológicos, terremotos sociais e geopolíticos, como os que causaram as insurreições da “Primavera Árabe”…
Existe uma falta de visibilidade geral. Acontecimentos imprevistos irrompem com força sem que nada — ou quase nada — os faça emergir. Se governar é prever, vivemos uma evidente crise de governança. Os dirigentes atuais não conseguem prever nada. A política se revela impotente. O Estado que protegia os cidadãos deixou de existir. Existe uma crise na democracia representativa: “não nos representam”, dizem com razão os “indignados”. As pessoas constatam a falência da autoridade política e reclamam que ela volte a assumir seu papel de condutora da sociedade, por ser a única que dispõe da legitimidade democrática. Insistem na necessidade de que o poder político limite o poder econômico e financeiro. Outra constatação: uma carência de liderança política em escala nacional. Os líderes atuais não estão a altura dos desafios.
Os países ricos (América do Norte, Europa e Japão) padecem do maior terremoto econômico-financeiro desde a crise de 1929. Pela primeira vez, a União Europeia vê ameaçada sua coesão e sua existência. E o risco de uma grande recessão econômica debilita a liderança internacional da América do Norte, ameaçada também pelo surgimento de novos pólos de poder (China, Índia, Brasil) em escala internacional.
Em discurso recente, o presidente dos Estados Unidos anunciou que dava por terminadas “as guerras do 11 de setembro” — ou seja, as do Iraque e do Afeganistão — contra o “terrorismo internacional”, que marcaram militarmente a última década. Barack Obama recordou que “cinco milhões de americanos vestiram o uniforme nos últimos dez anos”. Isso não significa que Washington tenha saído vencedor nesses conflitos. As “guerras do 11 de setembro” custaram ao orçamento estadunidense entre 1 bilhão e 2,5 bilhões de dólares: carga financeira astronômica, que teve repercussões no endividamento dos Estados Unidos e, consequentemente, na degradação de sua situação econômica.
As guerras têm-se revelado pírricas. No fim das contas, o Al-Qaeda em certa medida se comportou com Washington do mesmo modo que Ronald Reagan com Moscou quando, nos anos 1980, impôs à URSS uma extenuante corrida armamentista que acabou esgotando o império soviético e provocando sua implosão. A “desclassificação estratégica” dos Estados Unidos começou.
Na diplomacia internacional, a década confirmou a emergência de novos atores e de novos pólos de poder, sobretudo na Ásia e na América Latina. O mundo se “desocidentaliza” e é cada vez mais multipolar. Destaca-se o papel da China, que aparece, em princípio, como a grande potência que nasce no século XXI — embora a estabilidade do Império do Meio não esteja garantida, pois coexistem em seu seio o capitalismo mais selvagem e o comunismo mais autoritário. A tensão entre essas duas forças causará, cedo ou tarde, uma fratura. Mas, por hora, enquanto o poder dos Estados Unidos declina, a ascensão da China se confirma. Já é a segunda potência econômica do mundo (à frente do Japão e da Alemanha). Além disso, por deter parte importante da dívida estadunidense, Pequim tem nas mãos o destino do dólar…
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