John Kennedy Ferreira*
“Mas Bonaparte que se apresenta em público, perante os cidadãos, com frases oficiais sobre a ordem, a religião, a família e a propriedade, trazendo atrás de si a sociedade secreta dos Schufterle e Spiegelberge, a sociedade da desordem, da prostituição e do roubo – esse é o verdadeiro Bonaparte” (K. Marx – 18 Brumário de Luís Bonaparte)
A ação no Pinheirinho, Geraldo Alckmin, rompeu o pacto federativo. É a primeira vez que isso ocorre desde 1988, isso não é um gesto impensado, é um cálculo político.
Alckmin visou demonstrar uma fala (e aparato) forte e coeso frente aos movimentos sociais proletários (ou não) e ao governo federal “dúbio” da presidente Dilma Roussef. Visou mostrar que São Paulo não é “qualquer lugar” da federação, “onde ocorre o que quer”: aqui “tem lei, aqui tem ordem”.
Esse discurso forte atende as demandas imediatas das várias frações das classes médias, das pequenas e baixas burguesias (comercial e especulativa em especial), que precisa de um Estado livre e desregulamentado para seus negócios e acumulação. Esse discurso abarca setores das altas burguesias (exportadora, importadora, financeira, industrial e agrária associadas), que vê o fluxo de seus negócios ameaçados com a crise endógena e exógena de curto e longo prazo relacionados ao “mal estruturado” mercado interno.
Esse discurso questiona e responde a busca de novos caminhos e de nova composição orgânica dos interesses do Estado através da construção civil, commodities, bancos nacionais, fundos de pensão, indústria local e associada ao capital chinês, hindu, russo, francês e espanhol. Atende ainda, a psicologia política de uma tradicional classe média que tem seu status quo ameaçado pelo ascenso de novas camadas.
A ação no Pinheirinho (e cracolândia) foi um balão de ensaio, mostrando que ele, Alckmin (em meio a crise do PSDB e a liquidação do PFL-Dem) se coloca na condição de liderar uma reorganização do pensamento conservador e mesmo uma potencial “guinada” à direita. Cabe lembrar: não é a primeira vez que na instável história institucional brasileira que um político –medíocre- tenta capitalizar uma crise política, econômica ou de identidade nacional. Essa faz parte de um vasto repertório político dos setores conservadores. Ações como Canudos ou a Marcha com Deus... são parte desse corolário. Essa teatralização da política, desnudada em seu potencial simbólico no clássico Dezoito Brumários de K Marx, ganha cores vivas e gente morta nas valas do Pinheirinho, Cracolândia e de outros rincões pobres de São Paulo (e Brasil).
Ao fim e ao cabo, a quebra do pacto federativo é uma sinalização séria e não pode ser restrita ou pensada apenas aos marcos “do privilégio” à propriedade privada, como tem sido comum nas análises economicistas, movimentistas, sindicalistas ou técnica burocrática.
Está inserida nas relações que envolvem a crise global e os destinos das classes sociais do país e na composição do Estado. Ou seja, temos uma sinalização – através de uma potencial guinada à direita e a construção de uma psicologia social para legitimar essas ações das quais os constantes “incêndios” em favelas que podem ter o terrenos valorizados pela Copa, ações pesadas contra o funcionalismo e a esfera pública, ações contra o MST – como a prisão do líder moderado, Zé Rainha- a perseguição aos estudantes e funcionários da USP, a violação dos direitos individuais como na cracolândia, as matanças desencadeadas pelas policias paulistas e etc. São parte dessa psicologia política e um sério movimento de peça no tabuleiro da política paulista e brasileira.
Se a autonomia de ação do governante de São Paulo ganha ares de espetáculo, outros importantes personagens da política das classes altas mantêm reservas e prudência nos comentários. Estão cautelosos, vem obtendo amplos lucros com as políticas centrais e pouca contestação pelos de baixo (alentados pela tímida distribuição de renda). Alguns sinalizam para o risco de politizar gestos técnicos, o que traduzindo é o risco e o medo de trazer para a cena um importante (e ausente) personagem: o proletariado. Mas há os que compreendem o gesto de Alckmin como a leitura de que os “dias felizes” das classes dominantes brasileiras estão chegando ao fim com a crise. O que significa: redução de lucros, política de austeridade e corte de gastos sociais, e assim agitação política e social. Este novo cenário exigiria um governo a altura das necessidades para evitar colapsos políticos como na Grécia de Papandreu ou na Espanha de Zapateiro. Logo 2014, começa agora!
Esse novo contexto pauta as esquerdas e a outros setores da sociedade democrática: a necessidade de construção de ações pela defesa da democracia e pela manutenção do estado de direito no primeiro momento, e o avanço das medidas sociais no segundo.
As ações de Alckmin (escudados pelos prefeitos de São José dos Campos, Eduardo Cury e de São Paulo, Gilberto Kassab), receberam uma importante resposta da sociedade, que num período menor que um mês mobilizou manifestos, artigos, reportagens independentes, vídeos, shows, atos litúrgicos, charges, fotos, declarações, audiências, protestos, relatórios dos direitos humanos, inclusive na ONU...
Destacam-se nessas ações, as realizadas na Cracolândia, Moinho, a resistência valente no Pinheirinho e o ato no aniversário de São Paulo com a convergência desses e mais alguns movimentos sociais, possibilitando a construção de uma teia de solidariedade que há anos não se via em São Paulo.
Somou-se nessas ações: estudantes, artistas, senadores, parlamentares, religiosos, humanistas, profissionais liberais, sindicalistas, ONG’s, intelectuais, juristas, movimentos de direitos da população de rua, de saúde mental, de moradia... e as mais variadas correntes de pensamento democrático social e de esquerda.
Se a reação as políticas proto-fascistas de Alckmin (e de seus pares menores Gilberto Kassab e Eduardo Cury), potencializou uma ampla aliança social, os avanços e os recuos dessa aliança só podem ser determinados pela capacidade de articulação existente entre os movimentos e as organizações políticas ali organizadas.
A construção de uma pauta mínima onde os movimentos da sociedade apresentem limites do “não aceitável” num Estado de Direito Democrático é o primeiro ponto. Este, está centrado nos parâmetros da constituição, nas políticas e nas leis de seguridade social (Suas), na garantia de que haja atendimento digno e com medidas técnicas a altura das necessidades humanas aos historicamente vitimados pela exclusão social. A ruptura desse parâmetro constitucional pelo Governador Geraldo Alckimin, legitima a medida estudada por juristas e apresentadas por movimentos de seu impeachment.
O segundo ponto é sobre as necessárias reformas e planejamento do Estado. Há um consenso entre os movimentos sociais que as reformas agrária, urbana, demográfica, política e educacional são grandes agendas da sociedade e necessidades para superar a herança e o atraso colonial. A questão que se coloca é: quem são os protagonistas dessa ação política?
Há concepções que visualizam no ritmo eleitoral e na recomposição paulatina do Governo e do Estado o móvel central dessa ação. Há movimentos que observam que os verdadeiros interessados (apoiados pela ação de Governo e do Estado - ou não -) são o centro da política.
Estas questões são as grandes diretrizes a serem debatidas, sem as quais os movimentos continuarão debilitados em sua capacidade de constituir uma plataforma prática.
O fato de termos na atitude do governador Alckimin, um novo elemento na política é também um alerta a este necessário debate. Permite-nos continuar unidos em torno das bandeiras democráticas e de atos práticos, garantindo que o movimento plural firme um limite a movimentos anti-democráticos e ao mesmo tempo, garanta que a singularidade de cada movimento, desenvolva as medidas que devam ser firmadas cultural e politicamente na sociedade e no Estado.
*John Kennedy Ferreira, sociólogo e professor, militante da Refundação Comunista – Brasil.
Fonte:
PSOL