por Immanuel Wallerstein
06/05/2014
Tradução: Gabriela Leite
Tratada com ironia, mesmo entre
certa esquerda, insurreição de 1994 abriu caminho para retomada da ação
anticapitalista, quando sistema julgava-se imbatível
Em 1º de janeiro de 2014, o
Exército Zapatista de Liberação Nacional (EZLN) celebrou o vigésimo aniversário
de sua insurreição em Chiapas. Este ano, eles estão se envolvendo em uma
auto-avaliação. Em abril, na página web do EZLN, o Enlace Zapatista, o
Subcomandante Insurgente Moisés publicou um editorial sobre a “guerra contra o
esquecimento”. Ele diz que em meros dezenove anos, a luta do EZLN “toreou” o
sistema que oprime os povos indígenas há 520 anos.
Quais foram as realiçações do
EZLN? Em que sentido, pode-se dizer que ele teve sucesso? O EZLN tem sido
tratado com ironia não apenas pena direita mundial, mas também por certos
grupos da esquerda, que o acusam de ser
muito irrelevante para a luta mundial contra o imperialismo e o neoliberalismo.
O que eles alcançaram, perguntam os críticos? Sua trajetória teria sido mais
que um show de relações públicas?
Este tipo de crítica não
compreende nada sobre a insurreição. O primeiro feito dos zapatistas tem sido
sobreviver contra um exército mexicano que tem se esforçado, há vinte anos, por
destruí-los. A ameaça foi evitada não por proeza militar do EZLN (seu
poder não pode ser comparado à do
exército mexicano), mas por sua força política — tanto internamente, entre os
povos indígenas de Chiapas, quanto externamente, no resto do mundo. É essa
força que limitou os danos do exército a não mais que perseguições (algumas com
assassinatos) nas margens das comunidades anôminas zapatistas.
Qual foi a múltipla mensagem do
EZLN, ao governo mexicano e ao mundo, em 1º de janeiro de 1994, quando começou
o levante? Primeiro, estavam reivindicando a dignidade dos povos indígenas
oprimidos, ao renovar a exigência de exercer o governo de suas próprias
comunidades, por meio das próprias populações, coletiva e democraticamente. Em
segundo lugar, estavam dizendo que não têm nenhum interesse em chegar ao poder
de Estado no México, o que seria, em sua visão, simplesmente trocar um conjunto
de opressores por outro. Ao invés disso, demandavam que o governo mexicano
reconhecesse formal e sinceramente sua autonomia.
Em terceiro lugar, o EZLN
escolheu a data porque marcava a entrada em vigor do Tratado de Livre Comércio
da América do Norte (Nafta, em inglês). Ao escolher esta data, estavam
afirmando sua rejeição ao papel imperialista dos Estados Unidos, no México e em
todo o mundo. Quarto: afirmavam que, ao invés de focarem sua ação
especificamente em Chiapas, apoiavam as lutas de todos os povos e classes
oprimidas ao redor do mundo. Enfatizaram isso ao convocar mais tarde, em
Chiapas, o que eles chamaram de reuniões intergaláticas; e ao se recusarem a
excluir participantes que eram rejeitados por outros convidados. E em quinto
lugar, solicitaram compartilhar estas visões com outros oprimidos no México
através do Congresso Nacional Indígena.
O levante do EZLN foi o início
de uma contra-ofensiva da esquerda mundial contra o avanço, relativamente breve, da direita mundial,
entre 1970 e 1994. A combinação do impacto político e econômico do Consenso de
Washington e o aparente triunfo, com o colapso da União Soviética, permitiram à
direita sonhar com a dominação permanente do sistema mundial. O que os
zapatistas fizeram foi lembrá-los (e o mundo de esquerda) que há, sim, uma
alternativa — a de um mundo relativamente democrático e relativamente igualitário.
Em 1º de janeiro de 1994, o
EZLN abriu caminho para os protestos bem sucedidos que ocorreriam Seattle, em
1999; e em diversas outras cidades, na sequência — assim como para a fundação
do Fórum Social Mundial (FSM) em Porto Alegre, em 2001. A luta contínua do FSM
e do que agora tem sido chamado de movimento por Justiça Global, foi possível
por causa do EZLN.
É claro que, como o
Subcomandante Insurgente Moisés nos recorda, “não pode haver descanso; é
preciso trabalhar duro”. Suponho que esta seja a mensagem definitiva do EZLN.
Não pode haver descanso para qualquer um de nós que acredite que “outro mundo é
possível”.
Fonte: Outras
Palavras
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