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quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

Urbanistas veem processo de 'higienização' no projeto Nova Luz


Desde o dia 3 de janeiro a região da Cracolândia, localizada no centro de São Paulo, é palco da Operação Integrada Centro Legal. O objetivo, de acordo com a prefeitura da capital paulista, é combater o tráfico de drogas na região, diminuir a criminalidade e recuperar as áreas degradadas da Nova Luz. Em contrapartida, organizações sociais e especialistas alegam que a ação é uma “higienização” social que favorece a especulação imobiliária com o Projeto Urbanístico para a Nova Luz, que pretende “requalificar” a região com empreendimentos imobiliários.
O arquiteto urbanista Kazuo Nakano, do Instituto Pólis, critica o projeto atual da Nova Luz. “Ele [o projeto urbanístico da Nova Luz] visa, única e exclusivamente, abrir um espaço urbano na frente de viabilização de negócios imobiliários dentro de um espaço urbano consolidado. E tudo isso está sendo alavancado pelo poder público, com investimento público e legislação urbanística, a fim de criar condições para que o mercado se aproprie de trechos e terras urbanas estruturadas para realizar empreendimentos imobiliários que serão colocados posteriormente no mercado”, afirma. “A lógica é parecida com a que conduziu as desapropriações na Faria Lima e Água Espraiada”.
A Secretaria Municipal de Desenvolvimento Urbano afirma que a Concessão Urbanística da Nova Luz “procura uma transformação urbana na área, aproveitando-se da grande infraestrutura instalada no local, especialmente com relação à sua acessibilidade”. Segundo a secretaria, a Concessão vai permitir a “geração de 19 mil novos empregos, com cerca de 373 mil m² a mais de área dedicados ao estímulo da atividade econômica”. “Também serão instaladas habitações de interesse social (mais de 4.600 novas moradias, sendo mais de 2 mil unidades de habitação popular, trazendo 12 mil moradores para a região), escola (infantil e fundamental), creches, ciclovias, calçadas mais largas construídas com materiais permeáveis, áreas verdes, parques lineares, novo sistema de iluminação pública, implantadas melhorias dos acessos ao transporte metro-ferroviário, além de se buscar a preservação do patrimônio histórico da região e a requalificação de edificações A ideia é que a Nova Luz torne-se um espaço que seja ocupado e aproveitado 24 horas por dia, 7 dias por semana”.
Participação da sociedade
Kazuo aponta outro problema na concepção do projeto: a falta da participação da sociedade. “A medida básica que deveria orientar qualquer projeto urbano que quer ter uma base social ampla, heterogênea, é o processo de discussão e a consulta pública ampla. É necessário incorporar os grupos de interesse como agentes decisórios, responsáveis pelo processo e pelo produto. A falta dessa interlocução gerou desconfiança por partes dos moradores, comerciantes, usuários e proprietários de imóveis”.
A SMDU informou que foram realizadas nove reuniões com representantes ligados ao setor de comércio e 15 reuniões com representantes ligados ao setor de habitação, mais audiências públicas, reuniões semanais com o Conselho Gestor da ZEIS (Zona Especial de Interesse Social) para “aprimoramento do plano habitacional na área específica da intervenção”, atendimento em posto situado na rua General Couto de Magalhães, além do site  www.novaluzsp.com.br/projeto.asp, que disponibiliza o projeto.
Segundo Kazuo, falta vida ao projeto. “O projeto urbanístico da Nova Luz se equivale a um trabalho final de graduação de arquitetura e urbanismo. O que vemos ali é apenas um desenho urbano que inclui formas arquitetônicas espetaculares e disposições de iluminação pública arrojadas. Essa forma de entender um projeto urbano é superficial. As imagens são de uma cidade louca, parece que não tem nada acontecendo lá dentro”, critica. “Um projeto urbano não é uma imagem urbana acabada. É um processo político, econômico e cultural que deve durar duas décadas para ser consolidado e que pode sofrer alterações durante esse tempo”.
A jornalista e fundadora da Associação AmoaLuz, Paula Ribas, acredita o projeto urbanístico não contempla a questão social do bairro. “O plano da prefeitura, na sua origem, não tem um planejamento para tratar a questão do crack nem para lidar com as questões sociais do bairro. É por isso que existe uma resistência por parte dos movimentos. Além disso, acreditamos que está acontecendo uma especulação imobiliária. Apesar da Justiça de São Paulo ter suspendido o projeto urbanístico na Nova Luz, nunca sabemos quando a liminar será derrubada”, comenta. “O projeto da prefeitura contempla o futuro morador da Nova Luz, mas expulsa quem mora lá. Quem comprar os terrenos e imóveis a preço de cracolândia e vender a preço de Nova Luz”, completa.

Política de higienização
“Sob uma suposta boa intenção de resolver o problema do tráfico de drogas ou de viciados em crack, o que está acontecendo é uma política de ‘higienização’, estão expulsando as famílias pobres que vivem no centro. Acreditamos que o projeto precisa incluir habitações populares no centro da cidade, onde centenas de prédios estão abandonados. Os pobres podem e devem morar no centro”, comenta o membro da coordenação nacional do MTST Guilherme Boulos.
O Conselho Regional de Medicina de São Paulo divulgou nesta quarta-feira (1) o posicionamento da entidade sobre a ação na Cracolândia, defendendo a adoção imediata de ações sincronizadas entre as áreas da saúde, assistência social e justiça. “O uso de crack e outras substâncias químicas de ação psicotrópica é um transtorno mental passível de tratamento que depende de procedimentos integrados, médicos e humanitários. Não pode, assim, ser reduzido a uma ação policial intempestiva, que trata todos os cidadãos doentes como criminosos”, afirma em nota. O conselho ainda rechaça o que chama de “voluntarismo terapêutico e higienista”.

Documentário
Paula Ribas participou do documentário ‘Luz’, feito pela equipe espanhola Left Hand Rotation, ao lado da arquiteta e urbanista Simone Gatti e da urbanista, professora e relatora especial da ONU para direito à moradia, Raquel Rolnik. Assista clicando aqui:


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