A ideia parecia perfeita.
Depois de 12 anos de continuidade com programas importantes de transferência de
renda, que levaram 32 milhões de brasileiros à classe média, o Brasil estaria
em condições de mostrar ao mundo sua nova imagem. Seria a consagração do país
diante do cenário internacional.
Mostraríamos um Brasil alegre,
orgulhoso de si mesmo, onde empreiteiras e trabalhadores cantam de mãos dadas o
hino nacional e se veem como sócios em um novo e radiante momento de
desenvolvimento. Publicitários estariam a postos para mobilizar afetos de
superação entre um gole e outro de Coca-Cola. Só sorriso no ar.
Essa era a verdadeira função da
Copa do Mundo: completar a narrativa política da transformação nacional
apelando ao acolhimento do olhar estrangeiro.
Bem, o problema é que não teve
Copa. Houve jogos, um campeão, estádios em Brasília, Cuiabá e Manaus, mas não
houve Copa. Não apenas porque apareceu uma outra imagem do país: essa da nação
que se estagnou em um ponto no qual o desenvolvimento não consegue se transformar
mais em qualidade efetiva de vida. Ponto no qual operários são mortos em
construção como algo que, nas palavras de Pelé, “é normal, pode acontecer”,
quase como uma lei da natureza. Na verdade, não houve Copa do Mundo porque o
povo brasileiro saiu do lugar.
Ele tinha um lugar previamente
definido. Sua função era celebrar e aclamar. Com casas pintadas de verde e
amarelo e, como se diz, com “alegria contagiante”, o povo brasileiro deveria
abraçar seu novo lugar no mundo. Mas algo saiu definitivamente do lugar. O
enorme aparato policial-militar montado para impedir que o povo saia da
coreografia da felicidade imposta e a brutalidade governamental contra
grevistas, como vemos mais uma vez em São Paulo, tudo está aí para não deixar
negar. Não, o povo brasileiro não está feliz, pois se sente como alguém que
teve sua paixão usada por outros.
Sinal dos tempos.
No chamado “país do futebol”
pela primeira vez uma Copa do Mundo não trará dividendos políticos, mas
mostrará uma população consciente da tentativa de espoliar seus sonhos.
População cuja revolta pode explodir a qualquer momento, da forma mais
inesperada possível, mesmo que seja governada por pessoas que nada mais tem a
oferecer a não ser a polícia.
Algo mudou de maneira profunda,
mas os publicitários, estrategistas e políticos não perceberam. Não há grande
evento que consiga esconder o desencanto de um povo.
Por isso, nada mais honesto do
que dizer: não teve Copa. E quem mais ganhou com isso foi o Brasil.
Fonte: Folha
de S.Paulo
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