Estado brasileiro foi
questionado sobre o uso de uma lei que marcou a Ditadura Militar e que, hoje,
vem atropelando os direitos constitucionais, em especial de populações
indígenas
por Justiça Global
28/03/2014
Na semana em que o Brasil
lembra os 50 anos do golpe de 1964, o Estado brasileiro foi questionado
publicamente, nessa sexta-feira (28), na Comissão Interamericana de Direitos
Humanos (CIDH) da Organização dos Estados Americanos (OEA), em Washington
(EUA), sobre o uso de uma lei que marcou a Ditadura Militar e que, hoje, vem
atropelando os direitos constitucionais, em especial de populações indígenas e
tradicionais e os relativos ao meio ambiente para defender grandes interesses
econômicos.
Instados pelo governo e grandes
empresas, presidentes de tribunais vêm lançando mão da chamada “suspensão de
segurança”, pela qual podem suspender unilateralmente decisões de instâncias
inferiores diante de um suposto risco de “ocorrência de grave lesão à ordem, à
saúde, à segurança e à economia públicas”. Em resumo, esse instrumento permite
cassar decisões que esses presidentes julguem impertinentes, mesmo que elas não
façam mais do que aplicar a lei em vigor no país. A suspensão de segurança foi
usada, por exemplo, contra os direitos de comunidades afetadas pelas
hidrelétricas de Belo Monte (PA) e do Teles Pires (MT) e pela estrada de ferro
de Carajás (PA/MA).
O líder indígena Josias
Munduruku (MT), Alaíde Silva, morador de Buriticupu (MA), município atravessado
pela estrada de ferro de Carajás, e a juíza federal Célia Bernardes, da
Associação Juízes pela Democracia, são alguns dos membros de organizações não
governamentais e vítimas diretas da suspensão de segurança que estiveram na
comissão para denunciar esse instrumento como um entulho autoritário e uma ameaça
ao Estado de Direito no Brasil.
O pedido de audiência na OEA
foi feito pela Justiça Global, Justiça nos Trilhos, Associação Interamericana
para a Defesa do Meio Ambiente (AIDA), International Rivers, Terra de Direitos
e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos.
“Sofremos com as consequências
das barragens que estão sendo construídas em cinco de nossos rios”, lembrou
Josias Munduruku. “O Ministério Publico Federal apresentou uma ação na Justiça
para parar as obras no Tapajós, mas o governo derruba tudo, usando a Suspensão
de Segurança. As obras continuam. O governo não fez consulta previa aos
índios”, completou.
“Tudo isso está acontecendo com
a ausência do Estado e de seus órgãos públicos, que concedem licenças sem
respeitar as comunidades”, disse Alaíde Silva.
“Com seus critérios amplos e
subjetivos, a Suspensão de Segurança viola a Convenção Americana de Direitos
Humanos e acaba com qualquer possibilidade de efetividade das medidas judiciais
adequadas para a salvaguarda dos direitos humanos no sistema jurídico
brasileiro”, analisou, durante a audiência, Alexandre Sampaio, da Associação
Interamericana de Defesa Ambiental (Aida). “A Suspensão de Segurança está em
frontal violação dos direitos ao devido processo legal e acesso à justiça, em
desacordo com os artigos 8 e 25 da Convenção Americana”, concluiu.
“A suspensão de segurança é uma
grave permanência da Ditadura militar e impede que o Judiciário aja de forma
independente e imparcial”, critica Eduardo Baker, advogado da Justiça Global.
“Quando se trata de megaprojetos de desenvolvimento que estão diretamente
ligados à política estatal de crescimento econômico, o sistema judicial
brasileiro tem sido utilizado de maneira a não garantir, ou mesmo
desconsiderar, os direitos das populações afetadas” acrescenta.
Saiba mais sobre a Suspensão de
Segurança
A Suspensão de Segurança foi
criada no primeiro governo de Getúlio Vargas (1930-1945) e depois reformulada e
ampliada na ditadura militar (1964-1985). Entre seus usos mais notórios hoje,
está a suspensão de decisões dos tribunais sobre a ilegalidade de grandes
empreendimentos, como hidrelétricas, rodovias e portos. Ela foi usada também no
caso do complexo petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj), contra os
quilombolas da Restinga de Marambaia (RJ) e de Alcântara (MA) e na hidrelétrica
de Barra Grande (SC).
Artigos da Constituição e
tratados internacionais referendados pelo País têm sido descumpridos pelo uso
desse instrumento. Um dos mais importantes deles é a Convenção 169 da
Organização Internacional do Trabalho (OIT). De acordo com ela, qualquer medida
administrativa ou empreendimento que afete territórios indígenas e tradicionais
exige a consulta prévia, livre e informada às comunidades atingidas.
Fonte: Brasil de Fato
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