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segunda-feira, 26 de março de 2012

Acampamento sofre despejo em Serrana (SP)

"Não houve violência física, mas a reintegração pretende também humilhar. É a violência do Estado, fazendo valer a força do capital e demonstrando o grau de comprometimento que ambos têm, sobretudo na atualidade."


Depois de 41 dias de resistência, 135 famílias do acampamento Alexandra Kollontai foram despejadas da área que ocupavam
Famílias recolhem objetos pessoais depois de
despejo. 
 Fotos: Frederico Daia Firmiano 

 Frederico Daia Firmiano e
Silvia Beatriz Adoue
de Serrana (SP), 26/03/2012

O dia 22 de março amanheceu tenso no acampamento Alexandra Kollontai, em Serrana (SP). Cerca de 10 viaturas, motocicletas, um caminhão com cem homens da tropa de choque, um caminhão do corpo de bombeiros, ambulância e viaturas da prefeitura municipal de Serrana, sob o comando do Major Mango, cercaram as 135 famílias organizadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), com objetivo de cumprir ordem de despejo dada pela juíza Andrea Schiavo. Essas famílias resistiam na área há 41 dias.

Nada nesta mão, nada nesta outra mão... eis uma reintegração

No dia 13 de fevereiro, dois dias depois da ocupação, os advogados da fazenda Martinópolis entraram com um pedido de reintegração de posse. Mas a juíza da comarca de Serrana, Andrea Schiavo, alegou que o valor das custas do processo era incompatível com o valor da área e que, por isso, deveria ser revisto. Diante disto, os proprietários da fazenda desistiram do processo que, em 7 de março, foi arquivado. Mas não se tratou de uma desistência pela disputa da área que, entre tantos outros processos, sofre um (n. 7863/86, que tramita no Primeiro Ofício da Fazenda Pública de Ribeirão Preto-SP) por sonegação de pagamento de ICMS, calculado em cerca de 300 milhões de reais. Tratou-se, pois, de uma estratégia jurídica e política. Assim como o prestidigitador distrai a atenção do público para uma mão, enquanto faz aparecer na outra a carta escondida na manga, a Justiça apareceu com uma ordem de despejo. A desistência da ação de reintegração de posse e seu arquivamento se deram em razão da conversão de um processo de interdito proibitório, n. 712/2010, em reintegração de posse, no dia 24 de fevereiro de 2012.
Este processo de interdito proibitório corria desde o ano de 2010. Seu último andamento havia sido em outubro de 2011 quando, então, ficou “adormecido”. Como os advogados não conseguiram que a reintegração de posse fosse dada rapidamente, voltaram as atenções para o processo. Então, no dia 24 de fevereiro de 2012, enquanto corria o processo, este interdito proibitório de 2010 se converteu em reintegração de posse. Assim, em 7 de março, os advogados desistiram da ação de reintegração que haviam pedido em 13 de fevereiro, pois o interdito proibitório de 2010 se converteu em ordem de despejo, podendo ser cumprido desde então. Assim, a reintegração de posse foi garantida graças a este processo antigo, de 2010.
Mas para além da dinâmica jurídica que o caso permite observar, algo chama a atenção: a postura e atuação da polícia. No processo de reintegração de 13 de fevereiro de 2012 (do qual os advogados já haviam desistido em 7 de março), há um ofício, de 14 de fevereiro, do Major Zanatto, da Polícia Militar de Ribeirão Preto, pedindo providências à juíza da comarca de Serrana quanto ao despejo das famílias acampadas na Fazenda Martinópolis. A sentença relativa ao despejo ainda não havia sido lavrada, nem neste, nem naquele processo de interdito proibitório de 2012 que, somente no dia 24 de fevereiro, se converteu em reintegração de posse.
No dia 1 de março, possivelmente já sabendo da decisão do dia 24 de fevereiro  - sobre a reversão do interdito proibitório de 2010 em reintegração de posse -, mas antes da decisão sobre o processo de reintegração de posse de 2012, o mesmo Major declarou ao jornal “A Gazeta de Ribeirão Preto” que faria a reintegração a qualquer momento. Aguardava apenas o comando direto do governador do Estado de São Paulo, Geraldo Alckmin, que não hesitou em ratificar a ordem. O que fica provado com o despejo do último dia 22 de março. Mas o fato mais relevante é que houve pressão do aparato policial sobre o Judiciário. E os motivos precisam ser questionados. E deveriam sê-lo inclusive pelo poder Judiciário!
O despejo foi conduzido pelo Major Mango, já velho conhecido pelas famílias do acampamento. As negociações tiveram momentos tensos, como quando o ônibus que trazia as crianças da escola foi impedido de passar pela barricada formada pelas viaturas da polícia militar. Isto causou muita preocupação entre acampados e acampadas.
Algumas ameaças vieram de fora do aparato policial. Seu Clóvis, um dos acampados, escutou de alguém, que não conseguiu identificar: “se houver outra invasão da fazenda Martinópolis, não será a polícia quem vai retirá-los”.

Ao som do pandeiro: “vamos voltar”

As famílias passaram todo o dia retirando seus pertences e desmontando seus barracos. Chegado o horário combinado, os policiais militares entraram para fazer a vistoria da área. Alguns acampados deixaram de recolher seus pertences, arriscando perdê-los, para retirar as bandeiras do MST que tremulavam em vários pontos do acampamento. “Nossa bandeira não vai ficar para esses cachorros do Estado pisarem em cima. Isso não vão fazer com a gente!”, disse Antonio Carlos, um acampado, quando foi retirar a bandeira que estava na portaria do acampamento.
Quando a portaria foi liberada, ouviu-se o som de um pandeiro, enquanto todos levavam pertences, bandeiras e tristezas. “Mas com a cabeça erguida, porque essa luta não acaba aqui, não”, como falou Dona Conceição. E ainda disse: “E se estão pensando que nós vamos desistir, estão muito enganados. Já ocupamos seis vezes. E se for preciso vamos ocupar sete, oito, nove, dez vezes”.
Não houve violência física, mas a reintegração pretende também humilhar. É a violência do Estado, fazendo valer a força do capital e demonstrando o grau de comprometimento que ambos têm, sobretudo na atualidade. 
Muitas famílias dormiram ao relento. E durante a noite veio a chuva, levando muitos pertences pessoais, mas também lavando a alma do acampamento para que no dia seguinte começasse a se reorganizar.
De manhã, todos esperavam que as máquinas e tratores mandados pela usina destruíssem aquilo que as famílias não conseguiram carregar, sobretudo bambus, lonas e materiais que usaram para construir seus barracos, suas casas. Incrivelmente, numa clara manifestação de solidariedade de classe, os trabalhadores que chegaram com as máquinas a serviço da usina não destruíram nada. Ao contrário, cuidaram para que tudo fosse preservado e para que as famílias reavisem os objetos necessários para a reconstrução de seus barracos.
Como disse Dona Conceição, a luta não acaba aí. O despejo não fez desaparecer os processos trabalhistas e por sonegação fiscal da fazenda Martinópolis e nem tirou a vontade do povo de lutar. Por isso, o acampamento se reconstrói, com a solidariedade de outros companheiros e outras companheiras, do campo e da cidade, dos assentamentos já conquistados pelo Movimento na região, como Moacir e Reginaldo que, todos os dias, depois que cuidam de suas roças, comparecem ao acampamento para contribuir com as famílias na construção de seus barracos. É a luta que junta o povo.

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