Adriana Carranca
11 Novembro 2014
Por Livia Firth e Monique Villa*
Na última década, além de
roupas baratas, tem nos sido vendido um mito: o de que comprar uma camisa por
U$ 2 é um direito de nossos tempos. A verdade é que não há nada de democrático
no princípio de comprar roupas por preços irrealistas. A equação é simples: se
queremos que as coleções cheguem mais rápido às prateleiras, os produtores têm
de trabalhar mais e mais rápido; se queremos que nossas roupas custem menos,
então o custo da produção e os salários têm de ser menores.
Para atender ao que se tornou
uma corrida global pela chamada “fast-fashion” (o fast-food da moda), marcas
passaram a exigir a troca constante de novas coleções, os estoques são mantidos
intencionalmente baixos para impulsionar as compras, e a rede de fornecedores
têm de responder às últimas tendências, trocando a produção em questão de
horas. Como resultado, as roupas estão mais baratas e perecíveis do que nunca,
alimentando os ganhos da indústria de vestuário, de U$ 3 trilhões ao ano.
No ano passado, o colapso do
prédio Rana Plaza, em Bangladesh, onde funcionava um complexo de fabriquetas –
que produziam roupas para as mais populares marcas do Ocidente – deixou quase
1.200 trabalhadores mortos, no maior acidente industrial em 30 anos, e colocou
em evidência os custos humanos da “fast-fashion”, um alerta para que o público
começasse a fazer uma pergunta importante: quem está por trás das roupas que
vestimos?
A resposta está frequentemente
ligada a uma dinâmica complexa, um mecanismo de exploração que funciona na base
da cadeia moderna de suprimentos, e que tem suas raízes na pobreza, na
negligência e, mais do que tudo, na corrupção, o combustível que abastece a
escravidão moderna.
De acordo com a organização
Walk Free, há pelo menos 30 milhões de pessoas escravizadas no mundo, o maior
número na história. Infelizmente, o tráfico de pessoas é um negócio que cresce
rapidamente e movimenta quase U$150 bilhões ao ano, mais do que o PIB da
maioria dos países africanos e três vezes os lucros anuais da Apple.
Escravidão é um assunto global,
que vai além da indústria da moda. Relatórios recentes destacam o apelo de
nepaleses que trabalham na construção civil no Qatar por U$ 0,75 a hora em
jornadas de 20 horas e de imigrantes birmaneses na Tailândia que são
traficados, brutalmente espancados e escravizados para pescar em alto mar
o camarão que chega aos nossos pratos.
Hoje, se comparado o PIB de
países com o lucro de corporações globais, percebe-se que estas são maiores e
mais poderosas que muitos governos. No entanto, essas entidades transnacionais
são pouco questionadas. As cadeias de suprimentos estão se tornando cada vez
mais longas e complexas e frequentemente transferem sua responsabilidade à
certificação de terceirizados que, na realidade, não garantem muita coisa.
Mesmo quando as empresas querem fazer a coisa certa, muitas vezes não sabem o
que se passa exatamente em suas cadeias de suprimentos.
E há a corrupção. Muitas das
fábricas em Bangladesh, onde os trabalhadores mal pagos perderam suas vidas,
assim como centenas de fábricas indianas, onde as meninas são vítimas de
trabalho forçado, foram “eticamente auditadas”. Mas algumas destas auditorias
não são nada mais do que negócios lucrativos e fraudulentos administrados por
empresas impostoras locais contratadas por grandes multinacionais.
Segundo a ONU, tanto os
governos como as empresas compartilham um princípio de responsabilidade. Em
outras palavras, os Estados têm a obrigação de estabelecer salários mínimos
legais justos e as empresas devem pagar os salários em conformidade. Mas a ONU
também afirma claramente que, se os governos não conseguem garantir padrões
salariais adequados, as empresas têm a obrigação de respeitar o direito humano
a um salário mínimo e, portanto, devem estar prontas para tomar a iniciativa
nesse sentido.
Uma economia cada vez mais
global exige normas e regulamentos internacionais.
Temos normas rígidas e bem
definidas de segurança e de regulamentação em toda a indústria da aviação, por
que não deveríamos ter medidas universais para manter a escravidão fora das
cadeias de abastecimento?
Mas a regulamentação global não
é certamente a única resposta. Na verdade, se usarmos o mercado como uma força
para o bem, poderíamos ver a mudança em um ritmo muito mais acelerado. Os
governos podem levar anos para aprovar leis, e talvez nunca aplicá-las,
enquanto as grandes empresas têm a capacidade de pagar preços de produção mais
justos e realistas imediatamente, impactando todo o mercado e mudando a vida de
milhões de indivíduos com a decisão
simples de retribuir de forma adequada seus trabalhadores.
Um salário digno é um direito
humano e é fundamental que os consumidores estejam plenamente conscientes do
poder em suas mãos. Nós estaremos no caminho certo somente quando olharmos para
um vestido de U$ 8 como um alerta vermelho e não como um bom negócio.
* Livia Firth é diretora de
criação Eco Age e Monique Villa é CEO da Fundação Thomson Reuters. A
escravização de pessoas na cadeia produtiva é um dos temas da Conferência Trust
Women, que reúne organizações, corporações e governos para discutir a aplicação
e o avanço de leis pelos direitos das mulheres. O jornal Estado é parceiro da
conferência, que ocorre em Londres nos dias 18 e 19 de novembro. O artigo foi
escrito com exclusividade para o blog Do Front.
Foto: Reuters
Fonte: Estadão
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