Jimmy Wales, co-fundador da Wikipedia. Nascida por acaso, ela alimenta-se da contribuição voluntária de milhões de apoiadores e tem sistema sofisticado para dirimir divergências entre 80 mil editores
Como surgiu, e é gerida, obra coletiva
consultada por 500 milhões ao dia, mantida sem lucro e alimentada pelo desejo
humano de compartilhar conhecimentos
por Thiago Domenici,
no Retrato do Brasil
Mil volumes com cerca 1,2 mil páginas
cada, capa dura e texto em preto sobre papel branco. Seria assim a versão
impressa da Wikipédia, a maior enciclopédia digital do mundo, se uma campanha
de crowdfunding (espécie de “vaquinha virtual”) arrecadasse 50 mil dólares (120
mil reais, aproximadamente). O montante era o necessário para imprimir os 4,3
milhões de artigos da versão do site em inglês, mas a campanha acabou
malsucedida no final do mês passado e obteve apenas 25% daquele total. A
iniciativa partiu da PediaPress, parceira oficial da Wikimedia Foundation Inc.,
instituição sem fins lucrativos com sede em São Francisco (EUA), responsável
pela Wikipédia e outros projetos. No vídeo da campanha, um dos argumentos
sugere que os mil volumes estariam desatualizados tão logo fossem publicados.
Então, para que o esforço? Justamente porque transformar a Wikipédia num
produto físico seria a melhor maneira de compreender suas dimensões.
Ao longo dos séculos, seja nos 37 volumes
da História Natural, de Plínio, o Velho, filósofo e naturalista que viveu no
primeiro século da era cristã na biblioteca de Alexandria, fundada no início do
século III a.C, até a Encyclopédie, surgida do projeto iluminista conduzido na
França do século XIII por Denis Diderot e Jean d’Alembert, o homem sempre
ambicionou reunir a totalidade do conhecimento humano. E quem melhor encarnou
essa pretensão de descrever o estado atual do conhecimento foram as
enciclopédias, termo que surgiu da expressão grega enkylios paideia (educação
circular).
O fracasso da “Wikipédia impressa” parece
estar ligado a mudanças de hábitos geradas a partir da massificação do uso da
internet e do computador. Além disso, o alto custo de produção das
enciclopédias impressas e as baixas vendas demonstraram que o antigo modelo de
negócio já não era viável.
A história da Wikipédia se desenha a
partir de 1995, quando o americano Ward Cunningham criou um software conhecido
como WikiWikiWeb – a palavra wiki, no idioma havaiano, significa “super-rápido”.
Cunningham queria um sistema que facilitasse a condução e a documentação de
grandes projetos de informática. E os wikis permitiam uma edição coletiva dos
textos a qualquer dia e hora, sem estabelecer limites entre autor e leitor.
Seis anos mais tarde, surgiria a Wikipédia, época em que o mercado contava com
a tradicional Encyclopædia Britannica e a enciclopédia Microsoft Encarta.
A Encarta, lançada em 1993 pela empresa
de Bill Gates, fora inicialmente vendida apenas em CD-ROM e teve uma versão
on-line a partir de 2005. Em 2009, a Encarta fechou as portas sob a alegação de
que “as pessoas hoje em dia buscam e consomem informação em consideráveis e
diferentes maneiras do que há alguns anos”. Três anos depois da Encarta, foi a
vez da Britannica, herdeira da Encyclopédie francesa, com 244 anos de história,
anunciar o fim da sua edição em papel. Segundo seu presidente, Jorge Cauz, o
fim soou como um “ritual de iniciação à nova era”. Os pesados volumes da
enciclopédia Britannica, com suas letras douradas na lombada, foram um objeto
quase básico nas famílias britânicas e americanas desde meados do século XX,
quando centenas de vendedores ambulantes as ofereciam de porta em porta. O auge
de vendas ocorreu nas décadas de 1970 e 1980, quando, por exemplo, antes do
boom da internet, as vendas atingiram 120 mil unidades em 1989 só nos EUA.
A primeira edição da Britannica (1784)
foi produzida na Escócia, em Edimburgo, e tinha 2,7 mil páginas. Era dividida
em três volumes e contou com artigos de Benjamin Franklin e John Locke. A
edição de 1889, considerada uma das melhores de todos os tempos, teve
participação de Charles Darwin e Karl Marx. Agora, disponível somente na
internet, a Britannica mantém atualização constante dos verbetes e, além de oferecer
parte do conteúdo gratuitamente, possibilita a assinatura online para os
usuários acessarem o conteúdo completo em diferentes plataformas digitais. A
Britannica era impressa a cada dois anos e sua última edição no formato antigo
circulou com 32 volumes e custava 1,4 mil dólares (aproximadamente 3,2 mil
reais). Nela, havia atualizações sobre o projeto do Genoma Humano e a questão
do aquecimento global. As 4 mil unidades restantes no estoque esgotaram-se em
menos de três semanas, resultado da comoção de muitos com o anúncio do seu fim
em papel. No Twitter, em tom de reconciliação amorosa, uma pessoa escreveu:
“Sinto muito não ter sido fiel a você, Encyclopædia Britannica. A Wikipédia
estava ali, à mão, mas não significou nada. Por favor, volte!”.
Em artigo publicado no ano passado, Cauz
fez um balanço de todo o processo. Para ele, o fim da edição em papel começou
muito antes da Wikipédia. “O modelo de vendas começou a ruir em 1991, quando o
público tinha menos tempo e paciência para atender um vendedor na porta de casa
e quando computadores começaram a vir com leitor de CD-ROM (…) Foi uma jogada
brilhante da Microsoft [dona da Encarta] e algo muito prejudicial para a
Britannica.” O sucesso da Wikipédia, diz Cauz, reforçou a decisão da Britannica
de pôr fim ao papel – responsável por 1% do faturamento da empresa. “Assim como
muitas inovações de ruptura, a Wikipédia tinha qualidade inferior: se fosse um
vídeo, seria granulado e fora de foco. Mas o público não estava nem aí, pois a
Wikipédia tem um número imenso de verbetes, é fácil de usar e é grátis. Não
poderíamos competir em quantidade ou preço. Achávamos que o consumidor preferia
nosso material de referência? Sim. Achávamos que estava disposto a pagar por
isso? Não necessariamente.” Segundo Cauz, a Britannica mantém hoje 500 mil
assinantes on-line.
No Brasil, a versão em português da
Britannica foi publicada pela primeira vez em 1963, com o nome de Enciclopédia
Barsa. No corpo editorial estavam Jorge Amado, Antônio Calado e Oscar Niemeyer,
entre outros intelectuais brasileiros. Todos escreveram textos para aquela
primeira edição, cuja leva inicial, de 45 mil exemplares, esgotou-se em oito
meses. Em 2005, a Barsa foi comprada pelo grupo editorial espanhol Barsa
Planeta. E, curiosamente, ao contrário de sua progenitora, a Barsa mantém ativa
sua edição em papel, além de oferecer a versão online do produto.
“Estrategicamente, o modelo de negócios da empresa para comercialização dos
nossos programas educativos e enciclopédias evoluiu em todos os aspectos”,
informou Mauricio Gregorio, presidente corporativo do Grupo Planeta Brasil, a
Retrato do Brasil.
Quem adquire a Barsa precisa reservar um
bom espaço na estante para acomodar suas cerca de 10 mil páginas organizadas em
18 volumes. Acompanhada de um CD-ROM, ela custa 3 mil reais em média (preço que
varia conforme o modelo de capa escolhido). Em 2012, 70 mil unidades foram vendidas. Indagado
sobre a “concorrência” da Wikipédia, Gregorio diz que o maior atrativo da Barsa
é a “credibilidade do conteúdo e a confiabilidade dos mais de 160 mil verbetes
oferecidos”. “Não competimos com portais genéricos de informação.”
Genérica ou não, a Wikipédia surgiu de
uma tentativa de fazer dar certo a Nupedia, o “projeto-anjo” dos americanos
Jimmy Wales, especialista em finanças, e Larry Sanger, então estudante de
filosofia. A dupla desejava criar uma enciclopédia gratuita e online na qual os
artigos seriam escritos por especialistas e com rígido processo de revisão. Por
conta da lentidão na produção, a dupla de criadores introduziu o wiki de
Cunningham num site paralelo, que serviria de suporte para acelerar a dinâmica da
Nupedia. Para surpresa geral, a Wikipédia (nome cunhado por Sanger) superou a
Nupedia em tamanho e acessos em pouco tempo, criando desde cedo uma pequena
comunidade de editores constantes – hoje há mais de 80 mil deles ativos no
mundo. Em comparação, em três anos a Nupedia conseguiu publicar somente 24
artigos, enquanto a Wikipédia publicou mais de 20 mil.
Atrás de Facebook, Google, YouTube e
Yahoo!, a enciclopédia livre é o quinto site mais acessado do mundo, com
impressionantes 500 milhões de acessos diários. Suas características
modificaram a forma de se compartilhar conhecimento gratuito na web, já que
cada tópico de diferentes temas é editado pelos próprios internautas – cada um
agregando mais informações a respeito de um mesmo assunto. Evidentemente, o
site mantém um “controle de qualidade”, classificando, por exemplo, um artigo
como pendente de fontes ou alertando quando as informações são parciais demais.
Publicada em 288 línguas diferentes, a Wikipédia possui hoje mais de 30 milhões
de artigos.
No caso lusófono – que inclui o Brasil –
são mais de 800 mil artigos. “A Wikipédia é fruto de um esforço enorme de um
grande número de pessoas”, diz Carlos d’Andréa, professor do Departamento de
Comunicação Social da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), que defendeu
há três anos tese de doutorado sobre o site. “É um projeto que, em tese, tinha
tudo para dar errado. Ter alcançado tamanha amplitude e visibilidade não é
pouca coisa. Tem problemas? Sim, muitos. Virtudes? Várias também. É uma fonte
de informação a ser usada com cuidado – como qualquer outra fonte, em sua
peculiaridade, também deve ser vista com alguma reserva.”
Henry Jenkins, um dos principais
pensadores do impacto das novas tecnologias no mundo, autor do livro Cultura da
convergência (Editora Aleph, 2008), diz a RB que a Wikipédia tem muitas
vantagens em relação às enciclopédias tradicionais por conseguir ser mais
inclusiva. “Ela pode ser muito mais atual ao dar respostas a eventos que estão
acontecendo agora, mudando as informações disponíveis”, explica o professor de
comunicação. “Nós podemos ver de onde veio a informação e revisar os processos
de forma que a comunidade decida a qualidade daquela informação. O sistema
permite que perspectivas diferentes possam coexistir em vez de serem resolvidas
por um ‘especialista’. Tudo isso proporciona uma relação diferente entre o
público e a informação compartilhada por uma sociedade.”
Mesmo considerando a Wikipédia um dos
“maiores feitos da humanidade na era digital”, Jenkins constata que ela não é
homogênea. “A abrangência dos tópicos não é tão diversificada quanto muitos de
nós gostaríamos e a exigência de a informação ter sido publicada previamente,
nesse caso, faz com que a Wikipédia acabe reproduzindo as lacunas da grande
mídia. Há uma parcialidade sistêmica nos que participam desse processo, cujas
verdades acabam reproduzidas. O leitor precisa se manter atento ao ler uma
entrada, assim como deveria estar atento ao ler qualquer coisa.”
Segundo a tese de D’Andréa, as críticas
mais frequentes à Wikipédia relacionam-se à credibilidade da informação em um
ambiente em que qualquer pessoa pode alterá-la. Para ele, se encararmos a
Wikipédia como um fluxo e não um produto final, “é fundamental reconhecer que
ela nunca está pronta e, portanto, não é possível ler seus artigos como uma
verdade”. Em resposta aoscríticos mais vorazes, sua tese cita estudo publicado
pela revista científica Nature há oito anos que avaliou a precisão de 42
verbetes de ciência da Wikipédia em inglês com os verbetes correspondentes da
Britannica. Houve quatro erros graves de cada lado e a Britannica teve pouco
menos erros factuais que a Wikipédia (123 a 162).
Para preservar a isenção dos artigos, a
Wikipédia não tem anunciantes e sua receita vem, basicamente, de doações
coletivas. É o único dos dez sites mais acessados do mundo que mantém uma
proposta sem fins lucrativos. Hoje há mais de 2 milhões de doadores ao redor do
mundo. Em uma campanha de 2011, por exemplo, mais de 1 milhão de voluntários
doaram um total de 20 milhões de dólares. A sede, em São Francisco, tem pouco
mais de 130 funcionários para manter todos os “projetos Wiki” em andamento. “O
aspecto mais importante do modelo sem fins lucrativos é possibilitar que o
projeto se mantenha focado no que nossa comunidade de editores voluntários mais
valoriza: a capacidade de se manter neutro e distante de quaisquer fatores que
poderiam influenciar a objetividade e a neutralidade da Wikipédia e de seus
projetos irmãos”, explica o canadense Jay Walsh, consultor de comunicação e relações
públicas do Wikimedia Foundation Inc.
Mas como é possível que uma enciclopédia
escrita e editada por voluntários funcione? Segundo D’Andréa, o modelo de
funcionamento da Wikipédia significa uma ruptura com o de produção editorial
baseado em rotinas industriais estabelecidas a partir dos suportes impressos.
Em geral, as enciclopédias são produzidas por uma equipe de “editores” junto
com os “colaboradores especialistas”, e a expertise no assunto sempre foi um
pré-requisito. No funcionamento da Wikipédia, o modelo é outro, baseado no
“publique, depois filtre”. Nesse sentindo, a Wikipédia é um projeto fora da
curva por evidenciar o quanto as pessoas se acostumaram ao primeiro modelo,
aquele em que a produção de textos é centrada na figura de um autor e voltada
para suportes que dificultam modificações após sua publicação.
Os artigos devem conter informações
verificáveis, ou seja, não se pode opinar e deve constar somente o que já foi
publicado em fontes consideradas confiáveis pela comunidade. É comum, por
exemplo, ver em muitos artigos a própria Britannica ser indicada como fonte.
Sua estrutura básica é a seguinte: além dos leitores – o sujeito que visita o
site para se informar – existem os editores. Nesse “cargo”, para alterar
qualquer informação, é preciso clicar na aba “Editar” presente em qualquer
artigo. A alteração no texto é publicada e essa passa a
ser a versão válida até que seja novamente mexida. Acima dos editores ficam
os “administradores”, eleitos ou indicados por outros
editores por causa da frequência e da qualidade de suas colaborações. Acima
deles estão os “burocratas”, os chefes dos administradores (são quatro no
Brasil). Acima de todos fica o steward – o juiz da Wikipédia –, corpo composto
por 38 usuários encarregados de dirimir conflitos, por exemplo, entre
burocratas e administradores.
Para intervir no site, um editor pode ou
não se cadastrar. Se o fizer, torna-se um “wikipedista” e tem suas
contribuições ligadas a seu perfil. Em 2012, por exemplo, o americano Justin
Knapp, 30 anos, que escreve na enciclopédia sob o apelido de “koavf”, bateu um
recorde ao ser reconhecido como o primeiro usuário a realizar 1 milhão de
edições.Voluntário desde março de 2005, Knapp é formado em filosofia e ciência
política pela Universidade de Indiana, mas procura conciliar o diploma com
outras formas de trabalho, como entregador de pizzas, por exemplo. A
contribuição para a enciclopédia virtual começou com edições anônimas, que hoje
chegam a cerca de 385 por dia. Política, religião, filosofia e cultura popular
são alguns dos temas mais abordados em seus artigos.
Editores não cadastrados são
identificados pelo Internet Protocol (IP) atribuído ao computador naquela
conexão. Sem exceção, todas as edições realizadas nos artigos são registradas na página “Histórico” – na qual é possível
comparar versões, identificar o autor da edição, data, horário e comentários. A
busca pelo consenso durante a edição contínua dos artigos da Wikipédia
ocasiona, em inúmeros casos,
disputas e conflitos, que são
as chamadas “guerras de edições”.
A Wikipédia possibilita resgatar qualquer
versão do artigo, principalmente em casos de edições feitas de má-fé, chamadas
de “vandalismo”. Segundo D’Andrea, dois tipos de vandalismo são reconhecidos
pelo projeto: o “furtivo” e o “explícito”. No primeiro caso, o
usuário acrescenta informações incorretas ou adiciona imagens
consideradas indecentes ou impróprias. Já o vandalismo explícito ocorre
quando um editor “diverte-se em
repetitivamente apagar conteúdo de páginas, em trocar informações corretas por erradas, em inserir termos de baixo calão
ou ofensivos ao projeto ou, ainda, aos contribuintes do projeto”, mesmo após ter sido avisado por outro
editor.
Recentemente, quando da morte do ator
José Wilker, uma amiga do repórter postou atônita em seu Facebook um vandalismo
do tipo “explícito”: “Nossa, fui ver que história é essa do José Wilker ter
morrido e entrei no Wikipédia e lá estava ‘José Wilker faleceu no dia 5 de
abril de 2014, aos 66 anos, vítima de infarto e deixou todo o seu dinheiro para
a caridade e para pagar a conta de luz do Vasco’… hein? Entrei de novo e a
história do Vasco já não estava mais…”
A rápida remoção do conteúdo impróprio
pode ter sido realizada por ação humana (editor ou administrador) ou pelos
robôs algorítimos da Wikipédia, como, por exemplo, o Salebot, software criado
para fazer intervenções automáticas quando encontrar expressões suspeitas. O
Salebot já fez mais de 180 mil interferências em verbetes da Wikipédia
lusófona.
Segundo artigo publicado pela revista
mensal Piauí sobre o assunto, o wikipedista tem ainda a possibilidade de vigiar
um artigo de seu interesse. Nesse caso, ele é notificado sempre que o verbete
selecionado passar por alguma alteração. “O artigo de Lula é vigiado por 170
usuários. O de Dilma Rousseff, por 112. O de José Serra, por 94. E o de
Fernando Haddad, por menos de 30”, diz o texto. Em outro caso, quando da morte,
em março de 2009, do maestro francês Maurice Jarre, um estudante irlandês
decidiu fazer o que ele mais tarde chamou de um “experimento social”. Na
biografia do músico, atribuiu-lhe uma frase fantasiosa: “Quando eu morrer, vai
haver uma valsa final tocando na minha cabeça que apenas eu poderei ouvir”. A
frase foi lembrada no obituário de Jarre publicado por jornais respeitáveis,
como The Guardian e The Independent.
Jenkins diz que a força do projeto está
justamente nesse processo mais livre e sem fim. “Talvez o que eu mais admire
seja o esforço de articular um conjunto compartilhado de normas éticas sobre o
significado de participar do projeto, normas que são debatidas, mas que
determinam em grande medida como a informação é coletada, avaliada e postada no
site.” A Encyclopédie francesa levou mais de duas décadas para ficar pronta.
Aos 13 anos, produzida a todo instante por pessoas de graus diversos de
conhecimento, a Wikipédia pode ser vista como uma enciclopédia viva – e,
portanto, imperfeita e encantadora como todo ser dessa natureza. A afirmação de
Wales, um de seus fundadores, de que é “impossível imaginar a internet sem
colaboração”, reflete esse espírito wikipedista, que refuta a ideia de que a
fonte do conhecimento tem de ser controlada.
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AFOGADOS EM BITS
Em 1986, se toda a informação acumulada
fosse colocada em CDs e distribuída aos seres humanos, cada um receberia apenas
um. Vinte e um anos depois, seriam necessários 61
Martin Hilbert, professor doutor em
comunicação e economia da Universidade do Sul da Califórnia, pesquisador do
papel da informação, conversou com RB sobre o estudo que publicou na revista
científica Science em 2011, no qual contabilizou com outra colega a quantidade
de dados armazenados, transmitidos e processados por todos os dispositivos –
analógicos e digitais – usados entre 1986 e 2007. O estudo revela que, em 2007,
a humanidade foi capaz de armazenar 295 trilhões de megabytes comprimidos,
comunicar quase dois quadrilhões de megabytese carregar 6,4 x 1018 instruções
por segundo em computadores. Um megabyteé o equivalente a 8 milhões de bits, a
menor unidade para medir informação. Hoje, diz o estudo, somente 0,007% da
informação do planeta está em papel.
A pesquisa também mostra a diferença de
capacidade dos dispositivos tecnológicos antes e depois da revolução digital.
Em 1986, quando apenas 0,8% dos suportes usados era digital, o armazenamento
possível de informações era de apenas 2,6 trilhões de megabytes. Se essa
informação fosse gravada em CD-ROMs (com capacidade de 700 megabytes cada um) e
estes fossem distribuídos para a população de todo o planeta, cada habitante
não precisaria nem sequer de um CD inteiro. Já para gravar a quantidade de
bytes que conseguimos armazenar em 2007, seriam necessários 404 bilhões de
CD-ROMs, o que daria 61 por habitante. Empilhados, eles ultrapassariam a
distância entre a Terra e a Lua.
“A quantidade de informação tem crescido
exponencialmente”, diz Hilbert. “Na verdade, ela sempre cresceu mais rápido do
que nossas habilidades cognitivas. A era digital nos trouxe muitos alertas no
sentido de que temos de ser mais humildes, diante de nossa limitada cognição do
real. E a Wikipédia é um bom exemplo do que os sociólogos chamam de ‘construção
social da realidade’.”
Fonte: Outras
Palavras