Apenas
alguns anos depois de a Índia ser exaltada como uma potência econômica em
ascensão destinada a alcançar, ou mesmo ultrapassar, a China, o crescimento da
economia desacelerou para um ritmo não visto nos últimos dez anos. As
consequências já começam a aparecer na paisagem social.
Ocorre atualmente na Índia, o
segundo país mais populoso do mundo, um estranho fenômeno demográfico: massas
imensas de trabalhadores urbanos retornam para o campo porque não encontram
mais condições de vida nas grandes cidades industriais do país. A Índia sofre
neste momento a mesma síndrome de travamento dos demais parceiros dos BRICs e
outras outrora “economias emergentes”, como Turquia, México, Argentina, etc.
Apenas alguns anos depois de a Índia ser exaltada como uma potência econômica
em ascensão destinada a alcançar, ou mesmo ultrapassar, a China, o crescimento
da economia desacelerou para um ritmo não visto nos últimos dez anos. A
economia indiana se expandiu a uma taxa anualizada de 4,7% no quarto trimestre
de 2013, o que pode parecer grande para outras economias mais industrializadas,
mas é um recuo drástico para um país que chegou a crescer 11,4% em 2010. A
inflação está elevada, trabalhadores não encontram emprego, a industrialização
e a urbanização emperraram. Para os indianos que acreditavam na ilusão de
melhorar de vida com o crescimento econômico da primeira década do século, a
desaceleração atual causou uma reviravolta quase total no seu destino,
levando-os de volta ao campo, a empregos e a uma forma de vida que eles
pensavam ter deixado para trás. Entre 2005 e 2012, os setores industriais e de
serviços da Índia decolaram e o emprego rural encolheu em 37 milhões de trabalhadores.
Economistas indianos agora projetam que o processo vai se inverter e que, até
2015, haverá 12 milhões de pessoas a mais trabalhando na agricultura do que
havia em 2012.
GRANDE
DEMAIS PARA CRESCER
Fluxos populacionais em direção
ao campo cercado pelo capital é uma direção perigosa que os capitalistas
indianos precisam reverter para abortar grandes turbulências sociais. O mais
recente plano econômico quinquenal do governo, que cobre o período de 2012 a
2017, diz que a proporção de trabalhadores indianos no campo ainda é
"grande demais" e enfatiza a necessidade de estimular a criação de
empregos fora da agricultura. Caso contrário, segundo o diagnostico oficial, o
país correria um enorme risco político e econômico, à medida que a população em
idade de trabalhar continua aumentando. A Índia precisa criar empregos para as
90 milhões de pessoas que vão entrar na força de trabalho nos próximos 15 anos.
Mas um crescimento econômico baseado na mais-valia absoluta e baixa composição
orgânica do capital (predominância do capital variável sobre o capital
constante) seria um problema maior e não uma solução. Os economistas indianos
mais esclarecidos dizem que um verdadeiro processo de industrialização não pode
ocorrer se os jovens trabalhadores ficarem condenados a empregos relativamente
improdutivos na agricultura, nos serviços e outras atividades manufatureiras
semimanuais. O regime capitalista indiano está na encruzilhada: continuar a
lucrar com o boom demográfico dos
últimos vinte anos ou ser engolido por ele. Um retorno em grande escala ao
campo, como ocorre neste momento, é uma reviravolta catastroficamente inviável
para um país cuja história econômica parecia, até recentemente, a de uma
potência emergente no setor de tecnologia da informação. Tratava-se, de fato,
de uma equação desequilibrada: a agricultura responde por 20% do PIB e 50% do
emprego. Por outro lado, os alardeados setores indianos de TI, finanças e
outros serviços representam 50% da economia, mas empregam apenas 25% da força
de trabalho.
CONTRADIÇÃO
IMPERMEÁVEL
O ingrediente estratégico que
está faltando é a grande manufatura. Mesmo tratando-se de uma estratégia
imperialista de integração às cadeias produtivas globais. Como fizeram seus
vizinhos asiáticos. Na Ásia, fábricas espaçosas e reluzentes atraíram centenas
de milhões de pessoas do campo para as cidades. Mas a indústria indiana há anos
gera apenas 15% do PIB, sendo que a maior parte da produção vem de fábricas
pequenas e de baixíssima produtividade do trabalho. A Coreia do Sul e a
Tailândia ultrapassaram esse nível de industrialização em meados dos anos 70.
Em ambos os países, do mesmo modo que na China, a indústria hoje responde por
quase 33% do PIB.
Por que a Índia não consegue
ser um país predominantemente industrializado, como seus parceiros dos BRICs, é
uma coisa intrigante entre economistas. Os liberais, com a ladainha de sempre e
para qualquer lugar, culpam os obstáculos que as empresas enfrentam na Índia,
desde oscilações no fornecimento de energia até leis trabalhistas rígidas e
estradas esburacadas. Bobagem. Outros menos repetitivos apontam para os
privilégios oferecidos às 3 grandes companhias em detrimento das pequenas e
médias empresas. Mas não são exatamente essas grandes empresas globais que faz
falta?
Sobre as consequências deste
processo truncado, porém, há quase um consenso: enquanto a economia indiana não
for capaz de criar os tipos de empregos fabris que proporcionem produtividade e
rendimentos adequados para trabalhadores rurais de baixa qualificação, a
maioria dos camponeses vai continuar amplamente marginalizada das rotas do
crescimento econômico. Em 1990, segundo o Banco Mundial, a fatia da população
vivendo nas cidades da Índia era a mesma que na China: pouco acima de 25%. Em
2012, a proporção era de 32% na Índia e de 52% na China.
Entretanto, as condições
miseráveis do crescimento econômico nas grandes cidades já pesam na decisão dos
migrantes de retornar para o campo. É uma contradição impermeável a qualquer
receita capitalista. O governo tenta remediar. As famílias pobres indianas
também têm direito a planos assistencialistas de grande sucesso como no Brasil
e demais países miseráveis do mundo: compras mensais de alimentos a preços
reduzidos e, desde 2008, todas as famílias rurais têm garantidos cem dias de
trabalho assalariado não agrícola, geralmente na construção, obras de drenagem
e outras atividades manuais.
Analistas dizem, cinicamente,
que essa rede de assistencialismo social reprime a urbanização ao prender os
camponeses pobres a empregos de baixa qualificação. De fato, há poucas razões
para que a modernização do campo aconteça sem o surgimento da grande indústria
e se, simultaneamente, a agricultura indiana não se tornar mais produtiva, quer
dizer, mais mecanizada. A produção da Índia por hectare é cerca de 30% a da
China, que já é baixíssima, e fica também bem atrás da produtividade das demais
economias do Sudeste Asiático. É por isso que a volta ao passado de uma podre
estrutura agrícola de massas imensas de trabalhadores urbanos, como ocorre
atualmente, é absolutamente inviável. Socialmente explosiva, pois as
engrenagens materiais não podem ser impunemente giradas para trás.
CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA. EDIÇÃO
Nº 1194/5– Ano 28; 1ª e 2ª Semanas Junho 2014. Em 2014, estamos completando 27
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