Vitor Sion
São Paulo - 08/12/2014
Em "A Casa da Vovó",
jornalista Marcelo Godoy expõe funcionamento do DOI-CODI a partir de dezenas de
entrevistas com militares e documentos oficiais
Como parte da Operação Condor,
aliança político-militar entre os governos ditatoriais da América do Sul nos
anos 1970 e 1980, o regime militar brasileiro ofereceu treinamento de técnicas
de tortura em presos políticos a agentes argentinos, chilenos e uruguaios. A
informação é parte da pesquisa de dez anos do jornalista Marcelo Godoy, que
lança nesta semana o livro A Casa da Vovó - Uma Biografia do DOI-Codi
(1969-1991), o centro de sequestro, tortura e morte da ditadura militar
(Alameda, 612 págs., R$ 69).
No caso chileno, as práticas
viriam a ser usadas pela Dina (Departamento Nacional de Inteligência), segundo
entrevista feita pelo autor da obra com o “Agente Chico”, sargento do DOI entre
1970 e 1991, que não aceitou divulgar o seu nome verdadeiro.
"Eles vieram fazer o que
aqui?", perguntou o jornalista na entrevista com o agente. "Aprender
como é que se interrogava", responde o agente em trecho reproduzido na
página 492 do livro. "Só isso?", insiste Godoy. "Não
participaram de operação. Eles chegaram num dia, com aquelas fardas marrom. E
no outro dia vieram paisano e foram levados pro interrogatório. E olha como
pendura, [choque], e a técnica de bater pra falar. Eram três chilenos. Vieram
aprender a 'fazer' a Dina."
Agentes do Estado brasileiro à
espera de cerimônia para receberem a "Medalha do Pacificador", em
imagem da capa do livro. Arquivo Marcelo Godoy
A confirmação da vinda de
uruguaios e argentinos foi feita pelo sargento Marival Chaves, o “Doutor Raul”,
sargento do DOI de 1973 a 1977. Além de consultar diversos arquivos públicos e
de jornais da época, Godoy entrevistou 25 agentes do DOI-Codi, que impuseram
diferentes condições para falar: há entrevistados que permitiram a divulgação
do nome, outros que autorizaram a publicação após a própria morte, uma parte
liberou a publicação dos codinomes e, finalmente, alguns que falaram com a
condição de usarem nomes falsos.
Trechos das gravações das
entrevistas foram publicadas pelo jornal O Estado de S. Paulo no domingo
(7/12).
Entre as técnicas exibidas aos
chilenos, que passaram dois dias no DOI (Destacamento de Operações de
Informações) em 1974 estão o pau-de-arara, as máquinas de choques e a pica de
boi, uma espécie de chicote. Antes da vinda de chilenos a São Paulo, um dos
chefes do DOI, o capitão do Exército Ênio Pimentel da Silveira, conhecido no
departamento como Doutor Ney, já havia viajado a Santiago para orientar colegas
locais e “caçar brasileiros” no país, de acordo com o livro.
A obra de Godoy será lançada na
próxima sexta-feira (13/12), às 14 horas, em sessão especial da Comissão da
Verdade do Estado de São Paulo Rubens Paiva.
A colaboração da ditadura
brasileira com militares chilenos era anterior ao golpe de Estado realizado em
Santiago, em 1973, conforme revelou reportagem de Opera Mundi de fevereiro deste
ano. Sete anos antes da chegada de Augusto Pinochet ao poder, em 1966, o
chanceler Juracy Magalhães foi ao Chile e, em reunião com seu homólogo Gabriel
Valdés, disse que o hemisfério deveria “agir em benefício do Chile” se Salvador
Allende fosse eleito. Como resposta, Valdés disse que as Forças Armadas
chilenas já organizavam um plano para tirar os esquerdistas da Presidência.
Fonte: Operamundi
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