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terça-feira, 16 de dezembro de 2014

É impostura ideológica enxergar diferenças substantivas de projeto entre PT e PSDB

Por Valéria Nader e Gabriel Brito*

Mais de uma semana após o segundo turno, a poeira eleitoral começa a abaixar, mas os ânimos populares e o contexto político permanecem acirrados, neste que foi um dos mais tensos, disputados e divididos processos dos últimos anos. De volta à realidade, polêmicas e crises em diversas frentes são a nova tônica. Água, economia, mídia, reforma política e muitos outros assuntos seguem, inapelavelmente, na ordem do dia. Para tratar de um desses relevantes assuntos, o Correio da Cidadania entrevistou o economista Reinaldo Gonçalves, que foi implacável em sua análise das proposições econômicas dos candidatos.

“O debate refletiu exatamente a natureza dos candidatos, dos partidos, das alianças, dos programas e dos projetos: mediocridade histérica, tanto da Dilma quanto do Aécio. Fizeram pequenas referências a programas específicos, mas nenhum aprofundamento sobre questões mais fundamentais, como o modelo de desenvolvimento ou questões estruturais”, resumiu.

Dentro de tal contexto, Reinaldo ressalta que todas as discussões a respeito da política econômica do período vindouro encontram-se em franca defasagem ante o contexto mundial. “A independência do BC e as metas de inflação tiram a autonomia política, trazem o risco de inconsistências da macroeconomia e, aqui está o problema central, são uma proposta completamente atrasada e ineficaz do próprio ponto de vista técnico”.

Para o autor do livro Desenvolvimento às Avessas, analisar a dicotomia entre petistas e tucanos sob a ideia de que a vitória de Aécio “aprofundaria” o neoliberalismo brasileiro é uma “impostura ideológica”. “O projeto é exatamente o mesmo, que está levando ao apodrecimento do Brasil. O Brasil apodrece do ponto de vista econômico, social, político, institucional e ético. Por trás disso, está o modelo econômico que os governos vêm mantendo”, disparou.

A entrevista completa com Reinaldo Gonçalves pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como você viu a abordagem da economia do país nos debates eleitorais dos candidatos à presidência da República, especialmente aquele travado no segundo turno entre Dilma e Aécio?

Reinaldo Gonçalves: O debate refletiu exatamente a natureza dos candidatos, dos partidos, das alianças, dos programas e dos projetos: mediocridade histérica, tanto da Dilma quanto do Aécio. Fizeram pequenas referências a programas específicos, mas nenhum aprofundamento sobre assuntos mais fundamentais, como o modelo de desenvolvimento ou questões estruturais. Nada disso, nada de programa de governo. O debate refletiu a mediocridade entre todos os elementos políticos dos dois candidatos, que foram muito pobres.

Correio da Cidadania: O que diria sobre a dimensão que tomou o tema da independência do Banco Central? Qual o sentido da polêmica que se instaurou em torno ao tema e o que significaria, na prática, um Banco Central (BC) independente?

Reinaldo Gonçalves: Na prática, significa o BC ficar focado única e exclusivamente no combate à inflação. Essa é a ideia de autonomia do Banco Central. Claro que em países onde o BC é autônomo, como nos EUA, podem existir outros regimes monetários, deixando-se de focar somente no combate ou aumento da inflação. O foco pode ser dado na área monetária, na questão do emprego, do balanço de pagamentos etc.

Portanto, essa discussão no Brasil é atrasada. Desde 2008, o percentual de países que adotam o regime de metas de inflação, associado aos fundamentos do nosso Banco Central, tem caído: desceu de 22% para 17% dos países. Com a crise, os países procuram gerar graus de autonomia política. Assim, não dá pra amarrar a política monetária somente no combate à inflação, enquanto há problemas como juros altos, balanço de pagamentos e falta de crescimento.

Por isso que tal debate é atrasado no país, assim como é atrasado nosso debate sobre a política, inclusive a econômica. No Brasil, não faz sentido, principalmente por conta da forte estabilização macroeconômica, com baixos crescimento e investimentos, deficiências crônicas seríssimas e dificuldade com o balanço de pagamentos, se dar o luxo de pegar uma política tão importante como a monetária e ancorá-la somente no combate à inflação. Um país como o Brasil, por ser mais frágil, vulnerável e instável, precisa de mais autonomia política. Não faz sentido ancorar nenhuma política a um objetivo particular, porque condiciona toda a política macroeconômica.

A independência do BC e as metas de inflação tiram a autonomia política, trazem o risco de inconsistências da macroeconomia e, aqui está o problema central, são uma proposta completamente atrasada e ineficaz do próprio ponto de vista técnico.

Correio da Cidadania: Como definiria, nesse sentido, a condução da economia, bem como a gestão do Banco Central, sob o governo Dilma até o presente momento (inclusive à luz das anteriores gestões de Lula e também de FHC)?

Reinaldo Gonçalves: Medíocre. A macroeconomia brasileira nos anos de Dilma foi de grande mediocridade, tanto levando em conta os padrões históricos brasileiros como os atuais padrões internacionais. Por exemplo, Dilma encerra o mandato com crescimento médio do PIB de 1,6%. O mesmo número vale para o aumento real da renda anual. A média histórica brasileira é 4,5%. A economia mundial durante os últimos quatros anos está crescendo à ordem de 3,6%, mais que o dobro do Brasil.

Mais de 70% dos países têm um crescimento macroeconômico superior ao do Brasil. Para se ter ideia, em 30 mandatos presidenciais, a Dilma é o terceiro pior neste quesito, à frente somente de Collor e Venceslau Brás. Uma tragédia total.

Há várias explicações. Uma delas é o déficit de governança, ou seja, a incompetência do governo Dilma na gestão econômica. Falo de um resultado conclusivo, que não está aberto a controvérsias. Basta olhar as finanças públicas, o crescimento, as taxas de investimentos... A única exceção, que confirma a regra, é a questão do emprego, que não se explica por méritos políticos do atual governo, mas por razões de mudanças demográficas no país e efeitos colaterais, e inesperados, da política social.

Correio da Cidadania: O que sinalizam as medidas tomadas já nesta semana, como a alta da Taxa de Juros (a Selic), ao lado da sinalização de que o novo ministro da Fazenda será buscado no mercado financeiro? Como deve seguir o governo Dilma?

Reinaldo Gonçalves: Isso mostra que o governo Dilma não tem um projeto de Brasil. Ela fez o mesmo de Lula: seguir o Modelo Liberal-Periférico, iniciado por FHC e que já afundou. Junta o pior do liberalismo, deixa suas coisas boas de fora, e traz tudo que há de ruim nas periferias, inclusive o sistema político patrimonialista, corrupto, com sérios problemas de governança e resultados cada vez mais medíocres.

É o modelo que vai continuar, em uma trajetória de maus resultados e instabilidade na economia, o que certamente repercutirá na questão social, política e até institucional. Vale lembrar que há pouco tempo ninguém imaginava aqueles protestos populares, até generalizantes, contra os governos do Brasil inteiro.

Correio da Cidadania: A campanha petista acusou mídia, grandes empresários e mercado financeiro de fazerem terrorismo contra a candidatura Dilma - de fato, notou-se um movimento de alta na Bolsa de Valores quando os resultados das pesquisas eleitorais eram mais desfavoráveis à candidata e vice-versa. O que explica este fato, visto que as gestões petistas, Dilma entre elas, caminharam com altos lucros bancários e não inverteram a lógica dominante no modelo econômico implantado por FHC?

Reinaldo Gonçalves: Pura farsa. Desde a era Lula, o PT gira à esquerda na época das eleições. Quando vira governo, vai para a direita, como camaleão ambulante. A regra é essa: no momento da eleição, faz um giro para a esquerda; depois, um giro para a direita. Mas é uma farsa recorrente empreendida pelos dirigentes, que, nesse sentido, se apresentam no duelo eleitoral iludindo a maior parte do povo. E até a própria esquerda brasileira, por ingenuidade, inépcia ou pusilanimidade, acaba, na campanha, aderindo a essas candidaturas ecléticas do PT.

A dominação bancária aumentou com os governos Lula e Dilma. A taxa de lucros continua de 40% a 50% maior do que nas outras grandes empresas do país. Os ativos dos bancos continuam crescendo... É uma dominação muito presente. “Tudo bem” o discurso do governo na campanha eleitoral - é uma questão de farsa, de malandragem e má fé dos dirigentes de campanha. O curioso é ver certos setores acreditando nisso. É lamentável, e continua cada vez mais forte.

Correio da Cidadania: Portanto, é quase impossível comungar da ideia do ‘mal menor’ defendida pelo campo de esquerda mais progressista e diversos movimentos sociais, que apoiaram o voto crítico em Dilma sob o argumento de que um governo do PSDB aprofundaria ainda mais o neoliberalismo?

Reinaldo Gonçalves: Essa é uma bobagem muito grande. Quem aprofundou o Modelo Liberal-Periférico no Brasil foram os governos Lula e Dilma. Quando o governo faz todas as concessões, chama os chineses para participarem do pré-sal, rodovias, infraestrutura, portos, aeroportos, vemos o aprofundando de tal modelo. É farsa, má fé e uma impostura ideológica acreditar que há uma disputa de projetos entre um e outro, ou uma disputa ideológica propriamente.

O projeto de governo em andamento é o mesmo que vem desde a era FHC. As diferenças estão apenas na margem. Um pouco mais de política social aqui, acolá, com favorecimento de grupos econômicos de alguns setores dominantes, mas os fundamentos continuam iguais. Os setores que pautam os governos são os mesmos, as empreiteiras, o agronegócio, a turma da mineração...

Não mudou absolutamente nada. Lula e Dilma vêm implementando o Modelo Liberal-Periférico sob a égide dos mesmos setores. Não tem nenhuma mudança estrutural no país. As notícias da semana passada já demonstram isso: nenhuma mudança estrutural, apenas o aprofundamento deste modelo.

Portanto, é uma impostura ideológica enxergar diferenças substantivas de projetos entre PT e PSDB. O projeto é exatamente o mesmo, que está levando ao apodrecimento do Brasil. O Brasil apodrece do ponto de vista econômico, social, político, institucional e ético. Por trás disso, está o modelo econômico que os governos vêm mantendo.

A mensagem é essa: o Brasil apodrece com o Modelo Liberal-Periférico, produzido pelo governo de FHC e aprofundado por Lula e Dilma. A trajetória é medíocre, instável e de altos riscos de crise social, política e institucional. Os responsáveis estão aí, quem faz sua escolha traça o seu caminho.


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*Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Fonte: Correio da Cidadania, 04 de novembro de 2014.

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