Leis de eugenia permitiam que esterilizações fossem feitas de forma indiscriminada. |
Jaime González
Da BBC Mundo
13 de julho, 2013
Durante boa parte do século 20,
milhares de pessoas foram esterilizadas em instituições psiquiátricas nos
Estados Unidos, e, em muitos casos contra a vontade de suas famílias.
As intervenções foram feitas em
nome da saúde pública e de uma melhoria da raça, e estavam protegidas por leis
de eugenia em vigor na época.
Uma nova investigação diz que
na Califórnia – estado onde foram praticadas um terço das estimadas mais de 60
mil esterilizações que ocorreram em todo o país nos anos 70 - a população
latino-americana foi submetida a esses procedimentos em um nível
"desproporcionalmente elevado".
Segundo o estudo, elaborado
pela professora de história da medicina da Universidade de Michigan, Alexandra
Minna Stern, e pela estudante de pós-graduação em instituições psiquiátricas da
Califórnia, Natalie Lira, cerca de 25% dos cerca de 20 mil pacientes
esterilizados eram latinos, sendo a maioria deles mulheres de origem mexicana.
Seleção
genética
A eugenia foi uma corrente de
pensamento médico e social que surgiu no final do século 19, cuja premissa era
de que, por meio de uma seleção genética, você pode melhorar a espécie humana.
Os Estados Unidos foram um dos
países onde o movimento ganhou força de forma mais rápida e intensa. Em 1907, o
estado de Indiana foi o primeiro a aprovar uma lei que permitia o programa de
eugenia, seguido em 1909 por Washington e Califórnia.
Antes da Segunda Guerra
Mundial, 32 estados americanos já haviam aprovado leis deste tipo, e em muitos
casos, a prática forçada de esterilização era apoiada.
Num primeiro momento, esse
procedimento foi criado para pessoas com problemas psiquiátricos ou com
deficiência mental, mas, em seguida, expandiu-se para os grupos que, na opinião
de especialistas, apresentavam algum tipo de "desvio social", como
criminosos, alcoólatras, homossexuais ou mulheres promíscuas.
Em alguns estados, como
Carolina do Norte e Califórnia, os negros e hispânicos foram vítimas desta
prática em proporções maiores do que qualquer outro grupo.
Sobrenomes
hispânicos
"A ideia era que essas
esterilizações iriam melhorar a sociedade, por isso havia um grande apoio à
eugenia, especialmente na primeira metade do século 20", explica Alexandra
Stern, em conversa com a BBC Mundo.
Há cinco anos, em uma visita
aos arquivos públicos da cidade de Sacramento, na Califórnia, Stern encontrou
15 mil registros de pacientes que haviam sido admitidos em instituições na
Califórnia. Com base nesse achado, ela decidiu investigar "se determinados
grupos haviam sido esterilizados em maiores proporções.”
Com a ajuda de Natalie Lira,
foram analisados 2 mil registros pertencentes à Colonia Pacífico, uma
instituição para pessoas com deficiência mental.
Com base nos sobrenomes dos
pacientes elas chegaram à conclusão de que "os latinos - principalmente os
com descendência mexicana - foram esterilizados de forma desproporcional".
De acordo com Stern, "os
números obtidos reforçam a ideia de que naquele tempo havia um racismo
científico na Califórnia."
Mais
mulheres
Do total de intervenções realizadas em pacientes hispânicos, 61% foram em mulheres.
Das esterilizações realizadas
entre 1928 e 1951 na Colônia do Pacífico, 23% foram realizadas em pacientes de
origem hispânica, atingindo 36% em 1939.
De acordo com Natalie Lira,
muitos destes pacientes foram admitidos por terem praticado ações consideradas antissociais,
e não porque sofriam alguma deficiência mental.
"No caso dos meninos, se
tratavam de jovens delinquentes, provenientes de famílias desestruturadas, que
haviam sido enviados para as instituições por um juiz. Enquanto que, muitas das
meninas foram colocadas lá por serem consideradas promíscuas, ou porque tiveram
filhos sem estarem casadas", disse Lira.
Outro dado apresentado pelo
estudo mostra que o número de mulheres hispânicas esterilizadas era maior do
que o de homens.
O estudo concluiu que do total
de intervenções realizadas em pacientes de origem hispânica, 61% foram em
mulheres e 38% em homens. Na opinião de Alexandra Stern, o resultado é um
reflexo do preconceito que existia na época contra mulheres de origem mexicana,
que eram acusadas, além de promíscuas, de terem muitos filhos.
E, como destaca a pesquisadora,
muitas das mulheres hispânicas eram de uma classe social baixa e, em muitos
casos, tinham um comportamento que, na época, era considerado socialmente
inaceitável.
A
batalha dos pais
"Foram os pais e mães de mexicanos que
lutaram contra
o programa de esterilização na Califórnia",
diz Alexandra Stren, historiadora.
Um dos fatores que contribuiu
para que as esterilizações fossem realizadas impunimente, é que a lei que
permitia a prática de eugenia na Califórnia não exige o consentimento do
paciente ou de seus familiares. Bastava a justificativa dos responsáveis pelas
instituições psiquiátricas.
No entanto, de acordo com
Alexandra Stern, muitos pais de pacientes de origem mexicana fizeram tudo em
seu poder para evitar que seus filhos fossem esterilizados.
"Foram os pais e mães de
mexicanos que lutaram contra o programa de esterilização na Califórnia. Eles
foram os mais ativos. Eles contataram o consulado mexicano, advogados e
representantes da igreja para tentar impedir que seus filhos fossem
esterilizados", diz Stern.
"Eu acho que tinha a ver
com sua fé religiosa e com a importância que eles davam a família. Além disso,
eles queriam proteger seus filhos do poder de um Estado que era racista. Foi
parte da luta dos mexicanos para que seus direitos fossem reconhecidos na
Califórnia", disse a pesquisadora.
Depois da Segunda Guerra
Mundial, a eugenia e os programas de esterilização perderam o apoio da opinião
pública americana.
Por isso, no início dos anos
50, o número de esterilizações realizadas em estados que adotaram leis de
eugenia diminuíram consideravelmente, e a prática só continuou em alguns
estados como, por exemplo, na Carolina do Norte, até o início dos anos 60.
Na Califórnia foi preciso
esperar até 1979 para que a lei fosse revogada.
"Para mim, é muito
importante revelar os padrões demográficos das esterilizações, mas não devemos
esquecer que por trás de cada esterilização havia uma pessoa, e eu quero, com
os poucos documentos que existem, tentar restaurar a dignidade dessas pessoas e
mostrar como seu direitos civis e humanos foram violados," afirma Stern.
"Você pode facilmente
perder os números, mas como historiadores devemos resgatar as vozes daqueles
que sofreram sob esse sistema", conclui a especialista.
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Fonte: BBC
Brasil
2 comentários:
Pqrabéns pelo blog! simplesmente sensacional!!
gostei muito
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