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quarta-feira, 24 de outubro de 2012

Uma conversa sobre Marx, as revoltas estudantis, a nova esquerda e os Miliband


Hampstead Heath, no frondoso norte de Londres, se orgulha de seu papel como lugar de passeio na história do marxismo. Por aqui era, aos domingos, por onde passeava Karl Marx com sua família, subindo Parliament Hill, recitando Shakespeare e Schiller durante a caminhada, para passar uma tarde de comida campestre e poesia. Durante a semana, juntava-se com seu amigo Friedrich Engels, que morava nas imediações, para dar uma volta rápida pelo parque, onde os "velhos londrinos", como eram conhecidos, refletiam sobre a Comuna de Paris, a Segunda Internacional e a natureza do capitalismo.
Tristram Hunt

Hoje, numa rua lateral que sai do parque, a ambição marxista segue viva na casa de Eric Hobsbawm. Nascido em 1917 em Alexandria (Egito) sob mandato britânico, mais de vinte anos depois da morte de Marx e Engels, não chegou a conhecer nenhum deles, pessoalmente, é claro. Mas falar com Eric em seu espaçoso salão, cheio de fotos familiares, distinções acadêmicas e uma vida inteira de objetos culturais, dá uma sensação quase tangível de conexão com esses homens e a recordação deles.
Da última vez que entrevistei Eric, em 2002, aparecera com grandes elogios sua brilhante autobiografia Interesting Times [Anos interessantes], crônica de sua juventude na Alemanha de Weimar, de uma vida inteira de amor ao jazz e da transformação que operou no estudo da história da Grã-Bretanha. Foi também em meio a outros dois cíclicos ataques dos meios, após a publicação do livro antiestalinista de Martin Amis, Koba the Dread, [Koba o temível], sobre a filiação de Eric ao Partido Comunista. O "professor marxista" que suscitava a ira do Daily Mail [jornal sensacionalista britânico] não buscava, como ele mesmo disse, "acordo, aprovação ou simpatia", senão que, mais bem, compreensão histórica de uma vida do século XX moldada pela luta contra o fascismo.
Desde então, as coisas mudaram. A crise global do capitalismo, que fez estragos na economia mundial desde 2007, transformou os termos do debate.
De pronto, a crítica de Marx à instabilidade do capitalismo desfruta de um ressurgimento. "Voltou", esbravejava o Times no outono de 2008, enquanto se desfundavam os mercados de valores, se nacionalizavam sumariamente os bancos e o presidente Sarkozy aparecia fotografado folheando Das Kapital (cujo aumento de vendas propulsou as listas de êxitos alemãs). Até o papa Benedicto XVI se viu movido a louvar-lhe a "grande capacidade analítica". Marx, o grande ogro do século XX, ressuscitara em campi, reuniões de sucursais e seções editoriais.
De maneira que não haveria melhor momento para que Eric reunisse seus ensaios mais célebres sobre Marx num único volume, juntamente com o novo material sobre o marxismo à luz do craque. Para Hobsbawm, continua sendo urgente o contínuo dever de comprometer-se com Marx e suas múltiplas heranças (que incluem, neste livro, alguns bons capítulos novos sobre o significado de Gramsci).
Mas o próprio Eric mudou. Teve uma má queda no Natal e já não pode escapar das limitações físicas de seus 93 anos. Sem embargo, seu humor e hospitalidade, do mesmo modo que o de sua mulher, Marlene, assim como o intelecto, seu incisivo sentido político e a amplitude de sua visão, permanecem maravilhosamente nítidos. Com um manuseado exemplar do Financial Times sobre a mesa do café, Eric se move sem problemas dos resultados das sondagens sobre o ex-presidente do Brasil, Lula, às dificuldades ideológicas a que se enfrentava o Partido Comunista em Bengala Ocidental ou às convulsões na Indonésia após o craque global de 1857. A sensibilidade global e a falta de provincianismo, pontos sempre fortes de sua obra, continuam configurando sua política e história.
E depois de uma hora falando de Marx, o materialismo e a continuada luta pela dignidade humana ante os turbilhões do livre mercado, se deixa a casa de Hobsbawm em Hampstead - próximo dos caminhos pelos quais soíam passear Karl e Friedrich - com a sensação de haver passado uma candente tutoria com uma das grandes cabeças do século XX. E alguém decidido a manter uma mirada crítica sobre o XXI.
Tristram Hunt - Há um sentido reivindicativo no coração do teu livro de que, ainda que as soluções de antanho oferecidas por Karl Marx pudessem já não ser pertinentes, ele fez as perguntas justas sobre a natureza do capitalismo, e de que o capitalismo que surgiu nos últimos 20 anos é bastante parecido ao que Marx estava pensando na década de 1840?
Eric Hobsbawm - Sim, é claro que há. O redescobrimento de Marx neste período de crise capitalista se deve a que predisse bastante mais do mundo moderno do que nenhuma outra pessoa em 1848. Isto é, me parece, o que chamou a atenção de uma série de observadores novos de sua obra e, paradoxalmente, primeiro entre gente de negócios e comentaristas econômicos, antes que entre a esquerda. Lembro-me de que me dei conta, justamente no momento que se celebrava o 150o aniversário da publicação do Manifesto Comunista, de que não se faziam muitos planos para comemorá-lo na esquerda. Algo mais tarde, almoçando com [o financista] George Soros, me perguntou ele: "Que pensa você de Marx?" Ainda que não haja muito sobre o que estejamos de acordo, me disse: "Decididamente, algo tem esse homem".
TH - Você tem impressão de que o que gente como Soros gostava em parte de Marx era a maneira como descreve de modo tão brilhante a energia, a iconoclastia e o potencial do capitalismo? É essa a parte que atraia os executivos que voam na United Airlines?
EH - Creio que é a globalização, do fato de que a predisse, o que poderíamos chamar uma globalização universal, incluída a globalização dos gostos e tudo o mais, o que os impressionou. Mas penso que os mais inteligentes viram também uma teoria que permitia uma espécie de desenvolvimento abrupto da crise. Porque a teoria oficial desse período [final dos 90] desdenhava a possibilidade de uma crise.
TH - E Essa era a linguagem do "pôr fim à expansão e à recessão" e de superar o ciclo econômico?
EH - Exato. O que aconteceu a partir dos anos 70, primeiro nas universidades, em Chicago e em outros lugares e, finalmente, desde 1980 com Thatcher e Reagan foi, suponho eu, uma deformação patológica do princípio de livre mercado do capitalismo: a economia de mercado puro e o rechaço do Estado e da ação pública, que não creio que se praticara em nenhuma economia do século XIX, nem sequer nos EE.UU. E entrava em conflito, entre outras coisas, com a maneira que o capitalismo funcionara em sua época de maior êxito, entre 1945 e princípios dos 70.
TH - Por "êxito", você quer dizer em termos de elevação dos níveis de vida nos anos de pós-guerra?
EH - Êxito no sentido de que havia lucros e garantia algo assim como uma população relativamente satisfeita socialmente, e politicamente estável. Não era o ideal, mas era, digamos, um capitalismo de rosto humano.
TH - E você acredita que para o renovado interesse por Marx contribuiu o fim dos estados marxistas-leninistas? Desapareceu a sombra leninista e pudemos voltar à natureza original dos escritos marxianos?
EH - Com a queda da União Soviética, os capitalistas deixaram de ter medo e, nessa medida, tanto eles como nós pudemos contemplar o problema de um modo muito mais equilibrado, muito menos distorcido pela paixão do que antes. Mas foi mais a instabilidade dessa economia neoliberal globalizada, que eu creio que começou a se fazer tão perceptível no final do século. Veja, em certo sentido, a economia globalizada estava de fato dirigida pelo que se poderia chamar o norocidente global [Europa Ocidental e América do Norte], que impulsionou esse fundamentalismo de mercado ultraextremista. Inicialmente, parecia que funcionava bastante bem - pelo menos no velho norocidente -, ainda que, desde o princípio, se pode ver que causava terremotos na periferia da economia global, grandes terremotos. Na América Latina se produziu uma enorme crise financeira em princípios dos anos 80. No princípio dos 90, houve uma catástrofe econômica na Rússia. E, logo, para o final do século, tivemos esse colapso que se estendeu da Rússia à Coreia [do Sul], Indonésia e Argentina. Isso fez com que as pessoas começassem a pensar, tenho a impressão, que existia uma instabilidade básica no sistema, que anteriormente passara despercebida.
TH - Houve certas sugestões afirmando que a crise da qual somos testemunhas desde 2008 em termos de América do Norte, Europa e Grã-Bretanha não é tanto uma crise do capitalismo per se como do moderno capitalismo financeiro ocidental. Enquanto isso, Brasil, Rússia, Índia e China - os "Bric" - fazem crescer suas economias de acordo com modelos cada vez mais capitalistas, ao mesmo tempo. Ou é que nos toca simplesmente o turno de sofrer as crises que eles passaram há 10 anos?
EH - O autêntico ascenso dos países Bric é algo que aconteceu nos últimos 10 anos, 15 anos se tanto. Assim que, nessa medida, pode se dizer que se tratava de uma crise do capitalismo. Por outro lado, creio que existe o risco de assumir, como fazem os neoliberais e partidários do livre mercado, que só existe um tipo de capitalismo. O capitalismo é, se você quiser, como uma família, com uma série de possibilidades, desde o capitalismo sob a direção do Estado da França ao livre mercado da América do Norte. Portanto, é um erro crer que o ascenso dos Bric é simplesmente o mesmo que a generalização do capitalismo ocidental. Não é: a única vez que tentaram importar o fundamentalismo de mercado em bloco foi na Rússia e ali ocasionou um fracasso absolutamente trágico.
TH - Você suscitou a questão das consequências políticas do craque. Em seu livro, você descartara a insistência em examinar os textos clássicos de Marx como algo que provê um programa político consistente para hoje, mas onde você acredita que vai agora o marxismo como programa político?
EH - Não creio que Marx tivera alguma vez, como diríamos, um projeto político. Politicamente falando, o programa específico marxiano era que a classe trabalhadora deveria se formar como corpo com consciência de classe e obrar politicamente a fim de lograr poder. Mais além disso, Marx deixou tudo deliberadamente vago, devido a sua antipatia pelas coisas utópicas. Paradoxalmente, eu diria inclusive que os novos partidos ficaram bastante largados à improvisação, para que fizessem o que pudessem sem instruções efetivas. O que Marx escrevera em torno a isso se limitava a pouco mais que ideias ao estilo da Cláusula 4 [que nos estatutos de 1918 do Partido Laborista britânico se referia à socialização dos meios de produção] sobre propriedade pública, nada que se aproximasse realmente o bastante para proporcionar um guia para partidos ou ministros. Minha opinião é que o modelo principal que tinham em mente os socialistas e comunistas do século XX era o das economias sob direção do Estado da Primeira Guerra Mundial, que não era particularmente socialista, mas fornecia certa classe de guia sobre como poderia funcionar o socialismo.
TH - Não o surpreende a incapacidade da esquerda marxiana ou socialdemocrata para explorar politicamente a crise dos últimos anos? Aqui andamos sentados uns vinte anos depois do desaparecimento de um dos partidos que você mais admirou, o Partido Comunista italiano. Você se deprime com o estado da esquerda neste momento na Europa e para além dela?
EH - Sim, por suposto. De fato, uma das coisas que trato de mostrar no livro é que a crise do marxismo não é só a crise de seu braço revolucionário, senão que também de seu ramo revolucionário. A nova situação na nova economia globalizada não só acabou por liquidar o marxismo-leninismo, senão que também o reformismo socialdemocrata, que consistia essencialmente na classe trabalhadora, a qual exercia pressão sobre o estado-nação. Mas, com a globalização, diminuiu de modo efetivo a capacidade dos Estados de responder a essa pressão. E, assim, a esquerda se retirou, sugerindo: "Vamos ver, os capitalistas vão bem, tudo o que necessitamos é que prossigam tendo os mesmos lucros e que nos asseguremos de manter a nossa parte".
Isso funcionava quando a porção correspondente a essa parte adotava a forma de criação de estados do bem-estar, mas dos anos 70 em diante, deixou de funcionar e o que se teve de fazer foi, com efeito, o que fizeram Blair e Brown: que ganhem todo o dinheiro que possam e esperemos que seja bastante o que goteje para melhorar a situação dos nossos.
TH - De modo que existia um pacto fáustico durante os bons tempos: se os lucros gozavam de boa saúde e podiam assegurar os investimentos em educação e saúde, não faríamos perguntas demais?
EH - Sim, enquanto se mantivesse o nível de vida.
TH - E agora, com a queda dos lucros, nos esforçamos para encontrar respostas?
EH - Agora que vamos por outra senda nos países ocidentais, nos quais o crescimento é relativamente estático, declinante inclusive, a questão das reformas volta então a se fazer muito mais urgente.
TH - Você vê como parte do problema, em termos da esquerda, o final de uma classe trabalhadora de massas consciente e identificável, que resultava tradicionalmente essencial para a política socialdemocrata?
EH - Historicamente, é certo. Os governos e as reformas democráticas se cristalizaram em torno dos partidos da classe operária. Esses partidos nunca foram, ou só muito raras vezes, inteiramente de classe operária. Eram sempre, em certa medida, alianças: alianças com certos tipos de intelectuais liberais e de esquerda, com minorias, minorias religiosas e culturais, possivelmente em muitos países com diferentes classes de trabalhadores pobres, com emprego.
Com a exceção dos Estados Unidos, a classe operária continuou sendo um bloco maciço, reconhecível durante longo tempo, desde logo, até bem entrado os 70. Creio que a rapidez da desindustrialização desse país [Grã-Bretanha] quebrou não só o volume senão que também, se você prefere, a consciência da classe operária. E não há hoje um país no qual a classe operária industrial pura seja o suficientemente forte.
O que é possível é que a classe operária forme, como diríamos, o esqueleto de movimentos mais amplos de mudança social. Bom exemplo disso, na esquerda, é o Brasil, que representa um caso clássico de partido do trabalho de fins do século XIX, baseado numa aliança de sindicatos, trabalhadores, pobres em geral, intelectuais, ideólogos e uma tipologia variável de esquerdistas, o que teve como resultado uma notável coalizão de governo. E não se pode dizer que não haja tido êxito depois de oito anos de governo com um presidente com um índice de 80% de aprovação. Ideologicamente, hoje em dia, me sinto absolutamente como em casa na América Latina, porque continua sendo uma parte do mundo na qual as pessoas ainda falam e fazem sua política no velho idioma, com a linguagem do século XIX e XX do socialismo, do comunismo e do marxismo.
TH - Em termos de partidos marxistas, algo que ressalta muito intensamente em sua obra é o papel dos intelectuais. Hoje em dia, vemos uma grande animação em campus como o seu em Birkbeck [College], com reuniões e atos políticos. E se lançamos uma olhada às obras de Naomi Klein ou David Harvey ou às atuações de Slavoj Zizek, há verdadeiro entusiasmo. Você se sente animado com esses intelectuais públicos do marxismo de hoje em dia?
EH - Não estou seguro de que houve um giro de grande envergadura, mas não cabe dúvida: com os cortes do atual governo se produzirá uma radicalização dos estudantes. Do lado negativo... se se observa a última vez que se produziu uma radicalização maciça dos estudantes, em 68, não se foi muito longe. Sem embargo, tal como pensava e penso ainda, é melhor ter jovens, homens e mulheres, que acreditavam estar à esquerda, do que homens e mulheres jovens que acreditam que o único que há para fazer é conseguir um emprego na Bolsa.
TH - E você acredita que gente como Harvey e Zizek desempenha alguma classe de papel útil nisso?
EH - Suponho que é correto descrever Zizek como alguém que leva a cabo atuações. Tem esse elemento de provocação que resulta tão característico e contribui para interessar as pessoas, mas não estou seguro de que a gente que lê Zizek se sinta verdadeiramente mais próxima de implicar-se em repensar os problemas da esquerda.
TH - Passemos do Ocidente ao Oriente. Uma das questões urgentes que se coloca no seu livro é se o Partido Comunista chinês pode evoluir e responder a sua nova posição na cena global.
EH - Isso é um grande mistério. O comunismo desapareceu, mas permanece um importante elemento do comunismo, desde logo, na Ásia, o Partido Comunista do Estado, que dirige a sociedade. Como funciona isso? Na China, creio, existe um grau de consciência mais elevado da potencial instabilidade da situação. Provavelmente se dá uma tendência a proporcionar maior margem de manobra a uma classe média intelectual e a setores instruídos da população em rápido crescimento, o que, ao fim e a cabo, poderá se estimar em dezenas, possivelmente centenas de milhões. Também é verdade que o Partido Comunista da China parece estar recrutando uma direção em boa medida tecnocrática.
Agora bem, o que podemos tirar de tudo isso junto, não sei. A única coisa que creio possível com esta rápida industrialização é o crescimento de movimentos sindicais, e não está claro em que medida o PCCh pode ter espaço para organizações de trabalhadores ou se as considerará inadmissíveis, do mesmo modo que julgaram [inadmissível] as manifestações da Praça de Tiananmen.
TH - Falemos da política britânica para conhecer as suas impressões da coalizão [liberal-conservadora]. Parece-me que tem um ar dos anos 30, em finais da ortodoxia fiscal, cortes de gasto, desigualdades de renda e, com David Cameron como uma figura quase a Stanley Baldwin. Que leitura você faz disso?
EH - Por trás dos diversos cortes, sugeridos com a justificativa de livrar-se do déficit, parece existir claramente uma exigência sistemática, ideológica para desconstruir, semiprivatizar as antigas disposições, já se trate do sistema de pensões, do sistema de bem-estar, do sistema escolar ou inclusive do sistema sanitário. Essas coisas não estavam, na realidade, previstas no programa eleitoral nem conservador nem liberal e, sem embargo, vendo de fora, se trata de um governo muito mais radicalmente à direita do que parecia à primeira vista.
TH - E qual você acredita que deveria ser a resposta do Partido Laborista?
EH - O Partido Laborista não tem sido em seu conjunto uma oposição muito efetiva desde as eleições, em parte porque demorou meses e meses para eleger seu líder. Creio que o Partido Laborista deveria, por um lado, acentuar muito mais que, para a maioria das pessoas, o período dos últimos treze anos não foi um descenso ao caos, senão que supôs verdadeiramente melhorar a situação, e sobretudo em campos como as escolas, os hospitais e toda uma série de logros culturais acrescentados, de modo que a ideia de que, de um modo ou outro, há que se livrar de tudo como lixo, não é válida. Creio que nos faz falta defender o que a maioria das pessoas crê basicamente que faz falta defender, que é a prestação de certa forma de bem-estar do berço à tumba.
TH - Você conheceu Ralph Miliband [1] e é um velho amigo da família Miliband. Que acredita que pensaria Ralph da disputa de seus filhos, que acabou com Ed dirigindo o Partido?
EH - Bom, como pai, evidentemente não poderia evitar de se sentir muito orgulhoso. Desde logo, estaria muito mais à esquerda que seus dois filhos. Creio que Ralph se identificou verdadeiramente durante a maior parte de sua vida com a ideia de deixar de lado o Partido Laborista e a via parlamentar, e com a esperança de que de algum modo seria possível que chegasse a aparecer um partido socialista propriamente dito. Quando Ralph se reconciliou finalmente com o Partido Laborista, foi em seu período menos útil, o de [Tony] Benn, do qual não saiu realmente grande coisa boa. Não obstante, eu creio que Ralph esperaria certamente algo muito mais radical do que seus filhos parecem até agora estar fazendo.
TH - O título de seu novo livro é Como mudar o mundo. No último parágrafo, você escreve que "a superação do capitalismo ainda me parece algo plausível". Continua sendo nítida essa esperança e ela o mantém trabalhando, escrevendo e refletindo hoje em dia?
EH - Nada há hoje de nítida esperança nestes dias. Como mudar o mundo é um relato do que levou a cabo fundamentalmente o marxismo no século XX, em parte através dos partidos socialdemocratas que não derivavam diretamente de Marx e outros partidos - partidos laboristas, partidos de trabalhadores - que continuam sendo, em todas as partes, partidos de governo ou potencialmente de governo. E, em segundo lugar, através da Revolução Russa e suas consequências.
O histórico de Karl Marx, um profeta desarmado que inspirou mudanças de envergadura, é inegável. E não é que esteja dizendo muito deliberadamente que não haja perspectivas equivalentes hoje em dia. O que digo hoje é que os problemas básicos do século XXI requereriam soluções às quais não a podem enfrentar adequadamente nem o mercado puro nem a democracia liberal pura. E, nessa medida, haverá que fazer funcionar uma combinação diferente, uma mescla diferente do público e do privado, de ação e controle por parte do Estado e de liberdade.
Como se chamará, não sei. Mas bem pode ser que já não se trate de capitalismo; desde logo não no sentido em que o temos conhecido neste país e nos Estados Unidos.
NOTA T.: [1] Ralph Miliband (1924-1994), nascido na Bélgica como Adolphe Miliband, de origem judia-co-polaca, foi um conhecido teórico marxista da Nova Esquerda britânica. Se estabeleceu na Grã-Bretanha durante a Segunda Guerra Mundial, fugindo do nazismo, combateu na Royal Navy e estudou na London School of Economics, onde seria professor até 1972, passando depois à Universidade de Leeds. Seus filhos David e Ed disputaram a direção do Partido Laborista britânico, que ficou finalmente com Ed em setembro de 2010.
Tristram Hunt é deputado laborista nos Comuns pela circunscrição de Stoke-on-Trent Central. Foi professor de história moderna da Grã-Bretamha na Queen Mary, University of London, e é autor de The English Civil War: At First Hand y Building Jerusalem: The Rise and Fall of the Victorian City e de diversas series de programas para a BBC e Channel 4.
Tradução para o português: Sergio Granja

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