28 Janeiro 2014[i]
O endividamento público vem
pautando a vida do povo brasileiro sob diversas formas, especialmente a partir
da década de 80. Na medida em que subtrai grande parte dos recursos
orçamentários para o pagamento de juros e amortizações, a dívida pública
prejudica a destinação de recursos para todas as demais áreas sociais, como
mostra o gráfico[ii] a seguir, referente a 2014:
Enquanto a dívida absorverá mais de
42% dos recursos orçamentários em 2014, a saúde ficará com menos de 4% e a
educação com pouco mais de 3%. Os transportes receberão apenas 1% dos recursos
e a segurança pública bem menos: 0,35%.
É por essa razão que um país tão
rico como o Brasil, considerado como sendo a 7a maior economia do mundo, amarga
índices inaceitáveis de miséria, fome, desemprego, precariedade de serviços
públicos e é um dos mais cruéis em concentração de renda. A ONU nos classificou
em 85o lugar no ranking do IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) em 2013. Esse inaceitável paradoxo tem raízes
históricas, mas nas últimas décadas a principal responsável por essa distorção
é a dívida pública.
Os servidores públicos padecem com
esse quadro de injustiças. Além de faltar recursos para investimentos básicos
nos órgãos onde trabalham, os servidores têm sido vítimas de contínuas
retiradas de direitos e os salários não têm sido devidamente reajustados.
Cabe destaque a questão da
previdência dos servidores, tendo em vista que a contrarreforma promovida no
governo Lula a partir de 2003 foi fundamentada em diretrizes ditadas pelo Fundo
Monetário Internacional desde a década de 90, o que mostra a relação direta entre
o endividamento público e as contrarreformas implementadas no país, contrárias
aos interesses da população.
A reforma da previdência de Lula foi aprovada mediante a fraude comprovada pela ação penal nº 470, em processo legislativo nulo, devido à compra de votos, tendo significado um prejuízo irreparável aos servidores públicos ativos, aposentados e também aos pensionistas, pois promoveu:
- Privatização da Previdência
do setor público, mediante a criação de fundo de natureza PRIVADA (FUNPRESP);
- Transformação do Regime de
Solidariedade para um Regime de Financeirização sujeito a regras de mercado;
- Instituição da
obrigatoriedade de “Contribuição” para aposentados e pensionistas;
- Aumento da Idade Mínima para
aposentadoria;
- Redução de pensões;
- Quebra da paridade e
integralidade.
Recentemente a presidenta Dilma
Rousseff regulamentou o funcionamento do FUNPRESP [iii], que poderá vir a ser
um dos maiores fundos de pensão do mundo, caso os servidores venham a aderir a
esse fundo. Nesse sentido, é importante destacar que a natureza desse fundo é
PRIVADA e não há a menor garantia em relação ao recebimento de qualquer
benefício no final, tendo em vista que a modalidade aprovada em 2003 é a de um
plano de contribuição definida. Dessa forma, os servidores sabem quanto terão
que pagar a título de contribuição, mas o benefício é uma incógnita, podendo
chegar a zero.
Durante a crise financeira
deflagrada a partir de 2008 nos Estados Unidos da América do Norte e Europa,
inúmeros fundos de pensão simplesmente deixaram de existir, pois seus
investimentos se baseavam em criativos produtos financeiros sem lastro, os
denominados “derivativos”, que da noite para o dia viraram pó. No Brasil, tem
sido crescente a utilização desses produtos financeiros, bem como o relaxamento
da legislação para a criação e comercialização desses nocivos papéis.
Por isso, é essencial compreender
o funcionamento do mercado financeiro, altamente livre de regulações que garantem
elevadíssimos lucros aos bancos e incalculáveis riscos aos depositantes. Também
é necessário acompanhar o importante debate que vem sendo desenvolvido no
âmbito de importantes entidades sindicais de servidores, demandando o
reconhecimento da nulidade da reforma da previdência de 2003[iv], entre outras
relevantes publicações [v].
Em relação aos salários dos
servidores públicos, cabe ressaltar que enquanto o orçamento 2014 (PLOA 2014)
preserva o privilégio da dívida, a mesma peça prevê uma queda dos gastos com
pessoal em relação à Receita Corrente Líquida, comparativamente a 2013.
O Anexo 5 do PLOA 2014, que inclui
todos os aumentos de gastos com pessoal, prevê R$ 15,380 bilhões para 2014,
sendo R$ 12,541 bilhões para reajuste e alteração de estrutura de carreira, e
R$ 2,839 bilhões para provimento de novos cargos. Entretanto, quase a
totalidade dos R$ 12,541 bilhões se referem à segunda parcela do reajuste de 5%
ao ano, por 3 anos, que não cobre sequer a inflação do período.
De 1995 até 2012, o gasto com pessoal passou por significativa queda,
tanto se compararmos com a evolução da Receita Corrente Líquida como com o PIB,
conforme gráficos:
Tais dados são importantes para
desmentir o falacioso debate de que os servidores públicos seriam os
responsáveis pelos déficits nas contas públicas, quando na realidade o rombo
das contas está na dívida pública, que nunca foi auditada, como manda a
Constituição Federal, há 25 anos descumprida nesse aspecto.
Mais de 6 milhões de brasileiros votaram
durante o grande plebiscito popular sobre a dívida realizado no ano 2000, em
3.444 cidades do país. Uma das questões colocadas naquele plebiscito versava
sobre a exigência da realização da auditoria prevista na Constituição Federal
como pré-requisito para a continuidade dos pagamentos da dívida.
Apesar dessa impressionante
manifestação popular, os poderes públicos nada fizeram, mas diversas entidades
da sociedade civil organizaram a Auditoria Cidadã da Dívida
(www.auditoriacidada.org.br), que vem aprofundando as pesquisas e estudos sobre
o endividamento público, tanto interno quanto externo, mobilizando a sociedade
e cumprindo o papel de manter o tema na pauta dos debates dos trabalhadores.
Uma das principais tarefas já desempenhadas
foi a participação na comissão de auditoria oficial da dívida do Equador,
processo que gerou a redução dos gastos com a dívida, ao mesmo tempo em que
aliviou recursos que permitiram a multiplicação dos investimentos sociais
naquele país [vi].
O que se pretende com a realização
da auditoria da dívida aqui no Brasil é exatamente o mesmo, principalmente
considerando que já foram determinados inúmeros indícios de ilegalidades e
ilegitimidades nas investigações já realizadas inclusive durante a CPI da
Dívida Pública realizada na Câmara dos Deputados[vii]. Não podemos continuar
destinando a maior parcela do orçamento federal ao pagamento de uma dívida
nunca auditada, com fortes indícios de ilegalidades e ilegitimidades, enquanto
faltam recursos para as necessidades sociais básicas da população e para a
garantia dos direitos e da dignidade no trabalho dos servidores públicos
brasileiros. Auditoria já!
[i] Coordenadora Nacional da
Auditoria Cidadã da Dívida www.auditoriacidada.org.br e
https://www.facebook.com/auditoriacidada.pagina
[ii] Os dados correspondem à
versão do Projeto de Lei Orçamentária enviado pelo Executivo ao Legislativo.
[iii] Projeto de Lei no 1992,
transformado em Lei no 12.618, de abril de 2012.
[iv] FATTORELLI, Maria Lucia. É
Nula a Reforma da Previdência
http://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2013/02/Carta-reforma-da-previdencia.pdf
[v] Cabe destaque a
esclarecedora cartilha publicada pelo ANDES/SN, que representa os docentes de
instituições públicas, disponibilizada em:
http://www.auditoriacidada.org.br/wp-content/uploads/2014/01/Cartilha-FUNPRESP-ANDES.pdf
[vi] FATTORELLI, Maria Lucia.
Auditoria Cidadã da Dívida: Experiências e Métodos (2013) Inove Editora,
Brasília.
[vii] http://www.auditoriacidada.org.br/clique-aqui-para-saber-como-foi-a-cpi-da-divida/
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