Valerio Arcary
É verdade que o crescimento entre 2004 e 2008, com uma retomada em 2010, no contexto de uma recuperação do capitalismo mundial depois da crise de 2000/01, favoreceu uma redução do desemprego, e esta pressão permitiu uma recuperação do salário médio para os níveis de 1990, antes da posse de Collor. Não houve reformas progressivas durante os últimos doze anos? Sim, houve. Mas muito poucas. Reformismo fraco é uma conceituação muito benigna da parte de André Singer. O aumento do salário mínimo acima da inflação, a elevação do crédito popular com os empréstimos consignados, a expansão do Bolsa Família como política de emergência assistencial, explicam a sensação de alívio depois da degradação das condições de vida pela superinflação dos anos oitenta, e estagnação dos anos noventa. Mas não são o bastante para definir os governos do PT como reformistas. Porque foram muito mais numerosas as contrarreformas.
Notas:
Não importa o tamanho
da montanha, ela não pode tapar o sol.
Sabedoria popular portuguesa
A
campanha eleitoral de 2014 é a mais imprevisível desde 1989. É natural, por
isso, que seja a mais ríspida. A aspereza das reações polêmicas é proporcional
à incerteza de quem vencerá as eleições presidenciais. A insegurança é inimiga
da serenidade. Não foram poucos os artigos dedicados a diminuir e desqualificar
a oposição de esquerda e, em especial, o PSTU, durante o último mês.
Valter
Pomar afirmou, por exemplo, concluindo um texto recente: "no
atual período histórico, quem acha possível derrotar ao mesmo tempo a direita e
o PT, acaba geralmente virando linha auxiliar da direita”. [1] Outros
militantes da esquerda petista têm asseverado que o PSTU seria um partido
irrelevante porque Zé Maria não superou 1% das preferências de voto nas
pesquisas de opinião. Breno Altman, por exemplo: “Mas
não é apenas a influência eleitoral desses partidos que é pífia. Também são
forças de pouca envergadura no movimento sindical, estudantil e camponês. Não
passam de franjas isoladas na intelectualidade (...) Ainda que se possa
criticar os governos de Lula e Dilma pela eventual opção por um reformismo
fraco, no dizer de André Singer, o fato é que se constituíram em ferramentas de
resistência ao neoliberalismo em todos os terrenos. (...) a
insistência nessa política sectária faz da ultra-esquerda um aliado objetivo
das forças reacionárias nos momentos de grande polarização e disputa.” [2]
Os
quatro argumentos podem impressionar, mas são falsos. Primeiro, a acusação de que a oposição de esquerda cumpre o
papel de uma linha auxiliar da oposição de direita é indigna. Não vale tudo na
luta política. Linha auxiliar da oposição burguesa é uma denúncia pesada.
Qualquer pessoa pode compreender que na luta política existem mais do que dois
campos, situação e oposição. Existem as classes sociais, e elas se expressam
através de vários partidos.
Com
esta insinuação absurda- “aliados objetivos de forças reacionárias”- os
dirigentes da esquerda petista não estão ofendendo somente a oposição de
esquerda. Estão, também, desafiando a inteligência da sua própria militância,
porque estão agredindo a historia do PT.
O
amálgama da oposição de esquerda com a de direita, pode parecer, politicamente,
eficaz, mas é desonesto. Um mínimo de decência na polêmica de ideias exige
reconhecer que os partidos da oposição de esquerda tem atacado,
implacavelmente, a oposição de direita, seja Marina ou Aécio. Tanto, ou até
mais do que a candidatura do governo. Zé Maria deu a palavra a Osmarino Amâncio
para denunciar que Marina Silva não era herdeira dos ideais de Chico Mendes.
Se
este critério fosse para ser levado a sério, o PT não poderia ter nascido.
Porque o PT surgiu desfiando a liderança do MDB e, portanto, dividindo a
unidade das oposições à ditadura. Por este critério, a candidatura de Lula em
1982 contra Montoro e Reynaldo de Barros, homem de Maluf, era ilegítima, porque
favorecia a vitória do partido da ditadura. Foi essa a acusação que o PCdoB e o
MR-8 fizeram durante quase uma década, nos anos oitenta, ao PT.
A
premissa de que, quem não está conosco, objetivamente, é aliado dos nossos
inimigos é falsa. Mas o pior é que este raciocínio binário vem associado a
outro mais perigoso. Realmente, ainda há quem pense que só o PT representa os
trabalhadores e seus interesses? Não parece bizarra esta conclusão, se a
esquerda petista não pode deixar de admitir que, durante doze anos, os grandes
grupos capitalistas não pararam de ver os seus lucros crescerem? Alguém poderia
explicar, por exemplo, se o PT é o único partido que defende os trabalhadores,
por que o Ministro da Justiça do governo Dilma e dirigente do PT, José Eduardo
Cardoso, quando da greve dos metroviários contra Alckmin em São Paulo declarou: “Seja para o que for,
o governo do Estado pode contar com o apoio instrumental do governo federal”.[3]
Em
segundo lugar, ser maioria não é o bastante para demonstrar quem tem razão em
uma polêmica política. Apenas evidencia qual é a proposta, ou o partido, ou a
candidatura que tem maior apoio, em determinada circunstância. O apoio que uma
proposta, um projeto, uma candidatura pode ter não prova nada, absolutamente
nada, sobre a correção da política defendida.
Os
bolcheviques, uma referência que compartilhamos, foram ínfima minoria na
Segunda Internacional
em 1914. Foram, também, minoria na Rússia até Agosto
de 1917, portanto, durante mais de vinte anos. Parece até um pouco cruel ter
que recordar para lideranças da esquerda petista que são minoria, há pelo menos
duas décadas dentro do PT, que o fato de terem sido, sistematicamente,
derrotados, não invalida as propostas que defenderam.
Um
partido pode sair derrotado, eleitoralmente, e ainda assim obter uma vitória
política. Ou o contrário, sair derrotado, politicamente, apesar de uma vitória
eleitoral. O PT saiu derrotado das urnas, em 1989, mas fortalecido. Um partido
que renuncia ao seu programa para surfar uma onda eleitoral, absorvendo as
ideias de outros partidos, pode ter uma excelente votação, mas sairá das
eleições, derrotado. Em outras palavras, uma avaliação séria com o objetivo de
compreender se um partido foi ou não, politicamente, vitorioso deve ter como
critério um exame da defesa ou não do seu programa. Não somente o sucesso
eleitoral.
A
audiência do PSTU não é tão residual quanto pensa a esquerda do PT. Os
trotskistas estiveram presentes e com um papel destacado em grande parte das
lutas recentes mais importantes: construção pesada em Belo Monte no Pará,
Comperj no Rio de Janeiro, petroleiros em mais de uma dezena de Estados,
professores por todo o país, rodoviários de Porto alegre e Pernambuco, garis e
bombeiros no Rio, metroviários e USP em São Paulo, etc. Ao defender uma saída
socialista para o Brasil, ainda que tenha poucos votos, o PSTU será
politicamente vitorioso, porque esta proposta corresponde às necessidades da
revolução brasileira. Derrotados serão os socialistas cujos partidos não
estiveram nas lutas, e nas eleições não defenderam o socialismo.
É
fácil compreender porque deve ser aconchegante para dirigentes da esquerda do
PT saborearem a perspectiva de uma derrota eleitoral do PSTU como uma
confirmação de sua estratégia de hibernação secular. Só que não é. Trata-se de
mais um caso clássico de autoengano: uma alegria ilusória. A possível vitória
de Dilma, que permanece incerta, se acontecer, significará uma derrota, não uma
vitória da esquerda petista. Porque será para a esquerda petista uma vitória de
Pirro.[4] Pomar, que é um
observador mais lúcido já sentiu o cheiro do perigo.[5]
Os
primeiros cem dias de um possível segundo mandato de Dilma serão suficientes
para que fique claro o tamanho do ajuste fiscal que vem por aí, entre outras
medidas reacionárias. Claro que uma derrota de Dilma será uma irrevogável
derrota da esquerda petista. Mas a dialética do processo é que uma possível
vitória de Marina será, também, uma derrota dos trabalhadores, porque Marina
fará um ajuste tão grande, senão maior, do que o de Dilma, com as trágicas
consequências de aumento do desemprego e queda do salário médio. Em resumo,
2015 não parece nada prometedor.
Em
terceiro lugar, a explicação da provável pequena votação das candidaturas
presidenciais do PSTU, PSOL e PCB não reside no seu posicionamento como
oposição de esquerda. Aliás, é surpreendente que, um ano depois de Junho de
2013, ainda exista tanta teimosia em admitir que uma parcela majoritária da
juventude assalariada urbana com escolaridade mais elevada tenha se deslocado
para a oposição.
Como
ficou evidente em sucessivas pesquisas, é na faixa etária até 35 anos, nos
setores sociais com renda entre dois e cinco salários mínimos, e entre aqueles
com ensino médio completo e superior incompleto que a candidatura Marina Silva
tem maior vantagem em relação a Dilma. Imaginar que essa votação corresponde à
velha classe média reacionária é, simplesmente, cegueira indefensável. É
obtuso. Não foi, portanto, pelo seu posicionamento como oposição ao governo de
coalizão com o PMDB de Renan Calheiros, dirigido por Dilma, em nome do PT, que
a oposição de esquerda tem poucos votos.
A
baixa votação remete a temas muito mais complexos, e que exigem diferentes
níveis de análise para serem compreendidos, mas que o marxismo inspirado em
Leon Trotsky caracterizou com a crise de direção do proletariado. Mas como este
conceito é muito mal interpretado, para resumir, portanto, simplificando,
repousam ainda, entre outros fatores: (a) na avalanche de votos que se
dirigiram para Marina como uma mediação que, embora esteja em uma aliança com a
oposição de direita, não é assim percebida por esta parcela da juventude
trabalhadora que a vê como uma alternativa e, para não poucos, até à esquerda
de Marina; (b) no estágio de imaturidade política desta geração de
trabalhadores jovens, um processo no qual o PT, depois de 12 anos no poder, tem
responsabilidades, como ficou mais uma vez escancarado com o novo escândalo da
Petrobras e as “relações perigosas” com o PP de Maluf, o PMDB de Sarney, etc.;
(c) na falta de confiança dos batalhões mais maduros dos trabalhadores em suas
próprias forças, que leva a que as propostas da oposição de esquerda, ainda que
indispensáveis, pareçam demasiado radicais, e o voto no PT, apesar do
reformismo quase sem reformas, um mal menor; (d) no fenômeno mais amplo das
ilusões no próprio processo eleitoral como via indolor para a transformação
econômico-social do país, o que, evidentemente, não é possível.
Por último, em quarto lugar, o argumento de que os
governos do PT foram um período de resistência ao neoliberalismo é uma fantasia
exagerada, portanto, insustentável, em um debate sério. Em outras palavras,
pensamento mágico. Expressão pura da força do desejo.
Resistência
ao neoliberalismo? O eixo central da estratégia neoliberal foi o tripé
macroeconômico que Lula preservou dos governos de Fernando Henrique. Até as
pedras das calçadas da Avenida Paulista sabem que a política de Palocci foi um
sonho de consumo da burguesia brasileira. Que a preservação das metas
inflacionárias, do superávit fiscal, e do câmbio flutuante, para garantir a
segurança da rolagem da dívida pública na mão dos rentistas, foi a estratégia
central para blindar a governabilidade dos governos de coalizão dirigidos pelo
PT. Não por acaso o governo manteve relações amigáveis com o agronegócio, com
as montadoras e a FIESP, com os banqueiros, etc.
A
tentativa de redução da taxa de juros, durante dois anos dos quatro do mandato
de Dilma, foi o bastante para levar a esquerda petista, e até o MST, a sonhar
com um novo curso desenvolvimentista. Foi, como o último ano demonstrou, só um
ensaio, rapidamente, interrompido.
É verdade que o crescimento entre 2004 e 2008, com uma retomada em 2010, no contexto de uma recuperação do capitalismo mundial depois da crise de 2000/01, favoreceu uma redução do desemprego, e esta pressão permitiu uma recuperação do salário médio para os níveis de 1990, antes da posse de Collor. Não houve reformas progressivas durante os últimos doze anos? Sim, houve. Mas muito poucas. Reformismo fraco é uma conceituação muito benigna da parte de André Singer. O aumento do salário mínimo acima da inflação, a elevação do crédito popular com os empréstimos consignados, a expansão do Bolsa Família como política de emergência assistencial, explicam a sensação de alívio depois da degradação das condições de vida pela superinflação dos anos oitenta, e estagnação dos anos noventa. Mas não são o bastante para definir os governos do PT como reformistas. Porque foram muito mais numerosas as contrarreformas.
Como dizem os portugueses, não importa o tamanho da montanha, ela não
pode tapar o sol.
Notas:
[1] POMAR, Valter. Ser
de esquerda não é profissão de fé, nem serviços prestados. 10/09/2014,
Inhttp://valterpomar.blogspot.com.br/2014/09/ser-de-esquerda-nao-e-profissao-de-fe.html
[2] ALTMAN, Breno. Por que a ultra-esquerda brasileira é residual? 11/09/2014. Inhttps://www.facebook.com/breno.altman
[4] Trata-se de uma
expressão que explica como há vitórias que se transformam em derrotas. Por
exemplo, quando uma vitória é conquistada ao custo de prejuízos
irreparáveis.
[5] POMAR, Valter. Eles
têm um plano C. 12/09/2014. In http://valterpomar.blogspot.com.br/2014/09/eles-tem-um-plano-c.html
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