A urgente solidariedade ativa
aos lutadores e lutadoras do Assentamento Milton Santos é uma valiosa
oportunidade para que todos os que alardeamos lutar por um mundo melhor
explicitemos, na prática, o que queremos de nós mesmos.
por Lúcio Flávio de
Almeida
24 de janeiro de 2013
O assentamento Milton Santos é
resultado de uma luta legítima do ponto de vista de todos os que aspiram por uma sociedade livre do jugo
do capital; onde o direito à vida da maioria dos que nada têm exceto sua
própria força de trabalho não seja cotidianamente atropelado pelo processo de
acumulação capitalista, especialmente em tempos de desenfreada “financeirização”; um pais em que os
agronegocistas não sejam considerados heróis pelo simples fato de que, ao
exportarem commodities com generosa ajuda estatal, mesmo com imensos custos
socioambientais, proporcionam ao Estado divisas com as quais este assegura
igualmente generosa remuneração ao capital portador de juros, incluindo-se aí,
uma proporção extraordinária de capital fictício.
Neste sentido, a luta do
assentamento Milton Santos é legítima para os que querem transformar o mundo. E
também se trata de uma legitimidade muito mais ampla, que engloba todos os que
preferem um país mais justo, mais decente, menos desigual; um país onde
espertalhões engravatados não ganhem todas; um Brasil sem comandantes policiais
que ordenem chacinas sistemáticas e cheguem ao cúmulo de determinar
oficialmente que o foco da repressão incida sobre jovens negros e pardos, como
acabou de ocorrer em um bairro burguês e de alta classe média (isso que a
grande imprensa adora chamar de “nobre”) em Campinas, não muito longe do Milton
Santos.
Afinal, trata-se de um
assentamento constituído há mais de meia década, com a participação do próprio
governo federal; de um assentamento testado e aprovado, que produz – e muito
bem – toneladas de alimentos sem agrotóxicos, ao contrário das grandes
corporações nacionais e transnacionais que envenenam diariamente tudo o que
ingerimos. O assentamento Milton Santos sinaliza a possibilidade de um mundo
melhor, no qual trabalhadores e trabalhadoras vão além de políticas
assistenciais e procuram intervir na produção de seu próprio futuro. Neste
sentido, a luta do Milton Santos merece a atenção dos antineoliberais, dos
democratas, dos ambientalistas.
Faz-se aqui a mesma pergunta
tantas vezes formulada em relação a outras lutas sociais: por que tanta
intransigência – ao invés de estímulo – por parte de um governo que se propõe a
erradicar a pobreza, mas, a poucos dias de um possível massacre que, caso ocorra,
será carimbado por brilhantes justificativas jurídicas, não dá sinais de que
fará o que pode fazer para resolver a situação: desapropriar a área para fins
de interesse social?
As esquerdas brasileiras,
especialmente seu subconjunto anticapitalista, apresentam imensas dificuldades
para se unificarem em questões práticas. Permanecem incapazes de responder a um
grande potencial de novas lutas proletárias, subproletárias e de baixa classe
média – para nos restringirmos a estes segmentos das lutas populares. Desta forma, contraditoriamente, dão sua
parcela de contribuição para que somente sobrevivam as práticas coletivas dos dominados que estejam
sob a tutela mais ou menos explícita do Estado ou mesmo de certos governos.
Depois fica fácil teorizar que as lutas que predominam são marcadas pelo
corporativismo.
No momento em que escrevo estas
linhas, mulheres, homens e crianças do Assentamento Milton Santos, que já
ocuparam o prédio do INCRA, também ocupam o Instituto Lula. Vestem-se
pobremente, não portam armas, não depredam, não perdem a disciplina e têm plena
consciência da imensa complicação em que foram metidos por meio de um cipoal de
decisões que, embora pareçam absurdas, emanam todas do mesmo Estado
brasileiro. Depois de uma entrevista em
que o presidente do Instituo Lula foi, no mínimo, extremamente grosseiro e
anticidadão, os ocupantes fizeram uma belíssima assembleia, ainda mais bela
porque, apesar da análise acurada, preferiram nada concluir sem consultar os
assentados e assentadas que estavam no prédio do Incra ou no próprio Milton
Santos. Diante de pessoas que procuram
viver com dignidade e, portanto, não abrem mão de conduzir seus próprios
destinos em condições tão sombrias, nada opinei. Apenas manifestei rapidamente
minha solidariedade.
Muitos de nós não concordamos
com ambas as ocupações, especialmente a última. Todavia, é inegável que esta
foi o único modo de conseguirem mais visibilidade para uma trágica disjuntiva:
a capitulação em uma luta que não escolheram ou um confronto terrivelmente
desigual que pode terminar em martírio. Ora, esta situação nos afeta
profundamente, até porque nosso compromisso fundamental é com o povo pobre que
luta. Eis um ótimo momento para que o ex-presidente Lula, um dos mais
importantes líderes políticos da atualidade, supere seu desconforto e atenda a
quem o procura em uma sinuca de bico que ele mesmo ajudou a criar. Afinal, como
o próprio Lula afirma, e com razão, ninguém entende de povo melhor do que ele.
A urgente solidariedade ativa
aos lutadores e lutadoras do Assentamento Milton Santos é uma valiosa
oportunidade para que todos os que alardeamos lutar por um mundo melhor
explicitemos, na prática, o que queremos de nós mesmos.
Ciclos de lutas não duram para
sempre e o que está em jogo é incalculável do ponto de vista das
potencialidades civilizatórias de cuja escassez até a intelectualidade
conservadora se queixa.
É pegar ou largar. Ou o
possível vira impossível.
Fonte: Passa Palavra
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