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quinta-feira, 26 de junho de 2014

Índia: a maldição dos BRICS

Por JOSÉ MARTINS

Apenas alguns anos depois de a Índia ser exaltada como uma potência econômica em ascensão destinada a alcançar, ou mesmo ultrapassar, a China, o crescimento da economia desacelerou para um ritmo não visto nos últimos dez anos. As consequências já começam a aparecer na paisagem social.

Ocorre atualmente na Índia, o segundo país mais populoso do mundo, um estranho fenômeno demográfico: massas imensas de trabalhadores urbanos retornam para o campo porque não encontram mais condições de vida nas grandes cidades industriais do país. A Índia sofre neste momento a mesma síndrome de travamento dos demais parceiros dos BRICs e outras outrora “economias emergentes”, como Turquia, México, Argentina, etc. Apenas alguns anos depois de a Índia ser exaltada como uma potência econômica em ascensão destinada a alcançar, ou mesmo ultrapassar, a China, o crescimento da economia desacelerou para um ritmo não visto nos últimos dez anos. A economia indiana se expandiu a uma taxa anualizada de 4,7% no quarto trimestre de 2013, o que pode parecer grande para outras economias mais industrializadas, mas é um recuo drástico para um país que chegou a crescer 11,4% em 2010. A inflação está elevada, trabalhadores não encontram emprego, a industrialização e a urbanização emperraram. Para os indianos que acreditavam na ilusão de melhorar de vida com o crescimento econômico da primeira década do século, a desaceleração atual causou uma reviravolta quase total no seu destino, levando-os de volta ao campo, a empregos e a uma forma de vida que eles pensavam ter deixado para trás. Entre 2005 e 2012, os setores industriais e de serviços da Índia decolaram e o emprego rural encolheu em 37 milhões de trabalhadores. Economistas indianos agora projetam que o processo vai se inverter e que, até 2015, haverá 12 milhões de pessoas a mais trabalhando na agricultura do que havia em 2012.

GRANDE DEMAIS PARA CRESCER

Fluxos populacionais em direção ao campo cercado pelo capital é uma direção perigosa que os capitalistas indianos precisam reverter para abortar grandes turbulências sociais. O mais recente plano econômico quinquenal do governo, que cobre o período de 2012 a 2017, diz que a proporção de trabalhadores indianos no campo ainda é "grande demais" e enfatiza a necessidade de estimular a criação de empregos fora da agricultura. Caso contrário, segundo o diagnostico oficial, o país correria um enorme risco político e econômico, à medida que a população em idade de trabalhar continua aumentando. A Índia precisa criar empregos para as 90 milhões de pessoas que vão entrar na força de trabalho nos próximos 15 anos. Mas um crescimento econômico baseado na mais-valia absoluta e baixa composição orgânica do capital (predominância do capital variável sobre o capital constante) seria um problema maior e não uma solução. Os economistas indianos mais esclarecidos dizem que um verdadeiro processo de industrialização não pode ocorrer se os jovens trabalhadores ficarem condenados a empregos relativamente improdutivos na agricultura, nos serviços e outras atividades manufatureiras semimanuais. O regime capitalista indiano está na encruzilhada: continuar a lucrar com o boom demográfico dos últimos vinte anos ou ser engolido por ele. Um retorno em grande escala ao campo, como ocorre neste momento, é uma reviravolta catastroficamente inviável para um país cuja história econômica parecia, até recentemente, a de uma potência emergente no setor de tecnologia da informação. Tratava-se, de fato, de uma equação desequilibrada: a agricultura responde por 20% do PIB e 50% do emprego. Por outro lado, os alardeados setores indianos de TI, finanças e outros serviços representam 50% da economia, mas empregam apenas 25% da força de trabalho.

CONTRADIÇÃO IMPERMEÁVEL

O ingrediente estratégico que está faltando é a grande manufatura. Mesmo tratando-se de uma estratégia imperialista de integração às cadeias produtivas globais. Como fizeram seus vizinhos asiáticos. Na Ásia, fábricas espaçosas e reluzentes atraíram centenas de milhões de pessoas do campo para as cidades. Mas a indústria indiana há anos gera apenas 15% do PIB, sendo que a maior parte da produção vem de fábricas pequenas e de baixíssima produtividade do trabalho. A Coreia do Sul e a Tailândia ultrapassaram esse nível de industrialização em meados dos anos 70. Em ambos os países, do mesmo modo que na China, a indústria hoje responde por quase 33% do PIB.

Por que a Índia não consegue ser um país predominantemente industrializado, como seus parceiros dos BRICs, é uma coisa intrigante entre economistas. Os liberais, com a ladainha de sempre e para qualquer lugar, culpam os obstáculos que as empresas enfrentam na Índia, desde oscilações no fornecimento de energia até leis trabalhistas rígidas e estradas esburacadas. Bobagem. Outros menos repetitivos apontam para os privilégios oferecidos às 3 grandes companhias em detrimento das pequenas e médias empresas. Mas não são exatamente essas grandes empresas globais que faz falta?

Sobre as consequências deste processo truncado, porém, há quase um consenso: enquanto a economia indiana não for capaz de criar os tipos de empregos fabris que proporcionem produtividade e rendimentos adequados para trabalhadores rurais de baixa qualificação, a maioria dos camponeses vai continuar amplamente marginalizada das rotas do crescimento econômico. Em 1990, segundo o Banco Mundial, a fatia da população vivendo nas cidades da Índia era a mesma que na China: pouco acima de 25%. Em 2012, a proporção era de 32% na Índia e de 52% na China.

Entretanto, as condições miseráveis do crescimento econômico nas grandes cidades já pesam na decisão dos migrantes de retornar para o campo. É uma contradição impermeável a qualquer receita capitalista. O governo tenta remediar. As famílias pobres indianas também têm direito a planos assistencialistas de grande sucesso como no Brasil e demais países miseráveis do mundo: compras mensais de alimentos a preços reduzidos e, desde 2008, todas as famílias rurais têm garantidos cem dias de trabalho assalariado não agrícola, geralmente na construção, obras de drenagem e outras atividades manuais.

Analistas dizem, cinicamente, que essa rede de assistencialismo social reprime a urbanização ao prender os camponeses pobres a empregos de baixa qualificação. De fato, há poucas razões para que a modernização do campo aconteça sem o surgimento da grande indústria e se, simultaneamente, a agricultura indiana não se tornar mais produtiva, quer dizer, mais mecanizada. A produção da Índia por hectare é cerca de 30% a da China, que já é baixíssima, e fica também bem atrás da produtividade das demais economias do Sudeste Asiático. É por isso que a volta ao passado de uma podre estrutura agrícola de massas imensas de trabalhadores urbanos, como ocorre atualmente, é absolutamente inviável. Socialmente explosiva, pois as engrenagens materiais não podem ser impunemente giradas para trás.

CRÍTICA SEMANAL DA ECONOMIA. EDIÇÃO Nº 1194/5– Ano 28; 1ª e 2ª Semanas Junho 2014. Em 2014, estamos completando 27 ANOS DE VIDA. Vinte e sete anos informando e educando a classe trabalhadora! ASSINE AGORA A CRÍTICA Ligue agora para (11) 9235 7060 ou (48) 96409331 ou escreva um e-mail para criticasemanal@uol.com.br e saiba as condições para a assinatura!

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