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sexta-feira, 26 de dezembro de 2014

A fadiga do lulismo, o reformismo impotente

Por Valerio Arcary*
19 DE DEZEMBRO DE 2014
 
“Conheces o marinheiro, quando vem a tempestade”
Sabedoria popular portuguesa
 
“Mais vale ficar vermelho cinco minutos, que amarelo toda a vida”
Sabedoria popular brasileira
  
Eis a questão metodológica central em uma análise marxista: a análise da transformação na correlação de forças social deve orientar a interpretação da mudança nas relações de força eleitorais, e não o contrário.
A correlação de forças não evoluiu, desfavoravelmente, para a classe trabalhadora e os seus aliados depois de junho, embora o resultado das eleições, mesmo com a reeleição de Dilma, tenha sido um castigo para o PT. O reformismo anêmico quase foi derrotado. Confundir os dois processos só pode conduzir a conclusões unilaterais, como aquela que insiste na versão da “onda conservadora”.
A crise do lulismo está revelando um descontentamento crescente de parcelas cada vez mais amplas da classe trabalhadora com os governos de coalizão. A decadência do PT poderá evoluir para uma ruína de toda a esquerda? Sim, pode. Mas está colocada, também, outra possibilidade, muito menos pessimista. A fadiga de frações do proletariado com os limites do lulismo pode favorecer a reorganização da oposição de esquerda.
 
Uma mudança na relação de forças entre as classes
 
Esta mudança nas relações de força tem muitas refrações diferentes, e com peso social diverso: maior divisão burguesa sob a pressão da desaceleração econômica, com frações reposicionando-se por um ajuste fiscal severo, enquanto outras insistem na defesa de um papel regulador mais forte do Estado para defesa da indústria; fortes deslocamentos das classes médias que tendem à polarização, tanto à direita como à esquerda, com o enfraquecimento das posições mais moderadas ao centro; gigantesco desgaste institucional provocado por escândalos de dimensões bíblicas; um relançamento de ativismo sindical que vinha de 2012 e, segundo o DIEESE, se manteve com o maior número de greves desde os anos 1980; um aumento de escala na capacidade de impacto de ocupações de movimentos populares; um relançamento com base de massas ampliada do movimento de mulheres etc.
 
Uma mudança na relação de forças eleitorais
Já em termos eleitorais, se compararmos o mapa eleitoral de 1989 com o de 2014, a votação do PT se inverte: desta vez o PT perde em 15 das 27 capitais do país e na maioria das grandes e médias cidades, incluindo importantes cidades operárias. O PT perdeu em todas as capitais do Sul: Porto Alegre, Florianópolis e Curitiba. Perdeu em quase todas do Sudeste. Ganhou raspando no Rio (50,79% - PT/ 49,21% - PSDB) e perdeu em São Paulo; Belo Horizonte, Vitória. Perdeu nas capitais do Centro-Oeste: Brasília, Goiânia, Cuiabá, Campo Grande. No Norte, perdeu em Belém, Rio Branco, Porto Velho, Palmas e Boa Vista. Em São Paulo, o PT perdeu não apenas na capital, mas também na maioria das grandes cidades, como Campinas, Santos e São José dos Campos e também no antes chamado cinturão vermelho, ou seja, em quase toda a Grande São Paulo (Santo André, São Bernardo, Guarulhos, Osasco). O PT ganhou em todas as capitais do Nordeste e também cidades importantes do Rio, como na Baixada Fluminense (Caxias e Nova Iguaçu) e São Gonçalo. Mas, no resultado geral, o PT ganhou nas cidades menores: 2.528 municípios dos 3.879 com até 15 mil eleitores. Também ganhou nos municípios pequenos (entre 15 e 75 mil eleitores) – 882 dos 1.418. E perdeu em 100 das 179 cidades médias com mais de 75 mil eleitores, em 46 das 77 cidades entre 200 mil e 900 mil eleitores; e em 7 das 12 maiores cidades do Brasil.
 
Junho de 2013 é a chave para uma interpretação marxista
 
Qual deve ser a principal conclusão da conquista, muito apertada, de um quarto mandato pelo PT? É possível discernir um vínculo entre junho de 2013 e outubro de 2014? Junho desafiou a estabilidade político-social ao colocar nas ruas milhões de jovens, pela primeira vez nos últimos doze anos, e isso foi grandioso.
Mesmo se avaliada a intervenção manipuladora dos meios de comunicação. Mesmo quando considerada a ação de provocadores de extrema-direita. Mesmo que ponderada a ação ultra-esquerdista dos black blocks. As aspirações democráticas (denúncia do papel repressivo da polícia e denúncia da corrupção) e a reivindicação de direitos sociais como a educação, a saúde e o transporte públicos eram justas e necessárias.
O mais importante, contudo, é que parece estar em curso uma transformação essencial na relação dos batalhões mais concentrados da classe trabalhadora com o lulismo e o governo. Iniciou-se uma ruptura de massas, na escala de muitas dezenas de milhões, de setores do proletariado com o PT. Essa relação de confiança prevaleceu por trinta anos, ou seja, o intervalo de uma geração. Chamamos a este processo o princípio do fim do lulismo. Aqueles que caracterizam este processo como onda conservadora, impressionados pela votação de Aécio em grandes centros operários, estão sobrevalorizando um dos aspectos da nova situação.
Este processo de ruptura com o PT está sendo, como seria previsível, muito desigual, porque muito maior no Sul e Sudeste do que no Norte e Nordeste do país. Mas pode ser muito progressivo, se vier a confirmar-se uma maior disposição de luta e resistência do proletariado. Sem o desmoronamento do velho, o novo não pode surgir. Os ritmos dos dois processos não são os mesmos. Mas a crise da autoridade do PT abre a possibilidade de fortalecimento de novos instrumentos de luta, para ir além da CUT e da Força Sindical, nos grandes sindicatos ainda sob influência da burocracia sindical. E favorece a aceleração da reorganização da esquerda.
O processo de crise do lulismo poderá ser revertido em um quarto mandato do governo de coalizão liderado pelo PT? Ou se aprofundará, em consequência das medidas de ajuste e austeridade previstas? Qual das dinâmicas político-sociais prevalecerá? Maior ativismo sindical e resistência política da classe trabalhadora? Desgaste do lulismo diante das concessões do segundo governo Dilma às pressões da classe dominante? Fortalecimento da oposição de esquerda? Ou um realinhamento político face ao governo, como no giro anti-Aécio que assistimos no segundo turno de 2014?
 
A crise do lulismo
A crise do lulismo está condicionada, como todo fenômeno complexo, por muitos fatores. Entre muitos outros, a estagnação econômica, a inflação crescente, a corrosão da corrupção endêmica, a ruína de mais de uma década de políticas social-liberais, a transição demográfica (uma nova geração adulta que não viveu os anos 80), além da impotência diante de uma agenda de reivindicações amplas contra as opressões (legalização do aborto, criminalização da homofobia, equidade para afrodescendentes). Dependerá, por exemplo, dos posicionamentos que o novo governo venha a ter diante dos ultimatos de frações burguesas que exigem um superávit primário mais alto, a redução de gastos públicos, a contenção salarial etc. Mas dependerá, também, da capacidade da oposição de esquerda de responder ao processo de reorganização por baixo que já começou nos locais de trabalho.
A hipótese central deste artigo é que o mais determinante, de junho de 2013 a outubro de 2014, parece ter sido o efeito síntese de uma lenta acumulação de mal estar social: a mudança da relação social de forças entre as classes. Maior inquietação burguesa, oscilações febris da classe média e o nível mais elevado de atividade grevista são indicadores consistentes. É na estrutura da sociedade que encontraremos a chave para a análise dos deslocamentos na superestrutura. A temperatura político-social do país está mais alta, porque aumentou a ansiedade, a apreensão, a aflição de todas as classes, inseguras diante do futuro, e preocupadas em não perder as posições anteriores. Esta dinâmica explica o início de uma polarização mais intensa que apareceu na campanha eleitoral.
O governo Dilma já tinha sido atingido pelas ondas de choque de junho de 2013 e saiu mais frágil das eleições de 2014. A estabilidade do regime democrático, uma das principais conquistas da solidez da dominação política desde 1994/95, foi desequilibrada por junho de 2013. As eleições de 2014 foram uma confirmação de que uma nova situação se abriu: o tsunami da candidatura Marina Silva; a recuperação da oposição burguesa com Aécio; o impacto da audiência minoritária, porém, importante das candidaturas da esquerda socialista, especialmente, de Luciana Genro pelo PSOL; a reação de massas aos discursos homofóbicos e machistas das candidaturas da extrema-direita; e a montanha russa do segundo turno.
Se a crise do lulismo favorecerá ou não uma reorganização pela esquerda é algo ainda incerto, que será decidido pela luta de classes, mas é possível. Os quase dois milhões de votos na esquerda socialista através do PSOL, PSTU e PCB não são senão uma pequena parcela da audiência que foi conquistada entre a juventude e o proletariado. Mas é isso que esteve em disputa, tanto em junho de 2013 quanto em 2014.
 
O que está em disputa não é o destino do governo Dilma
É isso que esteve e permanecerá em disputa, não o destino do governo Dilma. A nomeação de Joaquim Levy para a Fazenda, de Nelson Barbosa para o Planejamento, e a permanência de Tombini no Banco Central, com a missão de tranquilizar os investidores, não permite qualquer dúvida de que a orientação do governo Dilma para o quarto mandato do governo do PT será de austeridade contra os trabalhadores. Ainda assim, a classe dominante elevará o tom de exigências sobre Brasília.
O que não significa concluir que a crise do lulismo será uma evolução linear, e à esquerda, da consciência média dos trabalhadores, como ficou claro pelo papel de Marina Silva no primeiro turno de 2014, e pelo fortalecimento do PSDB e crescimento de Aécio Neves durante o segundo turno. Mesmo que deformadamente, a votação sinaliza a fadiga de uma parcela ampla da classe trabalhadora com o lulismo. A votação não permite concluir que prevaleceu o desejo de continuidade.
Dilma se apresentou como a protagonista de um novo governo para poder vencer. Tampouco autoriza conclusões sobre o arraste de uma “onda conservadora”. Aécio precisou se mascarar, e defendeu até o fim do fator previdenciário que atormenta e adia a aposentadoria dos trabalhadores. Mesmo se é verdade que a oposição de direita saiu reforçada das eleições, também é significativo um fenômeno novo: ainda que minoritária, a extrema-direita “saiu do armário”, mais desafiadora que em junho de 2013.
 
Diretas já, Fora Collor, Junho de 2013
 
Um pouco de perspectiva histórica nos ajuda a compreender as relações entre junho de 2013 e outubro de 2014. Não se deve julgar um processo de luta pelos seus resultados imediatos. Em 1984, quando das Diretas Já, na fase final da luta contra a ditadura militar, a campanha mobilizou algo em torno de oito milhões de pessoas, que correspondiam a 20% da população economicamente ativa. Foi a maior mobilização política da história da nação, mas dirigida pelo PMDB de Tancredo, Ulysses e Montoro, e o PDT de Brizola.
O resultado das Diretas Já foi paradoxal: derrotou o governo Figueiredo, mas não foi capaz de derrubar a ditadura. José Sarney, o último presidente da Arena/PDS, acabou sendo o primeiro presidente do regime democrático, sem que tivessem ocorrido eleições. O programa das Diretas Já era estritamente democrático-liberal, e os trabalhadores estiveram nas ruas sem uma plataforma de reivindicações próprias. O PT ocupou um papel de codireção, subordinado à liderança burguesa, mas foi nesse processo que Lula e o PT se consolidaram como a referência nacional de esquerda.
Relembrar as Diretas Já pode ser útil para contextualizarmos o hiato, a defasagem, ou a discrepância, muito comum na história, entre as enormes energias liberadas em processos de luta de massas e as esperanças por elas despertadas, e os seus resultados. As Diretas Já foram uma campanha progressiva, porque colocaram em movimento milhões de pessoas, até então politicamente inativas, em choque direto contra a ditadura militar no poder por vinte anos.
Já a eleição da chapa Tancredo Neves/José Sarney no Colégio Eleitoral foi uma usurpação reacionária, mas efêmera, das ilusões populares. O prestígio inicial do governo Sarney, que se proclamou, ostensivamente, como Nova República foi como fogo de palha: brilhou intensamente, mas por pouco tempo. Entre 1987 e 1989, o Brasil conheceu a onda grevista mais importante de toda a sua história. E Lula foi para o segundo turno nas primeiras eleições presidenciais, derrotando Brizola, para terminar sendo vencido por Collor.
Em junho de 2013, depois de mais de dez anos de governos liderados pelo PT, uma explosão espontânea levou algo em torno a pelo menos dois milhões de pessoas às ruas em protestos com reivindicações, essencialmente ou somente democráticas, mas que merecem ser comparados com as mobilizações de 1984. Ou, também, com as mobilizações pelo Fora Collor em 1992, que culminaram com o impeachment de Collor.
Entretanto, ao contrário de 1984 e 1992, desta vez, em 2013, nenhum aparelho político teve papel significativo. Por serem acéfalas, as mobilizações de 2013 não foram menos significativas. Ao contrário, foram, talvez, mais impressionantes, por isso mesmo. No intervalo de poucas semanas, todos os governos e instituições do regime passaram, em graus diferentes de desconfiança, por um sério questionamento.
Em 2013, as ruas foram ocupadas pela juventude assalariada com maior instrução, em sua maioria precarizada em empregos de salários baixos. Os batalhões mais maduros do proletariado estiveram ausentes, embora apoiassem. As tentativas de unir junho com o movimento organizado dos trabalhadores em dois dias de greve nacional sob um programa de reivindicações com um corte de classe mais definido, embora fossem a perspectiva mais animadora, foram insatisfatórias. Dilma Rousseff venceu as eleições, apesar de junho. Mas as eleições de 2014 confirmaram o desgaste do governo de coalizão nas grandes cidades do país, onde se concentra o proletariado. Se 1984 marcou a ascensão do PT à força política nacional, 2013 sinalizou a decadência do lulismo, confirmada nas urnas de 2014.
 
A classe trabalhadora não é a mesma de trinta anos atrás
O que nos remete à análise do que mudou. O Brasil de 2014 é um país muito diferente do Brasil de trinta anos atrás. Nunca o país conheceu um intervalo histórico de regime democrático-liberal tão longo. Poucas sociedades contemporâneas viveram, em intervalo histórico tão breve, transformações tão significativas. O Brasil duplicou o seu PIB e a sua população nesses trinta anos. Mas esses dois indicadores, que evoluíam nas décadas anteriores aos anos 1980, aceleradamente, passaram a ter dinâmicas muito mais lentas.
O Brasil da alvorada do século 21 é agora uma nação com crescimento lento, que caiu da média histórica em torno de 7% ao ano para algo inferior a 2,5%, e a taxa de fecundidade desabou de mais de 5% para menos de 2%. A desaceleração econômica foi compensada, parcialmente, pela transição demográfica, mas isso não impediu que a desigualdade social, embora tenha sofrido oscilações nesses trinta anos, já que aumentou nos anos 1990 e caiu nos anos 2000, não tenha diminuído de forma significativa. O Brasil permaneceu, essencialmente, depois de três décadas de regime democrático-eleitoral, um país ainda entre os mais injustos.
Essa perspectiva histórica é indispensável para atribuir sentido à avalanche de mobilizações de junho de 2013, e aos resultados eleitorais de 2014. Sem compreendê-los, será impossível interpretar as transformações que o país viveu nesses trinta anos. A hipótese central deste texto é que estes dois processos estão relacionados, e revelam que os limites políticos da influência do lulismo, ou seja, a corrente político eleitoral que governa o Brasil nos últimos doze anos, são hoje muito grandes. O PT perdeu as eleições nas maiores cidades do país, onde se concentra a maioria dos trabalhadores. Essa massa assalariada, que votava em esmagadora maioria no lulismo até 2010 e não o fez em 2014, mudou, também, em muitas outras dimensões. Há uma nova classe trabalhadora no Brasil. Ela nunca foi, proporcionalmente à população economicamente ativa, tão grande, tão concentrada e tão instruída.
Este proletariado pode ir além do lulismo. Sua disposição de luta poderá favorecer uma reorganização pela esquerda. Se encontrar uma esquerda capaz de responder ao desafio histórico de ir além do eleitoralismo. Porque as lutas decisivas são aquelas que o futuro nos reserva, não as que ficaram para trás.
 
Nota:
Foram contabilizadas 86,9 mil horas paradas em 2012. Há, neste indicador, a confirmação de uma tendência de aumento nas horas paradas que vem sendo percebida mais claramente desde 2009. A série histórica também revela que o total anual de horas não trabalhadas em 2012 é o maior desde 1991 - www.dieese.org.br/balancodasgreves, consulta em outubro 2014.
 
*Valério Arcary é professor titular aposentado do IFSP.

terça-feira, 23 de dezembro de 2014

“Transformamos problemas cotidianos em transtornos mentais”

Catedrático emérito da Universidade Duke comandou a redação da ‘bíblia’ dos psiquiatras

Estamos tão doentes para consumir tantos ansiolíticos?


Allen Frances neste mês, em Barcelona. / JUAN BARBOSA

Allen Frances (Nova York, 1942) dirigiu durante anos o Manual Diagnóstico e Estatístico (DSM), documento que define e descreve as diferentes doenças mentais. Esse manual, considerado a bíblia dos psiquiatras, é revisado periodicamente para ser adaptado aos avanços do conhecimento científico. Frances dirigiu a equipe que redigiu o DSM IV, ao qual se seguiu uma quinta revisão que ampliou enormemente o número de transtornos patológicos. Em seu livro Saving Normal (inédito no Brasil), ele faz uma autocrítica e questiona o fato de a principal referência acadêmica da psiquiatria contribuir para a crescente medicalização da vida.

Pergunta. No livro, o senhor faz um mea culpa, mas é ainda mais duro com o trabalho de seus colegas do DSM V. Por quê?

Resposta. Fomos muito conservadores e só introduzimos [no DSM IV] dois dos 94 novos transtornos mentais sugeridos. Ao acabar, nos felicitamos, convencidos de que tínhamos feito um bom trabalho. Mas o DSM IV acabou sendo um dique frágil demais para frear o impulso agressivo e diabolicamente ardiloso das empresas farmacêuticas no sentido de introduzir novas entidades patológicas. Não soubemos nos antecipar ao poder dos laboratórios de fazer médicos, pais e pacientes acreditarem que o transtorno psiquiátrico é algo muito comum e de fácil solução. O resultado foi uma inflação diagnóstica que causa muito dano, especialmente na psiquiatria infantil. Agora, a ampliação de síndromes e patologias no DSM V vai transformar a atual inflação diagnóstica em hiperinflação.

P. Seremos todos considerados doentes mentais?

R. Algo assim. Há seis anos, encontrei amigos e colegas que tinham participado da última revisão e os vi tão entusiasmados que não pude senão recorrer à ironia: vocês ampliaram tanto a lista de patologias, eu disse a eles, que eu mesmo me reconheço em muitos desses transtornos. Com frequência me esqueço das coisas, de modo que certamente tenho uma demência em estágio preliminar; de vez em quando como muito, então provavelmente tenho a síndrome do comedor compulsivo; e, como quando minha mulher morreu a tristeza durou mais de uma semana e ainda me dói, devo ter caído em uma depressão. É absurdo. Criamos um sistema de diagnóstico que transforma problemas cotidianos e normais da vida em transtornos mentais.

P. Com a colaboração da indústria farmacêutica...

“Não soubemos nos antecipar ao poder dos laboratórios de criar novas doenças”

R. É óbvio. Graças àqueles que lhes permitiram fazer publicidade de seus produtos, os laboratórios estão enganando o público, fazendo acreditar que os problemas se resolvem com comprimidos. Mas não é assim. Os fármacos são necessários e muito úteis em transtornos mentais severos e persistentes, que provocam uma grande incapacidade. Mas não ajudam nos problemas cotidianos, pelo contrário: o excesso de medicação causa mais danos que benefícios. Não existe tratamento mágico contra o mal-estar.

P. O que propõe para frear essa tendência?

R. Controlar melhor a indústria e educar de novo os médicos e a sociedade, que aceita de forma muito acrítica as facilidades oferecidas para se medicar, o que está provocando além do mais a aparição de um perigosíssimo mercado clandestino de fármacos psiquiátricos. Em meu país, 30% dos estudantes universitários e 10% dos do ensino médio compram fármacos no mercado ilegal. Há um tipo de narcótico que cria muita dependência e pode dar lugar a casos de overdose e morte. Atualmente, já há mais mortes por abuso de medicamentos do que por consumo de drogas.

P. Em 2009, um estudo realizado na Holanda concluiu que 34% das crianças entre 5 e 15 anos eram tratadas por hiperatividade e déficit de atenção. É crível que uma em cada três crianças seja hiperativa?

R. Claro que não. A incidência real está em torno de 2% a 3% da população infantil e, entretanto, 11% das crianças nos EUA estão diagnosticadas como tal e, no caso dos adolescentes homens, 20%, sendo que metade é tratada com fármacos. Outro dado surpreendente: entre as crianças em tratamento, mais de 10.000 têm menos de três anos! Isso é algo selvagem, desumano. Os melhores especialistas, aqueles que honestamente ajudaram a definir a patologia, estão horrorizados. Perdeu-se o controle.

P. E há tanta síndrome de Asperger como indicam as estatísticas sobre tratamentos psiquiátricos?

R. Esse foi um dos dois novos transtornos que incorporamos no DSM IV, e em pouco tempo o diagnóstico de autismo se triplicou. O mesmo ocorreu com a hiperatividade. Calculamos que, com os novos critérios, os diagnósticos aumentariam em 15%, mas houve uma mudança brusca a partir de 1997, quando os laboratórios lançaram no mercado fármacos novos e muito caros, e além disso puderam fazer publicidade. O diagnóstico se multiplicou por 40.

P. A influência dos laboratórios é evidente, mas um psiquiatra dificilmente prescreverá psicoestimulantes a uma criança sem pais angustiados que corram para o seu consultório, porque a professora disse que a criança não progride adequadamente, e eles temem que ela perca oportunidades de competir na vida. Até que ponto esses fatores culturais influenciam?


“Os seres humanos sobrevivem há milhões de anos graças à capacidade de confrontar a adversidade”

R. Sobre isto tenho três coisas a dizer. Primeiro, não há evidência em longo prazo de que a medicação contribua para melhorar os resultados escolares. Em curto prazo, pode acalmar a criança, inclusive ajudá-la a se concentrar melhor em suas tarefas. Mas em longo prazo esses benefícios não foram demonstrados. Segundo: estamos fazendo um experimento em grande escala com essas crianças, porque não sabemos que efeitos adversos esses fármacos podem ter com o passar do tempo. Assim como não nos ocorre receitar testosterona a uma criança para que renda mais no futebol, tampouco faz sentido tentar melhorar o rendimento escolar com fármacos. Terceiro: temos de aceitar que há diferenças entre as crianças e que nem todas cabem em um molde de normalidade que tornamos cada vez mais estreito. É muito importante que os pais protejam seus filhos, mas do excesso de medicação.

P. Na medicalização da vida, não influi também a cultura hedonista que busca o bem-estar a qualquer preço?

R. Os seres humanos são criaturas muito maleáveis. Sobrevivemos há milhões de anos graças a essa capacidade de confrontar a adversidade e nos sobrepor a ela. Agora mesmo, no Iraque ou na Síria, a vida pode ser um inferno. E entretanto as pessoas lutam para sobreviver. Se vivermos imersos em uma cultura que lança mão dos comprimidos diante de qualquer problema, vai se reduzir a nossa capacidade de confrontar o estresse e também a segurança em nós mesmos. Se esse comportamento se generalizar, a sociedade inteira se debilitará frente à adversidade. Além disso, quando tratamos um processo banal como se fosse uma enfermidade, diminuímos a dignidade de quem verdadeiramente a sofre.

P. E ser rotulado como alguém que sofre um transtorno mental não tem consequências também?

R. Muitas, e de fato a cada semana recebo emails de pais cujos filhos foram diagnosticados com um transtorno mental e estão desesperados por causa do preconceito que esse rótulo acarreta. É muito fácil fazer um diagnóstico errôneo, mas muito difícil reverter os danos que isso causa. Tanto no social como pelos efeitos adversos que o tratamento pode ter. Felizmente, está crescendo uma corrente crítica em relação a essas práticas. O próximo passo é conscientizar as pessoas de que remédio demais faz mal para a saúde.

P. Não vai ser fácil…

R. Certo, mas a mudança cultural é possível. Temos um exemplo magnífico: há 25 anos, nos EUA, 65% da população fumava. Agora, são menos de 20%. É um dos maiores avanços em saúde da história recente, e foi conseguido por uma mudança cultural. As fábricas de cigarro gastavam enormes somas de dinheiro para desinformar. O mesmo que ocorre agora com certos medicamentos psiquiátricos. Custou muito deslanchar as evidências científicas sobre o tabaco, mas, quando se conseguiu, a mudança foi muito rápida.

P. Nos últimos anos as autoridades sanitárias tomaram medidas para reduzir a pressão dos laboratórios sobre os médicos. Mas agora se deram conta de que podem influenciar o médico gerando demandas nos pacientes.

R. Há estudos que demonstram que, quando um paciente pede um medicamento, há 20 vezes mais possibilidades de ele ser prescrito do que se a decisão coubesse apenas ao médico. Na Austrália, alguns laboratórios exigiam pessoas de muito boa aparência para o cargo de visitador médico, porque haviam comprovado que gente bonita entrava com mais facilidade nos consultórios. A esse ponto chegamos. Agora temos de trabalhar para obter uma mudança de atitude nas pessoas.

P. Em que sentido?

R. Que em vez de ir ao médico em busca da pílula mágica para algo tenhamos uma atitude mais precavida. Que o normal seja que o paciente interrogue o médico cada vez que este receita algo. Perguntar por que prescreve, que benefícios traz, que efeitos adversos causará, se há outras alternativas. Se o paciente mostrar uma atitude resistente, é mais provável que os fármacos receitados a ele sejam justificados.

P. E também será preciso mudar hábitos.

R. Sim, e deixe-me lhe dizer um problema que observei. É preciso mudar os hábitos de sono! Vocês sofrem com uma grave falta de sono, e isso provoca ansiedade e irritabilidade. Jantar às 22h e ir dormir à meia-noite ou à 1h fazia sentido quando vocês faziam a sesta. O cérebro elimina toxinas à noite. Quem dorme pouco tem problemas, tanto físicos como psíquicos.

Fonte: El País, 27 SEP 2014

terça-feira, 16 de dezembro de 2014

É impostura ideológica enxergar diferenças substantivas de projeto entre PT e PSDB

Por Valéria Nader e Gabriel Brito*

Mais de uma semana após o segundo turno, a poeira eleitoral começa a abaixar, mas os ânimos populares e o contexto político permanecem acirrados, neste que foi um dos mais tensos, disputados e divididos processos dos últimos anos. De volta à realidade, polêmicas e crises em diversas frentes são a nova tônica. Água, economia, mídia, reforma política e muitos outros assuntos seguem, inapelavelmente, na ordem do dia. Para tratar de um desses relevantes assuntos, o Correio da Cidadania entrevistou o economista Reinaldo Gonçalves, que foi implacável em sua análise das proposições econômicas dos candidatos.

“O debate refletiu exatamente a natureza dos candidatos, dos partidos, das alianças, dos programas e dos projetos: mediocridade histérica, tanto da Dilma quanto do Aécio. Fizeram pequenas referências a programas específicos, mas nenhum aprofundamento sobre questões mais fundamentais, como o modelo de desenvolvimento ou questões estruturais”, resumiu.

Dentro de tal contexto, Reinaldo ressalta que todas as discussões a respeito da política econômica do período vindouro encontram-se em franca defasagem ante o contexto mundial. “A independência do BC e as metas de inflação tiram a autonomia política, trazem o risco de inconsistências da macroeconomia e, aqui está o problema central, são uma proposta completamente atrasada e ineficaz do próprio ponto de vista técnico”.

Para o autor do livro Desenvolvimento às Avessas, analisar a dicotomia entre petistas e tucanos sob a ideia de que a vitória de Aécio “aprofundaria” o neoliberalismo brasileiro é uma “impostura ideológica”. “O projeto é exatamente o mesmo, que está levando ao apodrecimento do Brasil. O Brasil apodrece do ponto de vista econômico, social, político, institucional e ético. Por trás disso, está o modelo econômico que os governos vêm mantendo”, disparou.

A entrevista completa com Reinaldo Gonçalves pode ser lida a seguir.

Correio da Cidadania: Como você viu a abordagem da economia do país nos debates eleitorais dos candidatos à presidência da República, especialmente aquele travado no segundo turno entre Dilma e Aécio?

Reinaldo Gonçalves: O debate refletiu exatamente a natureza dos candidatos, dos partidos, das alianças, dos programas e dos projetos: mediocridade histérica, tanto da Dilma quanto do Aécio. Fizeram pequenas referências a programas específicos, mas nenhum aprofundamento sobre assuntos mais fundamentais, como o modelo de desenvolvimento ou questões estruturais. Nada disso, nada de programa de governo. O debate refletiu a mediocridade entre todos os elementos políticos dos dois candidatos, que foram muito pobres.

Correio da Cidadania: O que diria sobre a dimensão que tomou o tema da independência do Banco Central? Qual o sentido da polêmica que se instaurou em torno ao tema e o que significaria, na prática, um Banco Central (BC) independente?

Reinaldo Gonçalves: Na prática, significa o BC ficar focado única e exclusivamente no combate à inflação. Essa é a ideia de autonomia do Banco Central. Claro que em países onde o BC é autônomo, como nos EUA, podem existir outros regimes monetários, deixando-se de focar somente no combate ou aumento da inflação. O foco pode ser dado na área monetária, na questão do emprego, do balanço de pagamentos etc.

Portanto, essa discussão no Brasil é atrasada. Desde 2008, o percentual de países que adotam o regime de metas de inflação, associado aos fundamentos do nosso Banco Central, tem caído: desceu de 22% para 17% dos países. Com a crise, os países procuram gerar graus de autonomia política. Assim, não dá pra amarrar a política monetária somente no combate à inflação, enquanto há problemas como juros altos, balanço de pagamentos e falta de crescimento.

Por isso que tal debate é atrasado no país, assim como é atrasado nosso debate sobre a política, inclusive a econômica. No Brasil, não faz sentido, principalmente por conta da forte estabilização macroeconômica, com baixos crescimento e investimentos, deficiências crônicas seríssimas e dificuldade com o balanço de pagamentos, se dar o luxo de pegar uma política tão importante como a monetária e ancorá-la somente no combate à inflação. Um país como o Brasil, por ser mais frágil, vulnerável e instável, precisa de mais autonomia política. Não faz sentido ancorar nenhuma política a um objetivo particular, porque condiciona toda a política macroeconômica.

A independência do BC e as metas de inflação tiram a autonomia política, trazem o risco de inconsistências da macroeconomia e, aqui está o problema central, são uma proposta completamente atrasada e ineficaz do próprio ponto de vista técnico.

Correio da Cidadania: Como definiria, nesse sentido, a condução da economia, bem como a gestão do Banco Central, sob o governo Dilma até o presente momento (inclusive à luz das anteriores gestões de Lula e também de FHC)?

Reinaldo Gonçalves: Medíocre. A macroeconomia brasileira nos anos de Dilma foi de grande mediocridade, tanto levando em conta os padrões históricos brasileiros como os atuais padrões internacionais. Por exemplo, Dilma encerra o mandato com crescimento médio do PIB de 1,6%. O mesmo número vale para o aumento real da renda anual. A média histórica brasileira é 4,5%. A economia mundial durante os últimos quatros anos está crescendo à ordem de 3,6%, mais que o dobro do Brasil.

Mais de 70% dos países têm um crescimento macroeconômico superior ao do Brasil. Para se ter ideia, em 30 mandatos presidenciais, a Dilma é o terceiro pior neste quesito, à frente somente de Collor e Venceslau Brás. Uma tragédia total.

Há várias explicações. Uma delas é o déficit de governança, ou seja, a incompetência do governo Dilma na gestão econômica. Falo de um resultado conclusivo, que não está aberto a controvérsias. Basta olhar as finanças públicas, o crescimento, as taxas de investimentos... A única exceção, que confirma a regra, é a questão do emprego, que não se explica por méritos políticos do atual governo, mas por razões de mudanças demográficas no país e efeitos colaterais, e inesperados, da política social.

Correio da Cidadania: O que sinalizam as medidas tomadas já nesta semana, como a alta da Taxa de Juros (a Selic), ao lado da sinalização de que o novo ministro da Fazenda será buscado no mercado financeiro? Como deve seguir o governo Dilma?

Reinaldo Gonçalves: Isso mostra que o governo Dilma não tem um projeto de Brasil. Ela fez o mesmo de Lula: seguir o Modelo Liberal-Periférico, iniciado por FHC e que já afundou. Junta o pior do liberalismo, deixa suas coisas boas de fora, e traz tudo que há de ruim nas periferias, inclusive o sistema político patrimonialista, corrupto, com sérios problemas de governança e resultados cada vez mais medíocres.

É o modelo que vai continuar, em uma trajetória de maus resultados e instabilidade na economia, o que certamente repercutirá na questão social, política e até institucional. Vale lembrar que há pouco tempo ninguém imaginava aqueles protestos populares, até generalizantes, contra os governos do Brasil inteiro.

Correio da Cidadania: A campanha petista acusou mídia, grandes empresários e mercado financeiro de fazerem terrorismo contra a candidatura Dilma - de fato, notou-se um movimento de alta na Bolsa de Valores quando os resultados das pesquisas eleitorais eram mais desfavoráveis à candidata e vice-versa. O que explica este fato, visto que as gestões petistas, Dilma entre elas, caminharam com altos lucros bancários e não inverteram a lógica dominante no modelo econômico implantado por FHC?

Reinaldo Gonçalves: Pura farsa. Desde a era Lula, o PT gira à esquerda na época das eleições. Quando vira governo, vai para a direita, como camaleão ambulante. A regra é essa: no momento da eleição, faz um giro para a esquerda; depois, um giro para a direita. Mas é uma farsa recorrente empreendida pelos dirigentes, que, nesse sentido, se apresentam no duelo eleitoral iludindo a maior parte do povo. E até a própria esquerda brasileira, por ingenuidade, inépcia ou pusilanimidade, acaba, na campanha, aderindo a essas candidaturas ecléticas do PT.

A dominação bancária aumentou com os governos Lula e Dilma. A taxa de lucros continua de 40% a 50% maior do que nas outras grandes empresas do país. Os ativos dos bancos continuam crescendo... É uma dominação muito presente. “Tudo bem” o discurso do governo na campanha eleitoral - é uma questão de farsa, de malandragem e má fé dos dirigentes de campanha. O curioso é ver certos setores acreditando nisso. É lamentável, e continua cada vez mais forte.

Correio da Cidadania: Portanto, é quase impossível comungar da ideia do ‘mal menor’ defendida pelo campo de esquerda mais progressista e diversos movimentos sociais, que apoiaram o voto crítico em Dilma sob o argumento de que um governo do PSDB aprofundaria ainda mais o neoliberalismo?

Reinaldo Gonçalves: Essa é uma bobagem muito grande. Quem aprofundou o Modelo Liberal-Periférico no Brasil foram os governos Lula e Dilma. Quando o governo faz todas as concessões, chama os chineses para participarem do pré-sal, rodovias, infraestrutura, portos, aeroportos, vemos o aprofundando de tal modelo. É farsa, má fé e uma impostura ideológica acreditar que há uma disputa de projetos entre um e outro, ou uma disputa ideológica propriamente.

O projeto de governo em andamento é o mesmo que vem desde a era FHC. As diferenças estão apenas na margem. Um pouco mais de política social aqui, acolá, com favorecimento de grupos econômicos de alguns setores dominantes, mas os fundamentos continuam iguais. Os setores que pautam os governos são os mesmos, as empreiteiras, o agronegócio, a turma da mineração...

Não mudou absolutamente nada. Lula e Dilma vêm implementando o Modelo Liberal-Periférico sob a égide dos mesmos setores. Não tem nenhuma mudança estrutural no país. As notícias da semana passada já demonstram isso: nenhuma mudança estrutural, apenas o aprofundamento deste modelo.

Portanto, é uma impostura ideológica enxergar diferenças substantivas de projetos entre PT e PSDB. O projeto é exatamente o mesmo, que está levando ao apodrecimento do Brasil. O Brasil apodrece do ponto de vista econômico, social, político, institucional e ético. Por trás disso, está o modelo econômico que os governos vêm mantendo.

A mensagem é essa: o Brasil apodrece com o Modelo Liberal-Periférico, produzido pelo governo de FHC e aprofundado por Lula e Dilma. A trajetória é medíocre, instável e de altos riscos de crise social, política e institucional. Os responsáveis estão aí, quem faz sua escolha traça o seu caminho.


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*Valéria Nader, jornalista e economista, é editora do Correio da Cidadania; Gabriel Brito é jornalista.

Fonte: Correio da Cidadania, 04 de novembro de 2014.

domingo, 14 de dezembro de 2014

Diferenças que matam: por que o racismo não cede nos Estados Unidos

Título original: Diferencias que matan. Por qué el racismo no cede en EE.UU.




Más allá de los episodios de violencia policial que las originaron, las protestas de estas semanas en Ferguson, New York y California, entre otras ciudades norteamericanas, sacan a la luz una división racial persistente que no deja de separar a blancos y negros, hasta el punto de naturalizarse. Por qué un presidente negro no pudo, hasta ahora, cambiar esa realidad

Por Silvia Pisani

Washington.- Bajo la lluvia invernal, decenas de carteles se agitan frente a la explanada de la Casa Blanca. Es lo habitual en esa suerte de "avenida de la libre opinión" en que ha devenido el paseo frente a la residencia presidencial, donde, bajo la atenta mirada de policías y francotiradores, se sabe que todo mensaje -el que sea-, tarde o temprano, llegará a destino. Es parte de la rutina en esos metros supervigilados y devenidos, por hábito, en podio internacional de la libre expresión. Nunca el clamor llama allí la atención; al contrario, el murmullo de la protesta suele ser la música de todos los días. Pero si esta vez la cosa suena disonante y extraña es por la paradoja que encierra. Una de esas curvas de la historia que dan vuelta lo andado y lo ponen en duda.

Si hace seis años allí los carteles celebraban el "Yes, we can" ("Sí, podemos") de un presidente que abría la esperanza al cambio y progreso más profundo en este país, el "We can't breathe" ("No podemos respirar") de esos carteles bajo la lluvia parecía marcar el límite justo y preciso de aquel sueño inicial. El que se abrió con la llegada del primer presidente negro a la Casa Blanca, para devolverlo, en estos días, convertido en la amarga intuición de que ni siquiera ese histórico paso puede revertir la carga del racismo que aún pesa en esta sociedad. Que no alcanza un presidente negro, como Obama. Ni un fiscal negro, como Eric Holder; ni un alcalde de Nueva York con un hijo negro, como Bill de Blasio, para equiparar por completo las cosas.

"Los Estados Unidos han cambiado mucho en los últimos sesenta años de historia en lo que concierne a la lucha contra la discriminación", dice a la nacion Roland Roebuck, uno de los más activos promotores de la comunidad afroamericana en esta ciudad. "Pero una cosa es desterrar el racismo de Estado, contra el que se avanza con legislación, y otra muy distinta es el racismo social. Ése es más difícil y ese persiste", asegura.

El "No puedo respirar" de los carteles frente a la Casa Blanca repite la leyenda de otros tantos enarbolados a lo largo del país en la nueva oleada de protestas contra la discriminación. Evocan, a su vez, en potente eslogan, la última frase que pronunció Eric Garner, el afroamericano que murió asfixiado por la toma de ahorcamiento que le practicó el policía que lo detuvo por una infracción menor: vender cigarrillos en la vía pública.

Ocurrió en Staten Island, el más olvidado de los cinco distritos de la ciudad de Nueva York, y la muerte -con el espanto de su agonía previa y la vana súplica ("No puedo respirar, agente, por favor, no puedo respirar")- fue captada en video por un testigo circunstancial y se volvió viral. Es difícil encontrar a alguien por aquí que no la haya visto, que no se haya indignado hasta la médula y, sobre todo, que haya sido capaz de imaginar la misma escena si el que estaba en el piso, agonizando a manos de un policía, era un blanco y no un negro.

"Todos sabemos que difícilmente ese ahorcamiento y esa muerte hubieran ocurrido de haber sido Garner de raza blanca", observó Eugene Robertson, ex subeditor de The Washington Post y hoy uno de sus columnistas estrella. "Su único crimen fue haber sido negro", ironizó.

La muerte de Garner ocurrió en julio pasado, en pleno verano. Pero las protestas de estos días fueron no por su muerte, sino porque un jurado decidió que no había razón para acusar a Daniel Pantaleo, el policía que le practicó la llave de asfixia. "No se ha violado ninguna ley", fue el veredicto, pese a que las maniobras de ese tipo están prohibidas hace años. Similar fue el desenlace en Ferguson, Missouri, donde otro jurado decidió lo mismo con el policía Darren Wilson, que mató a balazos a Michael Brown, un afroamericano de 18 años que estaba desarmado. Lo mismo ocurrió antes en Florida, donde el jurado exculpó al vigilante privado que mató a balazos a Trayvon Martin, un adolescente negro de 16 años porque "se sintió amenazado".

De todas esas muertes -y de la coincidente exculpación de los matadores que las siguieron- fue la de Garner, en Staten Island, la que levantó las protestas más extendidas a lo largo del país. También, la que concitó la mayor adhesión de blancos, según revelaron, en forma coincidente, sondeos de las cadenas Bloomberg y ABC. De modo más espontáneo, una cadena de mensajes por Twitter apuntó a lo mismo. Con la convicción de que, en esta sociedad, los blancos pagan menos por delinquir que los negros, el hashtag #Crimingwhilewhite (Delinquir siendo blanco) hizo furor con una marea de "confesiones" en las que tuiteros blancos "confesaban" crímenes colectivos en los que la policía solamente castigaba al negro. Imposible saber si todos los casos eran ciertos. Posiblemente, no. Pero no hay duda de que el fenómeno, llevado a la portada de los principales medios del país, refleja una corriente demasiado arraigada como para ponerla en duda.

Es lo mismo que dice el presidente Barack Obama cuando reconoce que él mismo "podría haber corrido la misma suerte" que Trayvon Martin. O cuando el alcalde Bill de Blasio cuenta que, junto con su mujer, negra, enseñaron muy bien a su hijo "cómo comportarse ante la policía para no terminar muerto" si lo detienen. Un "adiestramiento" que incluye no protestar, no reclamar, no moverse, no intentar tocar su teléfono ni hacer gesto alguno que pudiera llevar a generar la mínima duda de que lo que hay enfrente es "un negro peligroso".

La confesión de De Blasio fue criticada por la policía. Pero el alcalde no hizo más que poner en palabras lo que muchos saben en esta sociedad. Que si uno es negro, mejor cuidarse. "Cuando salgo a trotar por la noche, con una capucha y ropa de gimnasia, me cuido muy bien de tener el menor incidente con la policía. Por las dudas", confesó a la nacion uno de los directivos de un reconocido centro de estudios de esta ciudad que, al igual que Obama, es hijo de madre blanca y padre negro.

Hace pocos meses, el país celebraba y se felicitaba por el medio siglo transcurrido desde la gran marcha por los derechos civiles que, con Martin Luther King a la cabeza, concluyó en esta ciudad. Fue el día de su más celebrado discurso. Aquel que llamaba a "subir desde el valle desolado y oscuro de la segregación". El que hablaba de un sueño, del día en que "los hijos de los antiguos esclavos y de los antiguos dueños de esclavos puedan sentarse juntos a la mesa de la fraternidad". Era el año 1963. Pasaría otro más para que se firmara el Acta de los Derechos Civiles, hace ahora exactamente medio siglo. Rubricada por el presidente Lyndon Johnson y por el propio pastor, declaraba ilegal la discriminación basada en la raza, el color, la religión, el sexo o la nacionalidad.

SIEMPRE UN PASO ATRÁS

Las cosas han mejorado claramente desde entonces. Pero son muchos todavía los sufrimientos y la desigualdad que padece la población negra en este país. En menor grado, también la sufren los hispanos. "Lo que se vive es una enorme desigualdad. Hay una marginación económica y social", asegura Roebuck. Las estadísticas le dan la razón y señalan la persistencia de una discriminación de la que no siempre se habla.

En estos días, especialmente, se habla de desigualdad en materia de seguridad. Se sacuden las planillas de entidades privadas y oficiales según las cuales los negros cumplen penas de prisión un 20 por ciento más largas que los blancos por el mismo crimen. No sólo eso: son ellos los que ocupan con más persistencia las cárceles, según se desprende de una reciente encuesta del FBI según la cual del total de detenidos en el país más del 30 por ciento es de origen afroamericano, lo que representa el doble de su proporción demográfica, que es del 13,1 por ciento.

En la misma línea de razonamiento, un hombre de raza negra tiene seis veces más posibilidades de ser encarcelado que uno blanco, y 2,5 veces más que uno latino, según los datos recopilados por The Sentencing Project, una entidad civil experta en cuestiones carcelarias.

Son tasas incluso peores que en los años de segregación racial. Todo ello se traslada directamente a la composición de las cárceles: en 2012 un 36,5% de los reclusos eran negros -casi tres veces más que su peso en el conjunto de la población del país ese año-, un 33,1% eran blancos-casi la mitad de su proporción del 63% en el censo- y un 22% eran latinos -el 16,9% de la población-. Dicho de otro modo, un 3,1% de los negros están presos; un 1,3% de los latinos, y un 0,5% de los blancos.

La desigualdad se extiende a otros ámbitos. Negros y latinos tienen menos ingresos anuales, menos patrimonio y menos acceso a la educación, a la salud pública y al empleo que los blancos. Son, en definitiva, mucho más pobres.

Esas diferencias no sólo persisten hoy, cinco años después de que un afroamericano asumiera por primera vez la presidencia de los Estados Unidos, sino que crecieron de a poco a tal punto que, en 2013, sólo el 25% de los negros decía que la situación de la gente de su misma raza era mejor que en 2009 (ese año lo dijo el 39%), de acuerdo con un estudio del Centro de Investigaciones Pew.

En esto también hay matices. Porque otro de los fenómenos de los últimos años es una aguda "estratificación" dentro de esa población. "Se puede decir que la situación mejoró en conjunto, pero con diferencias. Ahora hay una clase alta, otra media y una baja entre los negros. Antes, las tres cabían en una", advierte Robert Stepo, académico de estudios afroamericanos en Chicago.

Una estratificación a la que se asocian historias de enorme esfuerzo y éxito igualmente grande. El caso de Obama ejemplifica, mejor que ninguno, el tránsito de los negros de la esclavitud al poder. Su testimonio fue precedido por el de figuras como la ex secretaria de Estado Condoleezza Rice o el ex jefe de las fuerzas armadas Colin Powell. Pero, para la gran mayoría silenciosa, las estadísticas muestran cuán lejos se está aún del discurso de Martin Luther King.

Ésa es la realidad de la que se habla menos que de los escándalos. Como describió Mary Curtis, una conocida comentarista de temas raciales, "nunca hablamos de eso hasta que algo nos lo recuerda". Los casos de brutalidad que ahora sacuden y movilizan al país en protestas son una nueva muestra de ello. Hace un año, ocurrió algo parecido al celebrarse el medio siglo del discurso de King. Hubo, entonces, un profundo -y no del todo alentador- debate sobre lo que aún resta recorrer. Algo parecido ocurrió, meses atrás, con el fallo de la Corte Suprema de Justicia, que dejó la puerta abierta al final de la llamada "acción positiva", que reserva cupos de ingreso a estudios y empleo para personas de raza negra.

"Si no fuera por esa norma, muchos no podrían acceder a estudios superiores", sostuvo la jueza hispana Sonia Sotomayor, una de las voces disidentes. En cambio, su colega negro, Clarence Thomas, votó sin problemas por el final de un sistema del que él mismo se benefició para acceder a los estudios que, luego, lo convirtieron en el único magistrado negro del tribunal.

"La marginación económica impide la igualdad", dice Roebuck, y afirma que en algunos aspectos incluso se agravó. Los 19.000 dólares de ingresos anuales que hace 50 años había de diferencia entre las familias blancas y negras hoy representan a valores constantes más de 27.000, de acuerdo con el Centro Pew. En 1970, la tasa de pobreza entre los negros era del 33,6%. La última medición pública, de hace dos años, es más alta: ahora es del 35%.

Muchos pensaron que la llegada de Obama terminaría con todo eso. "No hay una América blanca y una negra, somos un solo país", dijo quien, desde que llegó a la presidencia, evitó poner el foco específicamente en la discriminación racial. Al contrario, llamó a los negros a no caer en el "victimismo" e hizo hincapié en la necesidad de crear puestos de trabajo y oportunidades que terminen con la desigualdad.

Nadie sabe muy bien en qué terminará la efervescencia social de estos días. Pero, si bien con una misma raíz discriminatoria, los frentes son tantos -policial, económico, educativo, carcelario, laboral, médico- que difícilmente una sola medida otorgue la respuesta por la que se clama desde hace décadas. Aquel "yo tengo un sueño" que aún sigue retumbando.
Fonte: La Nación

Metade dos remédios é inútil

Título Original: La mitad de las medicinas son inútiles

Dos médicos franceses denuncian que el 50% de los remedios son inútiles y el 5% potencialmente peligrosos. La conclusión la sostienen en el libro ‘Guía de los 4.000 medicamentos útiles, inútiles o peligrosos’.

La mitad de las medicinas son inútiles Corbis Uno de cada dos medicamentos que se comercializan son inútiles a la hora de mejorar la salud, según afirmó un nuevo ensayo de científicos galos, publicado en el semanario francés ‘Nouvel Observateur’.

A esta radical conclusión llegaron dos prestigiosos profesores y médicos franceses en su libro ‘Guía de los 4.000 medicamentos útiles, inútiles o peligrosos’, en el que denuncian no solo la inutilidad, sino la peligrosidad de algunos de los medicamentos que ingieren los franceses y que le cuestan al Estado unos 10.000 millones de euros en reembolsos de la seguridad social.

El 50% de los medicamentos son inútiles, el 20% mal tolerados y el 5% de los remedios, potencialmente peligrosos, según sostienen el parlamentario francés Bernard Debré, diputado del grupo Unión por un Movimiento Popular (UMP), y Philippe Even, director del prestigioso Instituto Necker y rector de la Facultad de Medicina de París.

Esta publicación se ha convertido en un verdadero desafío para la industria farmacéutica y para los médicos. En Francia, nueve de cada diez consultas médicas finalizan con una receta para comprar un medicamento en la farmacia.

Anualmente, en el país se consumen 47 cajas de píldoras por persona. Además, los autores de la investigación acusan a la industria farmacéutica de inercia y de dejarse llevar por sus intereses económicos a la hora de producir medicamentos.

Debré y Even aseguran que los laboratorios solo invierten el 5% en investigación, el 15% en desarrollo y el 10% en la fabricación, que generalmente se lleva a cabo en países como India o Brasil. Francia tiene el mayor porcentaje del mundo de farmacias por metro cuadrado, 18.000 visitadores médicos y un ‘lobby’ farmacéutico muy poderoso en la Asamblea Nacional.

Fonte: Actualidad RT, 25 SEPTEMBER, 2012.

sexta-feira, 12 de dezembro de 2014

Um Marx impossível: o marxismo sem teoria laboral do valor

Título original: “Un Marx imposible: el marxismo sin teoría laboral del valor”: Diego Guerrero

“El marxismo no está hoy de moda. Pero entre los que guardan alguna relación con él – marxistas, exmarxistas, pseudomarxistas, premarxistas, postmarxistas, marxianos, paramarxistas y marxólogos- sigue habiendo un marxismo “à la mode” que es, antes que cualquier otra cosa, una lectura imposible del marxismo. Aunque no se debe confundir Marx con marxismo, es inevitable ligar el pensamiento económico marxista con el pensamiento económico de Marx, y es lo que me propongo hacer en este trabajo, con la intención de descubrir la novedad o no de las tendencias actuales en el pensamiento económico marxista.

En realidad, las dos tendencias principales son fáciles de distinguir: 1) por un lado hay una amplia gama de lecturas imposibles de Marx, que defienden ciertos aspectos del pensamiento económico (o social) de éste pero renunciando a su teoría del valor-trabajo; 2) por otro lado está la lectura que se va a defender aquí: la de quienes ven en la teoría laboral del valor no sólo el elemento central de toda la “economía” de Marx (e incluso de su filosofía), sino la única teoría coherente del valor aparecida hasta la fecha y la auténtica revolución de la ciencia económica, hasta el punto de que no se la puede rechazar sin volver a estadios superados de la misma”.

Fonte: Marxismo Crítico, 25/10/2011