Para aqueles jovens demais para lembrar da Guerra Fria mas com idade para lembrar da Grande Recessão, o marxismo parece incrivelmente atual.
Por Michelle Goldberg
Oito anos atrás, Jay
McInerney, garoto-propaganda de um tipo de literatura glossy chicdos anos 1980,
ungiu Benjamin Kunkel como a voz da nova geração. Escrevendo na primeira página
da New York Times Book Review, ele saudou o primeiro romance de Kunkel,
Indecisão, por fazer “todo aquele negócio de crise pós-adolescência, de começo
de vida, ser engraçado de novo”. Ele não estava sozinho; muitos críticos
ficaram impressionados com a evocação de Kunkel da passividade e vazio existencial
de um jovem privilegiado. Eles tinham menos certeza do que pensar sobre a
conversão do narrador a uma política radical na América do Sul. “Imagino que as
sequências sirvam para explicar o socialismo para as pessoas de vinte e poucos
anos, pós-irônicas, ambivalentes, esperançosas e generosas em 2005”, escreveu
Michael Agger na Slate.
No próximo mês de
março, Kunkel vai lançar seu segundo livro, Utopia or Bust. Apesar de não ser
continuação de Indecisão, o livro vai de fato tentar explicar, ou ao menos
explorar, o que representa o socialismo hoje, por meio de uma série de ensaios
de pensadores de esquerda contemporâneos, como Fredric Jameson e David Harvey.
Depois do sucesso de Indecisão – que conquistou um lugar nas listas de
Best-sellers, foi traduzido para diversas línguas e se tornou atraente para
Hollywood – Kunkel não se aproveitou de seu estrelato da mesma forma que,
digamos, Jay McInerney. Pelo contrário. Depois de cair em uma depressão
profunda, ele seguiu o exemplo do seu próprio personagem, mudando-se para
Buenos Aires e se submergindo profundamente em teoria anticapitalista. Em um
rascunho da introdução de seu novo livro, ele escreve “Para decepção de amigos
que prefeririam ler minha ficção – bem como de meu agente literário, que
preferiria vender – parece que eu virei um intelectual marxista público.”
De um modo estranho,
no entanto, Kunkel não fugiu inteiramente do negócio. Seu novo livro surge num
momento em que há um interesse renovado em Marx entre jovens autores, ativistas
e estudiosos, que têm começado a identificar o capitalismo, frente à crise
financeira, como um problema, e não mais como algo inevitável.
Seria simplista demais
dizer que o marxismo voltou, porque ele de fato nunca foi embora. Nos EUA
depois da queda do Muro de Berlim, entretanto, estava restrita ao departamento
de inglês da universidade, tornando-se objeto de crítica ácida.
Então veio o crash
econômico, o Occupy Wall Street, e o desastre ainda em curso da austeridade na
Europa. “Na época do Occupy, principalmente, muita gente de todo tipo de
esquerda, trabalhando em publicações grandes ou literárias, meio que se
encontraram, começaram a conversar, e descobriram quem estava interessado em
política de classe”, diz Sarah Leonard, a editora de 25 anos da Dissent, o jornal
social-democrata fundado quase 60 anos atrás por Irving Howe. “Nós
essencialmente achamos um política antiga que faz sentido hoje”.
Nos EUA, é claro, o
marxismo se mantém como uma corrente intelectual, muito mais do que como
movimento de massas. É claro, os millenials [outra forma de se referir à
chamada Geração Y] são notoriamente progressistas; uma pesquisa muito debatida
de 2011 descobriu que 49% das pessoas com idade entre 18 e 29 anos têm uma
visão positiva sobre o socialismo, enquanto apenas 46% têm visão positiva sobre
capitalismo. É difícil dizer o que isso significa exatamente – não se pode
dizer que os jovens estão fazendo com que O Capital entre rapidamente na lista
dos mais vendidos ou estejam construindo células comunistas. Ainda assim, há décadas
que tantos pensadores jovens se envolveram tanto em imaginar uma ordem social
que não seja governada pelos imperativos do mercado.
Os motivos para isso
são bastante óbvios. “Agora está tudo desmoronando”, diz Doug Henwood,
Publisher da Left Business Observer e mentor de diversos novos pensadores
marxistas. “Nem mesmo o mais ardoroso defensor pode dizer que as coisas estão
indo bem. As premissas básicas da vida dos americanos, sobre mobilidade social
e todo esse tipo de coisa, parece tudo uma grande piada de mau gosto agora”.
Enquanto isso, o fim
da Guerra Fria libertou as pessoas – especialmente os que são novos demais para
lembrar – para que elas pudessem revisitar as ideias marxistas sem o medo de
elas justificarem a existência de regimes repressivos. A União Soviética sempre
pairou sobre a vida intelectual dos EUA no século 20, especialmente aqueles
setores dominados pelos formados da Universidade Judaica Municipal, como Howe e
seu contraponto intelectual Irving Kristol. Havia aqueles que condenavam mas se
apegavam aos ideais socialistas – posição emblematizada pela Dissent –, e havia
aqueles, como Kristol, que viam tais valores como sendo intrinsecamente ligados
a um regime tirânico, e se tornavam neoconservadores. Agora que o comunismo é
uma força marginal no mundo, essas discussões parecem muito distantes. “Imagino
que não tenhamos na nossa cabeça 1989”, diz Leonard. “Nossa crise é de uma
natureza diferente. É uma crise capitalista, e temos um arsenal de ferramentas
de análise muito útil”.
Para servir ao novo
pensamento de esquerda, a editora radical Verso – que também vai copublicar o
novo livro de Kunkel – começou recentemente a fazer uma série chamada Pocket
Communism (Comunismo de Bolso), pequena, elegante, criada tendo em mente a
capacidade de atenção da Geração Y. Entre os livros estão A hipótese comunista
de Alain Badiou e A atualidade do comunismo, de Bruno Bosteel. Eles são
vendidos fora das lojas tradicionais – em galerias de arte, por exemplo. Mesmo
quando esses neocomunistas não são marxistas ortodoxos – Badiou é meio maoista
– Marx ainda tem um peso muito grande em suas obras. “As pessoas não têm mais
medo de voltar aos textos e usar palavras que eram tabu”, diz Sebastian Budgen,
editor sênior da Verso. “Há um efeito emancipador em não mais se precisar se
justificar para usar Marx.”
Em nenhum lugar isso é
mais verdade que na Jacobin, a revista socialista fundada por Bhaskar Sunkara,
de 24 anos, que vai publicar Utopia or Bust com a Verso. Um empreendedor
marxista, Sunkara ainda não tinha se formado quando usou o dinheiro de seu
crédito estudantil para publicar o primeiro número de Jacobin, em 2011. Hoje
ele tem cerca de cinco mil assinantes, um número pequeno em perspectiva, mas
impressionante para um jornal de esquerda, comparável ao alcance da Dissent.
Seus leitores são desproporcionalmente jovens, de acordo com Sunkara, e em
geral novatos no que diz respeito a publicações de esquerda. “Acho que boa
parte dos leitores não escolhe a Jacobin ao invés da Dissent ou da Monthly
Review”, afirma. “Eles são mais para liberais desiludidos ou jovens que não são
politizados”.
De sua parte, a
Dissent, editada por Michael Kazin, foi revigorada por pessoal novo, como
Leonard. Até recentemente, ela havia se tornado soturna, conhecida por seu
conflito com a irresponsabilidade de outros radicais. Em 2002, por exemplo, seu
antigo coeditor, Michael Walzer, criticou as respostas dos progressistas ao 11
de setembro, em um artigo intitulado “Pode haver uma esquerda decente?”
Lamentando a tendência de intelectuais de esquerda de “viver nos EUA como
estrangeiros internos, recusando-se a se identificar com seus cidadãos,
considerando qualquer traço de patriotismo como politicamente incorreto”, ele
parecia reviver uma velha briga entre a esquerda anticomunista e a
contracultura na década de 1960.
(*) Artigo publicado
originalmente em Tablet.
Tradução: Rodrigo
Mendes
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