Em 06/05/2015
Dezenas
de países preparam, em 23/5, protesto contra transnacional que, além de atentar
contra ambiente e agricultores, envolveu-se com submundo da política e dos
exércitos privados.
Por Luã Braga de
Oliveira
Você sabia que existe um Dia
Mundial Contra a Monsanto? Muitos não conhecem a empresa pelo nome, ou talvez
tenham apenas ouvido falar dela, sem saber ao certo seu setor ou
posicionamento. Entretanto, quase todo mundo faz uso contínuo de alimentos a
base dos organismos geneticamente modificados (OGMs) produzidos e vendidos pela
corporação.
O fato é que este ano a Marcha
Mundial Contra a Monsanto ocorrerá no dia 23 de Maio e levará milhares de
pessoas as ruas, por todo o mundo, para protestar contra a atuação e práticas
da corporação. Mas por que existe um dia mundial dedicado exclusivamente à
denúncia deste gigante da agroquímica? O que de tão nefasto representa esta
empresa? Vamos tentar relembrar os principais fatos da trajetória da Monsanto
que a fizeram se considerada pela revista Fortune como “possivelmente a
corporação mais temida da América”. Prejuízos aos pequenos agricultores,
possíveis danos à saúde e meio ambiente, formação de lobby, manipulação de
pesquisas científicas e até a contratação de mercenários são algumas das
polêmicas nas quais a empresa se envolveu ao longo de seus 103 anos de
existência.
A Monsanto é uma multinacional
de alcance global da área de agricultura e biotecnologia. É especializada em
engenharia genética (produção de organismos geneticamente modificados),
sementes e herbicidas. Criada em 1901 como uma companhia novata na área da
engenharia química, aos poucos se tornou a maior empresa do mundo no setor,
fornecendo produtos à base de organismos geneticamente modificados para
gigantes como a Coca-Cola, a Pepsico e a Kraft. Hoje, controla 90% do mercado
de sementes transgênicas do mundo – consagrando-se como um dos maiores
monopólios já vistos. O crescimento da empresa foi vertiginoso. Recentemente,
ela adquiriu diversas empresas na América do Sul e no Leste Europeu, dominando
consistentes fatias de mercado em países como Argentina, México e Brasil – onde
está presente há quase 60 anos.
Este crescimento tem
representado uma ameaça real à sobrevivência de pequenos produtores em todo o
mundo. Em seus contratos de venda de sementes, a Monsanto prevê que os pequenos
produtores não poderão guardar nenhuma semente e são obrigados a permitir que a
empresa vistorie suas plantações a qualquer momento. Além disso, as sementes
geneticamente modificadas são apenas tratadas com os herbicidas vendidos pela
própria companhia, fato que condiciona os agricultores à dependência. De todo
modo, os impactos dos produtos geneticamente modificados comercializados pela
Monsanto vão além da esfera socioeconômica.
Um estudo de 2009 do Journal of Biologycal Science¹ mostrou
que o consumo do milho proveniente da semente geneticamente modificada pode
produzir efeitos negativos em órgãos como os rins e o fígado. Outro estudo,
publicado em 2012 na Food And Chemical
Toxicology², constatou que ratos submetidos a uma dieta à base de
organismos geneticamente modificados morrem mais rápido e são mais propensos ao
desenvolvimento de câncer. Para chegar a esta conclusão, cientistas
administraram em 200 ratos, durante dois anos, três dietas distintas: uma à
base de milho convencional, outra a base do milho transgênico NK603 e outra a
base do NK603 tratado com o herbicida RoundUp. Tanto o milho transgênico NK603
como o herbicida RoundUp (o mais utilizado do mundo) são pertencentes à
Monsanto. O resultado foi a morte acelerada de parte dos ratos e o aparecimento
de tumores enormes naqueles cuja base da dieta fora o milho transgênico NK603,
da Monsanto.
A pesquisa divulgada pela Food And Chemical Toxicology gerou
controvérsias. Enquanto recebeu o apoio de diversos cientistas pelo mundo,
alguns a criticaram, afirmando que houve viés na metodologia, o número de ratos
fora inadequado e aquele tipo de rato de laboratório já possuía propensão ao
desenvolvimento de tumores. Após forte pressão, a revista cedeu e, um ano
depois, anunciou a retirada do estudo por ela publicado. A decisão, todavia,
não agradou ao principal autor da pesquisa – o diretor científico do Comitê
para Investigação e Informação Independente sobre Engenharia Genética da
França, Gilles-Éric Séralini. O cientista reafirmou que a pesquisa não continha
fraudes e que, caso a revista insistisse em sua decisão de retirar a
publicação, iria acioná-la judicialmente por danos morais. A despeito da
pesquisa de Séralini, outras pesquisas ao longo das décadas já confirmaram em
condições similares os efeitos dos organismos geneticamente modificados sobre a
saúde humana. Além disso, as empresas que controlam o setor – sobretudo a
Monsanto – possuem altos níveis de poder acumulado, que lhes permite interferir
em pesquisas e políticas públicas por meio da formação de lobby para benefício
de seus produtos.
Dessa forma, o poder econômico
acumulado pela Monsanto lançou as bases para um acúmulo significativo de poder
político. Executivos da Monsanto foram posicionados em cargos estratégicos do
governo dos Estados Unidos — dentre eles, a Agência de Proteção Ambiental
[“Environmental Protection Agency”, EPA], o ministério da Agricultura [U.S.
Departament of Agriculture”, USDA] e o Comitê Consultivo do Presidente Obama
para Política Comercial e Negociações. A Monsanto ainda posicionou funcionários
em cargos estratégicos em universidades pelo mundo, dentre elas a South Dakota
State University, o Arizona State’s Biodesign Institute e a Washington
University. Desde 1980, políticas federais americanas têm incentivado
instituições públicas de ensino a produzir pesquisas nas áreas agrícola e de
biotecnologia em parceria com empresas privadas. Em consonância com esta
política, a Monsanto tem inundado instituições públicas de ensino com
investimentos. Em troca, tem seus produtos protegidos e fortalecidos por um
arcabouço de pesquisas técnicas e científicas com viés favorável.
Além de cargos no governo e na
academia norte-americana, executivos da Monsanto posicionaram-se em cargos em instituições-chave
para política alimentar e científica de seu país ou de âmbito internacional,
como o “International Food and Agricultural Trade Policy Council”, o “Council
for Bitechnology Information”, a “United Kingdom Academy of Medicine”, a
“National Academy of Sciences Biological Weapons Working Group”, a “CropLife
International” e o “Council of Foreign Relations”.
Naturalmente, as posições
privilegiadas alcançadas pela Monsanto renderam-lhe excelentes retornos. Em
1993, a Agência para Alimentação e Medicamentos [Food and Drug Administration”,
FDA] dos EUA aprovou o uso de um produto denominado “Hormônio de Crescimento
Bovino” [Recombinant Bovine Hormone, ou rBGH]. Desenvolvido pela Monsanto,
trata-se de uma droga hormonal injetada em vacas de modo a incentivar a
produção de leite. O rBGH foi a primeira substância geneticamente modificada
aprovada pelo FDA.
A aprovação foi no mínimo
controversa. Estudos apontaram que o rBGH produziria sérios impactos na saúde
física e psicológica das vacas. O mais comum deles, a mastite bovina, é tratada
com base na administração de antibióticos. A exposição constante das bactérias
aos antibióticos contribui para a criação de bactérias resistentes que podem
infectar seres humanos. Além disso, alguns estudos também apontaram que o
consumo do leite com resíduos do hormônio aumentaria o risco de desenvolvimento
de câncer de colo, de mama e de próstata. A substância é proibida nos 27 países
da União Europeia, mas graças ao poderoso lobby da Monsanto nos EUA sua
utilização é liberada – o que também ocorre no Brasil…
Após a aprovação do uso do rGHB
pelo FDA, funcionários ligados à Monsanto que trabalhavam na FDA foram
investigados pelo Escritório de Prestação de Contas do Governo [Government
Accountability Office” (GAO)] por formação de lobby. O GAO investigou os
executivos Michael Taylor, Margaret Miller e Suzanne Sechen. Os três funcionários
tiveram ativa participação no desenvolvimento da droga e, posteriormente,
exerceram funções na FDA, tornando-se responsáveis pela avaliação e aprovação
do produto que ajudaram a desenvolver. Ao fim da investigação, o GAO concluiu
que não havia dispositivos legais para incriminar os envolvidos e que não havia
provas cabais de conflitos de interesses no caso.
Em 2012, a empresa opôs-se à
chamada Proposition 37 – apelidada pelos americanos de Iniciativa pelo Direito
a Saber [Right to Know initiative]. A iniciativa propunha-se a promulgar, no
estado da Califórnia, uma lei obrigando as empresas que vendessem produtos à
base de ingredientes geneticamente modificados a neles instalarem rótulos
visíveis alertando para tal fato, evitando assim a venda destes produtos como
naturais. Esta iniciativa, no entanto, não passara incólume pelo imenso poder
de barganha das grandes indústrias do setor, sendo a Monsanto sua
“ponta-de-lança”. Empresas como Nestlé e Mars Inc. despejaram mais de 370 mil
dólares em campanha contra o projeto. Só a Monsanto despejou, sozinha, 8,1
milhões de dólares em campanhas contra a iniciativa, estabelecendo-se como
doadora majoritária em uma campanha que totalizou 45 milhões de dólares
arrecadados de diversas empresas envolvidas na derrubada da proposta. É claro
que com todo este empenho a iniciativa não prosperou e os californianos não
conquistaram o direito de saber a procedência do alimento estão ingerindo.
No Brasil, a Câmara dos
Deputados aprovou, em 28 abril deste ano, por ampla maioria o Projeto de Lei
4.148/2008³, de autoria do deputado ruralista Luiz Carlos Heinze (PP-RS), que
ao contrário da legislação vigente (baseada na Lei 11.105/2005) propõe a não
obrigatoriedade da rotulagem de alimentos a base de OGMs.
Para além das polêmicas e
controvérsias citadas até agora, a Monsanto ainda guarda em sua história
íntimas relações com o poder militar. É fato público e conhecido o fornecimento
do famoso Agente Laranja lançado nas plantações do Vietnam pelas forças armadas
norte-americanas que guerreavam para manter o país sob dominação. As
consequências, entre as populações que serviram de alvo, foram sentidas por
muitos anos. O que pouco se sabe é que há indícios de ligações da Monsanto com
forças militares mercenárias. A empresa contratou serviços de espionagem de
empresas ligadas a conhecida antiga Blackwater (agora XE) – uma das maiores
companhias militares privadas do mundo. Segundo documentos obtidos pela revista
The Nation a empresa usou de serviços oferecidos por
duas empresas de espionagem – “Total Intelligence Solutions” e “Terrorism
Research Center” – cuja propriedade é do dono e fundador da XE, Eric Prince. Os
documentos apontam que entre os serviços prestados à Monsanto por estas
empresas estão a infiltração de espiões em movimentos sociais, ONGs e entidades
protetoras dos animais e de combate aos transgênicos. Alguns sugerem que esta
relação da Monsanto com empresas de espionagem explique o misterioso vírus que
atacou os computadores de ativistas da organização “Amigos da Terra” e da
“Federação para o Meio Ambiente e Proteção à Natureza” da Alemanha. O ataque se
deu no contexto de apresentação de uma pesquisa realizada por estas entidades
sobre os efeitos da substância glisofato no corpo humano. O glisofato é base de
um dos produtos mais rentáveis vendidos pela Monsanto – o herbicida RoundUp. A
empresa afirmou que não teve e jamais teria envolvimento no fato.
O histórico e a atuação da
Monsanto no seu setor, considerando todas as polêmicas e controvérsias nas
quais a corporação se envolveu, trazem à tona o necessário debate acerca dos
custos e benefícios envolvidos no desenvolvimento de organismos geneticamente
modificados. Se por um lado a biotecnologia e a agroquímica trouxeram crescente
otimização da produção e distribuição de insumos, é necessário refletir acerca
das consequências do uso destes insumos, da garantia da liberdade de pesquisa
com relação a seus efeitos e principalmente das consequências da extrema
concentração deste mercado nas mãos de pouquíssimas corporações. Afinal de
contas, como dito, não é todo dia que uma empresa ganha um Dia Internacional de
protestos contra si.
A maior parte das informações
aqui relacionadas pode ser encontrada no relatório “Monsanto: A Corporate
Profile”, da ONG Food & Water Watch. Além disso, o portal “Esquerda.net”
possuiu um dossiê completo da empresa e sua atuação pelo mundo. Para os que
preferem material audiovisual, existe uma série documentários que tratam de
maneira crítica da questão dos transgêncios e das poderosas corporações do
setor. São alguns deles eles: “Food Inc”, “The future of Food”, “El Mundo Según
Monsanto” e “Seeds of Free”. O site oficial da Marcha Mundial Contra a Monsanto
pode ser acessado em: http://www.march-against-monsanto.com/.
REFERÊNCIAS
Leia também: