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segunda-feira, 3 de março de 2014

Não é a recuperação econômica, é uma bolha – e vai estourar

2 Março, 2014

Estão a crescer nos EUA e no Reino Unido, os dois mais importantes mercados de valores do mundo, bolhas de proporções históricas que ameaçam criar outro crash financeiro


Nas Bolsas de Valores dos Estados Unidos e do Reino Unido estão a crescer bolhas de proporções históricas. Como os políticos não querem introduzir uma regulamentação estrita, caminhamos para novos problemas.
Por Ha-Joon Chang, The Guardian
 

Se olharmos para a Bolsa de Valores, a economia do Reino Unido está a atravessar um boom. Não qualquer velho boom, mas sim um boom histórico. Em 28 de outubro de 2013, o índice FTSE 100 chegou a 6.734 pontos, ultrapassando o nível atingindo no auge do boom económico anterior à crise financeira global de 2008 (que foi 6.730 pontos, registado em outubro de 2007).

Desde então, teve altos e baixos, mas em 21 de fevereiro de 2014 o FTSE subiu para um novo pico de 6.838 pontos. Neste ritmo, pode em breve ultrapassar o ponto mais alto jamais atingido desde que o índice começou em 1984 – que foi 6.930 pontos, registados em dezembro de 1999, nos tempos da bolha dotcom.

Os níveis atuais de preços das ações são extraordinários, considerando que a economia do Reino Unido ainda não recuperou o terreno perdido desde o crash de 2008; o rendimento per capita no Reino Unido de hoje ainda está abaixo do que era em 2007. E não nos esqueçamos que os preços das ações em 2007 estavam claramente no território de uma bolha de primeira grandeza.

A situação é ainda mais preocupante nos Estados Unidos. Em março de 2013, o índice Standard & Poor 500 da Bolsa de Valores atingiu o ponto mais alto de sempre, ultrapassando o pico de 2007 (que era superior ao registado durante o boom das dotcom), apesar do facto de o rendimento per capita do país ainda não ter recuperado ao nível de 2007. Desde então, o índice subiu cerca de 20%, apesar de o rendimento per capita dos EUA não ter crescido nem 2% no mesmo período. Isto configura sem dúvida a maior bolha no mercado de ações da história moderna.

Ainda mais extraordinário do que os preços inflacionados é o facto de que, ao contrário dos anteriores boom dos preços das ações, ninguém propõe hoje uma narrativa plausível que explique como se justificam os evidentemente insustentáveis preços das ações.

Durante a bolha dotcom, a opinião predominante era de que a nova tecnologia de informação estava à beira de revolucionar completamente, e para melhor, as nossas economias. Nesta situação, dizia-se, as bolsas continuariam a subir (possivelmente para sempre) e chegariam a níveis sem precedentes. O título do livro “Dow 36.000: A nova Estratégia de Lucro com a próxima subida na Bolsa de Valores”, publicado no outono de 1999 quando o índice Dow Jones não era sequer 10.000, resume muito bem o espírito do tempo.

Da mesma forma, no decorrer da crise de 2008, os preços inflacionados dos bens eram justificados em termos de supostos progressos da inovação financeira e das técnicas da economia política.

Disse-se que a inovação financeira – manifestada na sopa de letras de derivados e de produtos financeiros estruturados, tais como os MBS, CDO e CDS – tinha amplamente melhorado a capacidade dos mercados financeiros de “dar um preço” correto ao risco, eliminando a possibilidade de bolhas irracionais. Seguindo esta crença, no auge da bolha imobiliária dos EUA em 2005, tanto Alan Greenspan (o então presidente do Federal Reserve Board) quanto Ben Bernanke (então presidente do Conselho dos Conselheiros do presidente e mais tarde sucessor de Greenspan) negaram publicamente a existência de uma bolha imobiliária – talvez com a exceção de alguma “espuma” nalgumas poucas localidades, de acordo com Greenspan.

Na mesma altura, argumentava-se que uma melhor teoria económica – e portanto melhores técnicas de economia política – permitiriam aos decisores políticos alisar aquelas pequenas rugas que os próprios mercados não conseguiam eliminar. Robert Lucas, importante economista liberal e vencedor do Prémio Nobel da economia de 1995, orgulhosamente declarou em 2003 que “o problema de evitar a depressão foi resolvido”. Em 2004, Ben Bernanke (sim, ele de novo) dizia que, provavelmente graças a uma melhor teoria da política monetária, o mundo entrara na era de “grande moderação”, na qual ficaria minimizada a volatilidade dos preços e dos produtos.

Desta vez, ninguém está a adotar uma nova narrativa que justifique as novas bolhas porque, bem, não há qualquer história plausível. Estas histórias que são geradas para encorajar a subida do preços das ações ao próximo nível foram decididamente pouco ambiciosas em escala e efémeras em natureza: níveis de crescimento mais-altos-do-que-esperado ou número de empregos criados; previsões melhores-do-que-esperado no Japão, na China ou noutro lado qualquer; a chegada da “superpomba” Janet Yellen como nova presidente do Fed; ou qualquer coisa que possa sugerir que o mundo não vai acabar amanhã.

Poucos investidores acreditam nestas histórias. A maioria sabe que os níveis atuais de preços das ações são insustentáveis; diz-se que George Soros já começou a apostar contra o mercado bolsista dos Estados Unidos. Têm consciência de que os preços das ações estão altos principalmente devido ao enorme volume de dinheiro que esguicha por todo o lado graças ao Quantitative Easing (QE)1, não devido à força da economia real subjacente. É por isso que reagem tão nervosamente ao menor sinal de que o QE possa baixar numa escala significativa.

Contudo, os investidores fingem acreditar – ou mesmo têm de fingir acreditar – nestas fracas e efémeras histórias porque precisam delas para justificar (para eles e para os clientes) a permanência no mercado, dada a pequena retribuição em qualquer outro lado.

O resultado, infelizmente, é que estão a crescer nos EUA e no Reino Unido, os dois mais importantes mercados de valores do mundo, bolhas de proporções históricas que ameaçam criar outro crash financeiro. Uma forma óbvia de lidar com estas bolhas é retirar do sistema a excessiva liquidez que o está a inflacionar, através da combinação de uma política monetária mais apertada e de uma melhor regulação financeira que combata a especulação bolsista (tal como uma proibição do shorting2 ou restrições ao high-frequency trading3). O perigo, aqui, é evidentemente que estas políticas estourem a bolha e criem uma grande complicação.

A longo prazo, contudo, a melhor forma de lidar com estas bolhas é reanimar a economia real; apesar de tudo, o conceito de “bolha” é relativo e mesmo um preço muito alto pode ser justificado se se baseia numa economia forte. Para isso seria necessário um aumento mais sustentável do consumo, baseado mais no crescimento dos salários que nas dívidas, maiores investimentos que aumentem a capacidade produtiva da economia, e a introdução da regulação financeira que levará os bancos a dar mais crédito às empresas produtivas do que aos consumidores. Infelizmente, são exatamente estas coisas que os atuais decisores políticos nos EUA e no Reino Unido não querem fazer.

Estamos a caminho de complicações.
 
Publicado no The Guardian (24 de fevereiro de 2014).
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
Notas:
1 Quantitative Easing é a expressão anglo-saxónica para caracterizar uma política monetária ocasionalmente usada pelos bancos centrais e que pretende aumentar a quantidade de dinheiro em circulação na economia.
2 O shorting, ou short-selling é a prática de vender um ativo que não detém realmente, na esperança de que o preço desça e o possa comprar novamente no futuro a um preço mais baixo. Poderá então reter a diferença entre o preço a que vendeu os ativos e o preço mais baixo a que os comprou de volta.
 
3 High frequency trading (HFT) ou trading de alta frequência é a execução de estratégias de trading computorizadas caracterizada por um tempo de detenção do ativo extremamente curto. Em high frequency trading, um programa analisa os dados de mercado procurando oportunidades de muito curto prazo.

Fonte: Esquerda.net

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