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sexta-feira, 12 de setembro de 2014

PEQUENA MEMÓRIA AO 11 DE SETEMBRO


Ademir Schetini Júnior

11 de setembro, um número marcante. Em 2001, o Ocidente assistira do alto de suas poltronas, dos seus sofás, das cadeiras dos bares, dos salões de beleza, nas vitrines das lojas de eletrodomésticos visto por quem se dirigiria ao trabalho ou pelo moleque sentando no paralelepípedo esperando um pedaço de bolo de quem fosse ao trabalho, algo que, ainda então, faz-se emblemático. O mundo – ou pelo menos assim se disse – ficaria estupefato. Quem estaria por trás do atentado às Torres Gêmeas, noticiado como uma das maiores opugnações de todos os tempos? De um lado, têm-se os teóricos da «conspiração» e os do «subjacente terrorismo oriental» em contraste com os defensores da inocência-democrática americana (sic). Lembro-me de ouvir naquela manhã em que voltava da aula de matemática que estaríamos ao pé da III Guerra Mundial.

Para constar, precedia a 11 de setembro de 1968 – «o ano que não terminou» – outro revés, desta feita nas bancas brasileiras: mas não precisamos citá-lo além da nota – Veja: 33 anos após o lançamento, a revista destacaria a vulnerabilidade «americana», apostando na subsequente «guerra ao terror» por conta do ataque supracitado.

Entretanto, cabe aqui outro 11 de setembro. Na manhã chuvosa de 1973, o presidente do Chile receberia telefonema convocando-o, urgentemente, ao Palácio de La Moneda, no centro de Santiago, porque pairavam rumores de bombardeio. Alarme verdadeiro. Na ocasião, as bombas eram lançadas em nome da «liberdade», da «proteção à democracia», da terapia do «câncer marxista». Eufemismos à parte, as bombas iam em nome do general don Augusto Pinochet Ugarte, comandante em chefe das forças armadas e braço direito do presidente Salvador Allende. O sobrenome dos que lançavam-nas, porém, se ocultara.

Bem, dois os países que se destacavam no pós II Guerra, nas Américas, enquanto outros tantos já haviam lançado mão das botas, quer dizer, se adornado com vestimenta militar, mas, além de tudo, haviam se revestido de poder político-militar. Entre os dois países, Cuba, como se sabe, em revolução (que os teóricos chamam de armada) desde 1959, e o Chile, cujo presidenciável havia sido eleito democraticamente (ou seja, nas urnas), em 1970, em processo revolucionário (pacífico, conforme os teóricos). Neste caso, por revolucionário entenda-se, sobretudo a nacionalização das matérias-primas, aos limites impostos às empresas estadunidenses atuantes no país, a superação dos déficits sanitário, habitacional, nutricional, a mudança no sistema tributário e na estrutura agrária, a divisão equânime dos bens materiais, o investimento na educação escolar e o incentivo às artes: música, teatro, arpillera, gravura, cerâmica, literatura. Comum o fato de ambos os países, Cuba e Chile, postularem a alternativa antiimperialista testa a testa com os Estados Unidos da América (amiúde cognominados «americanos»).

Pois bem, mal os niños chilenos sentirem o sabor do leite, já era hora de os latifundiários tomarem posse de incontáveis vacas. Mal as muchachas saborearem o saber das letras, os coturnos pisariam solos universitários e enquadrariam a função docente. Calaram a boca, indiretamente, por censura, de uma Violeta Parra (quem gerou a popular Gracias a la Vida) e, diretamente, por envenenamento, de um Pablo Neruda (combatente de guerra). Maior agonia sofrera um passarinho morto «a pedradas» no Estádio Nacional do Chile diante de dez mil presos-políticos: aqui jaz um Victor Jara (ele deveria ser mais conhecido). A fotografia que acompanha o texto corresponde àqueles dias.

Sem embargo, a situação se deflora quando saímos dos «ilustres» e partimos aos «apagados». A partir de 11 de setembro de 1973, perde-se o fio do novelo dos bordados das artesãs arpilleras, que, portando agulhas afiadas, linhas coloridas e pedaços de panos, retalhariam o novo enredo do país, mas, sem se renderem ante a face brutal que acompanharia seus causticantes dias.

Doía por sobreviverem e por perderem entes, doía porque o índice inflacionário caía em suas costas e a contrapartida corresponderia ao aumento em cinquenta por cento de desemprego, doía porque o apito do toque de recolher noturno soava em seus ouvidos e porque lhes foram negado salvo-conduto, doía porque o neoliberalismo, porque Milton Friedman, doía, enfim, entre tantos porquês, porque era proibido olvidar os seus, era proibido esquecer as técnicas aplicadas em seus corpos, as aranhas e os ratos introduzidos (vivos) na genitália, os choques elétricos, os abusos sexuais, a violação do direito de ser gente, apenas.

Sem quê nem por quê, a mãe desesperada corria desesperante invocando o filho – desaparecido. Fosse desentendedora do assunto político o desespero liberaria cargas elevadas de adrenalina naquele sangue marcado por décadas afundadas na diabetes e a aflição, evidentemente, aumentaria. Os dias que lhe restavam, naturalmente, encurtariam. [...]

Mal se começou a entoar «la mujer de la pátria también», era hora de silenciar o canto. Os ancestrais, os Mapuche, guardiões de tradições seculares, foram desterrados, expropriados, genocidados: jorra sangue destas veias abertas. Atônita, a viúva de Pablo Neruda indagara a surpresa causada na primeira quinzena do novo regime. Perguntava-se: «como afugentar as recordações desses dias tão sofridos? Como ignorar essa legião de mortos anônimos que, por toda a parte, está sendo enterrada sem cruzes, sem flores, sem lágrimas?»

Finalmente chega 1990 – dois anos após o plebiscito nacional «No» derrubar o general e os comparsas – e o Estado vai conhecendo a desoficialização da ditadura. Segundo o ministro da Educação, Harald Beyer, em 2012, abrindo parênteses, entre as expressões idiomáticas «regime» e «ditadura» militar, a primeira expressão deveria ser utilizada nos livros didáticos. Golpe certeiro no ensino fundamental. O gás lacrimogêneo ainda sufocaria, 40 anos depois de instaurado o golpe militar e 23 após oficialmente encerrado, mães pais filhas filhos amigos dos mortos e desaparecidos políticos que ensejassem as ruas como local de resgate da Memória e luta por Justiça!

Sobre o número emblemático, vejamos: se somarmos o dia 31 de março ao ano 1964 correspondente ao golpe militar no Brasil, obteremos 1995; e se repetirmos a operação com o 11 de setembro de 1973 do Chile, teremos o 1984 (1984, como se sabe, é o meio-anagrama de George Orwell, símbolo do totalitarismo vigilante; vigilância e comunicação, como sabemos, foram decisivos ao golpe: são exemplos a International Telephone & Telegraph [I.T.T.] e a Central Intelligence Agency [C.I.A.], mega-instituições atreladas às relações internacionais estadunidenses à época, e para além). Assim, a subtração do produto do golpe brasileiro ao do chileno, ou seja, 1995 - 1984 se apresentará como 11. Que o círculo se feche por aqui.

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