Estão a crescer nos EUA e no
Reino Unido, os dois mais importantes mercados de valores do mundo, bolhas de
proporções históricas que ameaçam criar outro crash financeiro
Nas Bolsas de Valores dos
Estados Unidos e do Reino Unido estão a crescer bolhas de proporções
históricas. Como os políticos não querem introduzir uma regulamentação estrita,
caminhamos para novos problemas.
Por Ha-Joon Chang, The Guardian
Se olharmos para a Bolsa de
Valores, a economia do Reino Unido está a atravessar um boom. Não qualquer
velho boom, mas sim um boom histórico. Em 28 de outubro de 2013, o índice FTSE
100 chegou a 6.734 pontos, ultrapassando o nível atingindo no auge do boom
económico anterior à crise financeira global de 2008 (que foi 6.730 pontos,
registado em outubro de 2007).
Desde então, teve altos e
baixos, mas em 21 de fevereiro de 2014 o FTSE subiu para um novo pico de 6.838
pontos. Neste ritmo, pode em breve ultrapassar o ponto mais alto jamais
atingido desde que o índice começou em 1984 – que foi 6.930 pontos, registados
em dezembro de 1999, nos tempos da bolha dotcom.
Os níveis atuais de preços das
ações são extraordinários, considerando que a economia do Reino Unido ainda não
recuperou o terreno perdido desde o crash de 2008; o rendimento per capita no
Reino Unido de hoje ainda está abaixo do que era em 2007. E não nos esqueçamos
que os preços das ações em 2007 estavam claramente no território de uma bolha
de primeira grandeza.
A situação é ainda mais
preocupante nos Estados Unidos. Em março de 2013, o índice Standard & Poor
500 da Bolsa de Valores atingiu o ponto mais alto de sempre, ultrapassando o
pico de 2007 (que era superior ao registado durante o boom das dotcom), apesar
do facto de o rendimento per capita do país ainda não ter recuperado ao nível
de 2007. Desde então, o índice subiu cerca de 20%, apesar de o rendimento per
capita dos EUA não ter crescido nem 2% no mesmo período. Isto configura sem
dúvida a maior bolha no mercado de ações da história moderna.
Ainda mais extraordinário do
que os preços inflacionados é o facto de que, ao contrário dos anteriores boom
dos preços das ações, ninguém propõe hoje uma narrativa plausível que explique
como se justificam os evidentemente insustentáveis preços das ações.
Durante a bolha dotcom, a
opinião predominante era de que a nova tecnologia de informação estava à beira
de revolucionar completamente, e para melhor, as nossas economias. Nesta
situação, dizia-se, as bolsas continuariam a subir (possivelmente para sempre)
e chegariam a níveis sem precedentes. O título do livro “Dow 36.000: A nova
Estratégia de Lucro com a próxima subida na Bolsa de Valores”, publicado no
outono de 1999 quando o índice Dow Jones não era sequer 10.000, resume muito
bem o espírito do tempo.
Da mesma forma, no decorrer da
crise de 2008, os preços inflacionados dos bens eram justificados em termos de
supostos progressos da inovação financeira e das técnicas da economia política.
Disse-se que a inovação
financeira – manifestada na sopa de letras de derivados e de produtos
financeiros estruturados, tais como os MBS, CDO e CDS – tinha amplamente
melhorado a capacidade dos mercados financeiros de “dar um preço” correto ao
risco, eliminando a possibilidade de bolhas irracionais. Seguindo esta crença,
no auge da bolha imobiliária dos EUA em 2005, tanto Alan Greenspan (o então
presidente do Federal Reserve Board) quanto Ben Bernanke (então presidente do
Conselho dos Conselheiros do presidente e mais tarde sucessor de Greenspan)
negaram publicamente a existência de uma bolha imobiliária – talvez com a
exceção de alguma “espuma” nalgumas poucas localidades, de acordo com
Greenspan.
Na mesma altura, argumentava-se
que uma melhor teoria económica – e portanto melhores técnicas de economia
política – permitiriam aos decisores políticos alisar aquelas pequenas rugas
que os próprios mercados não conseguiam eliminar. Robert Lucas, importante
economista liberal e vencedor do Prémio Nobel da economia de 1995,
orgulhosamente declarou em 2003 que “o problema de evitar a depressão foi
resolvido”. Em 2004, Ben Bernanke (sim, ele de novo) dizia que, provavelmente
graças a uma melhor teoria da política monetária, o mundo entrara na era de
“grande moderação”, na qual ficaria minimizada a volatilidade dos preços e dos
produtos.
Desta vez, ninguém está a
adotar uma nova narrativa que justifique as novas bolhas porque, bem, não há
qualquer história plausível. Estas histórias que são geradas para encorajar a
subida do preços das ações ao próximo nível foram decididamente pouco
ambiciosas em escala e efémeras em natureza: níveis de crescimento
mais-altos-do-que-esperado ou número de empregos criados; previsões
melhores-do-que-esperado no Japão, na China ou noutro lado qualquer; a chegada
da “superpomba” Janet Yellen como nova presidente do Fed; ou qualquer coisa que
possa sugerir que o mundo não vai acabar amanhã.
Poucos investidores acreditam
nestas histórias. A maioria sabe que os níveis atuais de preços das ações são
insustentáveis; diz-se que George Soros já começou a apostar contra o mercado
bolsista dos Estados Unidos. Têm consciência de que os preços das ações estão
altos principalmente devido ao enorme volume de dinheiro que esguicha por todo
o lado graças ao Quantitative Easing (QE)1, não devido à força da economia real
subjacente. É por isso que reagem tão nervosamente ao menor sinal de que o QE
possa baixar numa escala significativa.
Contudo, os investidores fingem
acreditar – ou mesmo têm de fingir acreditar – nestas fracas e efémeras
histórias porque precisam delas para justificar (para eles e para os clientes)
a permanência no mercado, dada a pequena retribuição em qualquer outro lado.
O resultado, infelizmente, é
que estão a crescer nos EUA e no Reino Unido, os dois mais importantes mercados
de valores do mundo, bolhas de proporções históricas que ameaçam criar outro
crash financeiro. Uma forma óbvia de lidar com estas bolhas é retirar do
sistema a excessiva liquidez que o está a inflacionar, através da combinação de
uma política monetária mais apertada e de uma melhor regulação financeira que
combata a especulação bolsista (tal como uma proibição do shorting2 ou
restrições ao high-frequency trading3). O perigo, aqui, é evidentemente que
estas políticas estourem a bolha e criem uma grande complicação.
A longo prazo, contudo, a
melhor forma de lidar com estas bolhas é reanimar a economia real; apesar de
tudo, o conceito de “bolha” é relativo e mesmo um preço muito alto pode ser
justificado se se baseia numa economia forte. Para isso seria necessário um
aumento mais sustentável do consumo, baseado mais no crescimento dos salários
que nas dívidas, maiores investimentos que aumentem a capacidade produtiva da
economia, e a introdução da regulação financeira que levará os bancos a dar
mais crédito às empresas produtivas do que aos consumidores. Infelizmente, são
exatamente estas coisas que os atuais decisores políticos nos EUA e no Reino Unido
não querem fazer.
Estamos a caminho de
complicações.
Publicado no The Guardian (24 de fevereiro de 2014) .
Tradução de Luis Leiria para o Esquerda.net
Notas:
1 Quantitative Easing é a
expressão anglo-saxónica para caracterizar uma política monetária ocasionalmente
usada pelos bancos centrais e que pretende aumentar a quantidade de dinheiro em
circulação na economia.
2 O shorting, ou short-selling é
a prática de vender um ativo que não detém realmente, na esperança de que o
preço desça e o possa comprar novamente no futuro a um preço mais baixo. Poderá
então reter a diferença entre o preço a que vendeu os ativos e o preço mais
baixo a que os comprou de volta.
3 High frequency trading (HFT)
ou trading de alta frequência é a execução de estratégias de trading computorizadas
caracterizada por um tempo de detenção do ativo extremamente curto. Em high
frequency trading, um programa analisa os dados de mercado procurando
oportunidades de muito curto prazo.
Fonte: Esquerda.net
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