A crescente
epidemia do vírus ebola no continente africano, mais do que demonstrar a
fragilidade do sistema de saúde mundial, reforça as diferenças de classe
existentes no mundo. Basta responder a uma simples questão: por que o vírus que
causa a febre hemorrágica ebola, conhecido desde 1976 pelos cientistas, ainda
permanece matando milhares de pessoas, em surtos recorrentes na África?
O vírus foi descoberto em 27 de
junho de 1976, durante a primeira epidemia da doença, com dois focos simultâneos:
um em Nzara, no Sudão, e outro no norte do Congo. Com uma mortalidade de 90%, o
vírus também contamina e mata macacos, principal suspeito de ser o transmissor
para os humanos, através do consumo de sua carne pela população da região.
Na primeira epidemia, foram
registrados 284 casos com uma mortalidade de 50%. Em todos esses anos, o ebola
já fez mais de 3.000 vítimas (incluindo os números atuais) em 15 surtos
epidêmicos, sempre restritos ao continente africano. O último surto havia
acontecido em 2012, na República Democrática do Congo e em Uganda.
O mais novo surto, em curso,
teria sido notificado à Organização Mundial de Saúde (OMS) no início no mês de
março, a partir da Guiné. Acredita-se que o caso fonte (primeiro caso da
epidemia, ou caso zero) tenha sido o de um menino de dois anos, morador de um
vilarejo na Guiné, cuja morte foi registrada no dia 6 de dezembro do ano
passado.
Os dados mais recentes dão
conta de mais de 1.200 pessoas mortas (sendo a maior epidemia já registrada) e
outros milhares de pessoas contaminadas, incluindo um médico americano, Kent
Brantly, que prestava assistência voluntária aos doentes, e uma missionária
inglesa, Nancy Writebol. Estes últimos receberam assistência em seus países,
tendo feito uso de uma medicação experimental, ZMapp, evoluindo com melhora do
quadro e remissão da doença. No mesmo período, foi realizado um abaixo-assinado
para que dois missionários africanos fossem transportados à Inglaterra para
receberem a mesma droga experimental. A solicitação, porém, foi negada pelo
governo inglês e um dos missionários, uma freira do Congo, veio a falecer
alguns dias depois.
Pesquisadores americanos têm
tentado desenvolver vacinas contra o ebola, mas carecem de financiamento das
indústrias farmacêuticas. Segundo Peter Walsh, cientista que desenvolveu uma
vacina testada em macacos, apesar de a certeza da eficácia também em humanos as
pesquisas só não avançaram porque os testes são caros e não há quem os
financie. “As indústrias farmacêuticas não vão querer financiar um medicamento
para os africanos, pois é um público que não dá lucro”, afirmou em entrevista
ao site DW (www.dw.de). Na prática, significa que as pessoas estão morrendo por
não terem dinheiro para gerar lucros às indústrias de medicamentos.
“O governo dos EUA pagará pela
pesquisa de vacinas, especialmente naquelas contra ameaças terroristas – e o
ebola é uma ameaça de bioterrorismo”, afirmou Walsh.
Enquanto isso, os governos
africanos montaram uma enorme força-tarefa para garantir a quarentena em
regiões onde o vírus foi registrado. A tentativa de conter a transmissão do
vírus é mais preocupante do que o tratamento das vítimas. Uma reportagem
recente veiculada nas emissoras de televisão mostrou pessoas que vivem nessas
áreas em quarentena sem assistênca médica e sem possibilidade de buscar auxílio
em outro lugar. Os policiais e soldados de prontidão utilizam armas e bombas de
efeito moral para conter o fluxo dos moradores para outras regiões, mesmo os
que não apresentam sintomas da doença.
Em resumo: o governo fará de
tudo para evitar a transmissão da doença aos países desenvolvidos, mesmo que
isso custe o extermínio da população africana, e não gastará um centavo para
financiar medicamentos para tratar os doentes, a menos que atinjam a população
da Europa e dos EUA. Mais uma vez, a população pobre e marginalizada sofre e
continuará sofrendo com a ganância e a falta de compaixão capitalista.
Ludmila Outtes é especialista
em Saúde Coletiva
Fonte: A
Verdade
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