Pesquisar este blog

domingo, 30 de junho de 2013

QUE PATRIOTISMO É ESTE?


  Rubens Mascarenhas
In: Canibal de mim mesmo (1994)

Que patriotismo este?
Que se esbalda em alegria
Com o rolar de uma bola
Mas que não grita, pula ou chora
Com a fome que abate seu compatriota?

Que patriotismo este?
Que se agita eufórico ao grito de gol
Mas que se cala complacente
Ante a corrupção indecente
Que tanto envergonha a sua pátria?

Que patriotismo este verde-amarelo
Que, entre casebre e castelo,
No enxerga esta anemia nacional
Que empalidece a sua nação?

 Que patriotismo este?

A Globo na imprensa mundial - Argentina


Vale a pena ver o que Rede Globo - e suas congêneres – fazem no Brasil. O deprimente papel de um jornalista – Arnaldo Jabor – que mostra a alienação de seu triste trabalho e de seu nefasto papel a serviço da (des) informação e o quanto é pseuda sua criticidade. Lamentável e triste biografia, que poderia ter outro registro. Como todos que não são bobos, engrossamos o lema: "abaixo a Rede Globo"!

sábado, 29 de junho de 2013

O PT mudou sua inserção de classe

Já se passaram dez anos: sair da perplexidade e unificar as lutas*


Lúcio Flávio Rodrigues de Almeida**

Nas eleições de 1989, o presidente da poderosa FIESP (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) declarou que a vitória de Lula provocaria a saída de 800 mil empresários, o que alguns entenderam como a senha para um golpe de Estado. Na de 1998, o megaempresário Antônio Ermírio de Moraes advertiu que uma vitória do exoperário sobre Fernando Henrique Cardoso seria o equivalente a uma bomba de hidrogênio explodir no Brasil.
Quatro anos depois, Luís Inácio Lula da Silva se elegeu e, em seguida, governou o Brasil por dois mandatos (2003-2010). Nenhuma bomba caiu, nenhum empresário saiu. O que mais reclamou foi José de Alencar Gomes da Silva, o vicepresidente da República. Concluído o duplo mandato, a Microsoft gostou e levou Lula para participar, na capital dos EUA, do Fórum de Líderes do Setor Público da América Latina e Caribe. A grande imprensa brasileira detesta, mas o New York Times acaba de convidar o ex-presidente para escrever uma coluna mensal sobre assuntos que vão de política internacional a combate à pobreza.
Lula tem origem operária, a qual também esteve presente, embora não sozinha, no processo de criação do PT. Mas este partido e seu principal líder chegaram ao governo fundamentalmente comprometidos com a reprodução da dominação burguesa.
Diferentemente do Manifesto do Partido Comunista, onde burgueses e proletários vão às turras, durante os governos Lula se implementou uma política que recebeu o progressivo apoio, claro que diferenciado, de um extraordinário leque de classes e frações de classe – desde o semiproletariado à grande burguesia bancária; de trabalhadores sindicalizados a dirigentes com um pé nos sindicatos e o outro pé e as mãos à testa de fundos de pensão; de lideranças agronegocistas a movimentos de sem-terra.

**Professor do Departamento de Política da PUC-SP.
Fonte: Marxismo21



* A primeira versão deste ensaio foi recebida pelo blog em maio de 2013. Posteriormente, o texto foi reenviado com apenas correções de redação. 

Duas estratégias: Unir a esquerda para avançar as mobilizações, ou para proteger o governo Dilma?

Foto: Outras Palavras
Valerio Arcary

Todos juntos nessa luta pela unidade popular,
Mas, se estamos todos juntos,
contra quem vamos lutar?

                                                   Versos cantados por delegados da esquerda socialista  no Congresso da UNE, em resposta à moção que defendia a estratégia de unidade da toda a oposição à ditadura militar, sob a liderança da burguesia liberal que se expressava através do MDB de Tancredo e Montoro, contra a unidade operária- estudantil.

       O ataque dos fascistas contra a esquerda produziram uma reação extraordinária durante a última semana. A defesa do direito da esquerda de ir às ruas levantando suas bandeiras vermelhas uniu muitos milhares de jovens nos últimos dias, por todo o país, em uma mobilização unitária, entusiasmada, e lúcida.

                          A unidade da esquerda nas ruas foi emocionante
      As fotos da assembléia-monstro no Largo São Francisco no Rio de Janeiro para preparar o dia 27 e a ida ao Maracanã no dia da final da Copa emocionaram a esquerda, profundamente, em todo o Brasil. Processos semelhantes se repetiram, em formas variadas, mas com o mesmo conteúdo, em Belo Horizonte, Porto Alegre, Fortaleza, Belém, e Recife, entre muitas outras cidades menores. Surgiu do enfrentamento do dia 20 de junho com os fascistas um poderoso sentimento fraterno de que precisamos nos unir para vencer. Isso foi magnífico.
       Estamos diante da urgência da política. Os dias agora valem por meses, as semanas por anos. Tudo se acelerou. O debate aberto na esquerda pelas mobilizações das últimas três semanas coloca na ordem do dia um dilema: a esquerda precisa se unir para poder ajudar o movimento da juventude a avançar na direção de novas vitórias, sob pena de perder uma oportunidade histórica de transformação do Brasil. Uma janela de oportunidade que não se abre com facilidade. A divisão da esquerda repercutirá de forma dramática sobre as possibilidades da luta em curso, porque está aberta uma disputa sobre o destino do combate de milhões. Esses milhões estão em luta porque têm pressa.

                         Um debate de estratégia é incontornável
      Não obstante, isso não deve nos inibir de dizer que, infelizmente, existem dois grandes campos políticos na esquerda, hoje no Brasil, que remetem a um dilema de estratégia, e que vai se expressar em polêmicas táticas de todo o tipo. Estes campos têm diferenças irreconciliáveis.
   Sendo assim, é melhor debater as estratégias. Porque é mais educativo. As questões mais de fundo, que remetem ao tema da atitude diante do poder, são inescapáveis. As diferenças não são artificiais, não são produto de exageros sectários. Não são pequenas escaramuças, miúdices, picuinhas, . Estes campos são maiores que os partidos de esquerda. Porque são muitas dezenas de milhares de ativistas que se interrogam sobre qual deve ser o caminho a seguir. A imensa maioria não têm militância partidária. Comprendem a gravidade da situação. Têm boas razões para estar preocupados.

                                  Dois campos em disputa
       Em um campo estão aqueles que compreendem que a mobilização pelas reivindicações deve avançar, tendo a prioridade de unificação com os trabalhadores, ou seja, a preparação de um dia de greve geral para 11 de julho. Este campo afirma que para lutar contra os os empresários do transporte urbano, os banqueiros, os fazendeiros do agro-busness, a FIESP, não é possível dar trégua a nenhum governo.
       A nenhum significa isso mesmo, a nenhum, nem a Dilma. Depois de dez anos, ficou claro que os governos liderados pelo PT em aliança com partidos burgueses estão mais comprometidos com a preservação do pagamento da dívida pública, do que com os transportes públicos, a educação e saúde públicas. Sem romper com o pagamento da dívida pública, de onde viriam as verbas para os investimentos necessários à implantação, por exemplo, do passe livre?
       Os que nos colocamos nesta posição queremos ajudar a juventude nas ruas a continuar ocupando as avenidas com as reivindicações que ela mesma foi forjando pela sua experiência prática: conquistar o passe livre, desmilitarização das PM’s, mais verbas para educação e saúde, punição dos corruptos. E queremos agregar as reivindicações que respondem às necessidades do proletariado: o aumento dos salários e a redução da jornada de trabalho, por exemplo, ou a anulação da reforma da previdência, e a suspensão dos leilões de privatização do petróleo do pré-sal, e tantas outras.
      Os termos do dilema, que é sempre uma escolha difícil são, portanto, terríveis, mas claros: Dilma está disposta a romper com o PMDB? Porque atrás do PMDB estão as empreiteiras com contratos milionários para a construção das grandes obras e estádios, por exemplo. E a esquerda que apoia o governo, ainda que criticamente, como as várias tendências internas do PT, o PCdB, a Consulta Popular, ou o MST, se Dilma não atender às reivindicações, e não romper com o PMDB e os ouros partidos burgueses, estão dispostas a romper com Dilma?
       Em outro campo estão aqueles que consideram que é preciso unir a esquerda para defender o governo Dilma, porque o maior perigo seria a desestabilização do governo liderado pelo PT, ou até do regime democrático. Estão, podemos admitir, comprometidos em fazer exigências ao governo Dilma. Exigências para que Dilma abra negociações com as reivindicações das massa em luta. Exigências para que o PT no governo não capitule diante do PMDB de Michel Temer e Sérgio Cabral. Ou exigências para que o PT fora do governo não capitule aos ministros do PT que aconselham moderação a Dilma. Em resumo, estão engajados em  pressionar o governo Dilma, mas não estão dispostos a romper com ele. E reafirmam que não era possível antes de junho, e continua não sendo possível, mesmo depois de milhões nas ruas, construir uma esquerda à esquerda do governo Dilma.
      
                                      É preciso lutar, é possível vencer
     Qual estratégia é o melhor caminho para vitórias populares? Qual estratégia irá prevalecer? Qual dos dois campos tem uma melhor apreciação do que está em disputa, e a melhor orientação para transformar o Brasil? Seria estupendo, realmente, fantástico, se as mobilizações de jovens e trabalhadores fossem o bastante para exercer uma pressão de classe suficiente para impor uma frente única de toda a esquerda. Essa é a vontade dos ativistas, é a vontade de todos os que sabemos contra quem lutamos. Porque para vencer, o mais elementar é saber contra quem lutamos. Saber quem são os amigos e quem são os inimigos.
      Infelizmente, nunca é assim. A pressão das lutas não é o bastante. Outras pressões políticas que, em uma interpretação de classe, respondem a pressões das classes inimigas dos trabalhadores se abatem, também, sobre a esquerda. Diante de grandes acontecimentos, ensina a experiência histórica, algumas correntes de esquerda, que mantinham posições muito distantes umas das outras, se aproximam. E outras, que estavam próximas, se afastam. Em outra etapa da vida política brasileira se apresentou, dramaticamente, o mesmo dilema para a esquerda. Com quem nos unirmos, para lutar contra quem? Ou, enunciando de outra maneira, independência ou colaboração de classes?
A polêmica do final dos anos setenta e início dos oitenta
     Em 1979/79, quando uma nova situação se abriu no Brasil, colocou-se um problema de estratégia política chave. Qual deveria ser a orientação para acelerar a derrota da ditadura militar? Estava ficando cada dia mais claro, depois das greves metalúrgicas do ABC, das greves de professores, de bancários e outros setores da classe trabalhadora, que era possível construir nas ruas uma mobilização de massas para derrotar a ditadura. A classe dominante estava, crescentemente, dividida, entre uma maioria que aceitava a abertura lenta e gradual, ou seja, uma transição para um regime democrático-eleitoral negociada com os militares, e aqueles que resisitiam, porquee temiam, em função do medo das classes populares, a ampliação das liberdades democráticas. As classes médias tinham rompido, majoritariamente, com o regime. A classe trabalhadora começava a se mexer e a ganhar confiança em sua capacidade de luta.
    A esquerda que vinha se fortalecendo nas lutas estudantis e na reorganização do movimento dos trabalhadores se dividiu em dois campos. De um lado, principalmente, o PCB, o PCdB, o MR-8, defendendo a unidade das oposições. O que significava que o monopólio da liderança política na luta contra a ditadura ficava nas mãos do PMDB. Ninguém deveria disputar com Ulysses e Tancredo a condição de porta voz das oposições. Acontece que a liderança do PMDB temia mobilizar as massas contra a ditadura, e aceitava o calendário eleitoral imposto por Geisel e Figueiredo. O PMDB não estava disposto a mobilizações de massas, porque sabia que o perigo era a entrada em cena dos trabalhadores, com sua força social de choque, seus métodos e suas greves. E o PMDB era um partido com apoio, essencial e primeiramente, empresarial.
    No outro campo estava a esquerda que se uniu em torno do projeto que nasceu das greves operárias, e das manifestações estudantis, e levou à fundação do PT em 1980, e da CUT em 1983. Este campo se posicionava contra uma transição negociada, e lutava pela derrubada da ditadura, não por uma transição negociada. Lutava pela perspectiva de um deslocamento da ditadura pelas lutas, não em conchavos no Congresso Nacional. O PMDB era o partido da oposição institucional, o PT era o partido da independência dos trabalhadores, que não aceitava que a maioria proletária continuasse a ser massa de manobra entre diferentes alas da classe dominante. Os moderados de esquerda argumentavam exatamente como agora: não é possível ultrapassar Ulysses e o PMDB pela esquerda. A luta provou que eles estavam errados. Foi porque o PT chamou às ruas e começou a campanha das Diretas já no Pacaembu que o PMDB, ainda que dividido se mexeu. O drama atual é que a maioria daqueles que foram os radicais em 1980/83, agora são os moderados. De incendiários, viraram bombeiros.

    O dilema de estratégia que se coloca agora, trinta e cinco anos depois, no entanto, é o mesmo. O papel da esquerda deve ser o de ajudar a juventude e os trabalhadores a construir um campo independente? Ou ela deve se resignar a ser um vagãozinho atrelado ao trem que é dirigido por uma ala da classe dominante contra outra ala? Só podemos escolher entre o governo Dima ou um governo da direita? Ou esta onda de lutas pode ajudar a nova geração a retirar conclusões políticas e ir além? Não é possível pensar em um poderoso campo de oposição de esquerda, que permita ir além do reformismo quase sem reformas dos dez anos dos governos Lula e Dilma? Qual o caminho para avançar na direção da revolução brasileira? 

sexta-feira, 28 de junho de 2013

Primeira reunio de representantes dos movimentos que se manifestam e o governo federal


Na periferia, as balas são de verdade

A Comissão da Verdade, para sair de sua condição atual de "meia-verdade" deverá investigar os assassinados perpetrados pelo Estado também hoje, punindo a Polícia Militar e governantes envolvidos nesses crimes (são ações criminosas que ceifam vidas, inclusive de quem nenhum envolvimento direto tem nas ações). (Almoço das Horas).

POR WEDENCLEY ALVES
27/06/2013

Chacina na Maré relembra mortos esquecidos pelas Comissões da Verdade. É hora de saber quem realmente merece ser ouvido

Por Wedencley Alves

Desde segunda-feira, a polícia vem demonstrando sua costumeira violência no complexo da Maré. Resultado: sete mortos (até agora, às 11h do dia 25/06). Mas sempre foi assim. Há algum tempo está pronta para ser escrita a genealogia da “violência urbana estimulada” no Brasil.

Desde seu alvorecer, a ditadura (militar e civil, é bom que se frise) e seus aliados foram complacentes e até fomentaram os grupos de extermínio, cujo modelo é a Scuderie Lecqoc, famosa e aplaudida até os anos 70. Seguiram-se outros “esquadrões da morte” e “polícias mineiras”, para controle dos que incomodavam o desenvolvimento conservador e concentrador do regime de exceção.

Vejam nas figuras abaixo: a caveira “oficial” do Bope e a “extra-oficial” da Rota fazem parte de uma longa memória discursiva brasileira.



Os perseguidos políticos não foram as maiores vítimas (quantitativamente). Aliás, promovendo expulsão do campo e concentração urbana, o regime literalmente encurralou pessoas nas favelas e periferias, sob a ponta do fuzil. Não vejo comissões da verdade para este fato: a origem da nossa cultura urbana de violência extrema.

O mesmo aconteceu nos anos 80, quando a Rota em São Paulo fez a fama. Nos anos 90, o ex-governador do Rio, Marcelo Alencar, por exemplo, condecorou o morticínio, na chamada “Gratificação Faroeste”. Ao menos 200 mortos. Em entrevista com um coronel da PM, ouvi dele: “Colegas meus escolhem uns pretos, atiram, registram como resistência e ganham medalhas”.

Esse coronel estava enojado e resolvera denunciar na imprensa alternativa, justamente porque ninguém queria publicar na imprensa tradicional. Mídia e PM aliadas. Mas também bons jornalistas – como Caco Barcellos, que denunciara 3 mil mortos em SP, sem passagem pela polícia, e Carlos Nobre, com sua denúncia sobre mortes no Rio. E bons policiais – como os coronéis Ivan Bastos e Carlos Magno Nazareth Cerqueira, este assassinado, por não compactuar – furaram o bloqueio e trouxeram luzes para o que estava acontecendo.

Ainda nos anos 90, tivemos a demonstração lúgubre da insensatez do Carandiru – ação que até hoje muitos defendem. Mas o pior estaria por vir em 2006. Em maio, depois da balbúrdia do PCC, vingativa, a polícia de SP sai às ruas para caçar bodes expiatórios: 400 mortos, em quatro dias, sem qualquer ligação com o crime, muitos deles menores de idade.

No Brasil, historicamente não é a guerra a continuidade da política por outros meios, mas a opressão, o racismo e o preconceito de classe e região, a continuidade da escravidão por outras formas. Os chicotes de ontem são os fuzis de hoje. Bem piores, como se pode ver.

Tudo com o beneplácito de quem hoje se diz espantado. Como se os 60 mil mortos em uma década tivessem ocorrido em outro país.

Em parte, o aprofundamento da violência, que se acentuou nos anos 90, se deu graças ao que já foi teorizado pela criminologia crítica como o mais grave efeito social do neoliberalismo: o surgimento do Estado centauro, liberal apenas para quem pode, o governo penal da miséria. Este é um debate que surge em países desenvolvidos. Ora, não precisamos ser neoliberais para sermos tão trogloditas. Somos vanguarda. Antecipamos a tendência.

A força política da classe média (vide grande mobilização recente contra as balas de borracha) nunca foi usada contra o extenso currículo da política de eliminação sumária de vidas que importunam. Podemos dizer: seguramos as armas, para os policiais apertarem os gatilhos. Nenhum governo, principalmente os estaduais, responsáveis diretos pela violência, se sustentaria, se tais mortes causassem alguma comoção.

Um amplo debate está para ser estimulado em nível nacional, embora o responsável direto por estas políticas de violência sejam os estados. Não nos deixemos enganar. Os grupos de estudo não bastam. As ações pontuais do Ministério da Justiça são interessantes, mas não bastam. O aprofundamento e o estímulo à pesquisa na área, que aumentou em muito, também não bastam.

Por outro lado, é a primeira vez em décadas e décadas (talvez desde Getúlio), que a população mais pobre e miserável tem alguém que olhe por ela (no seio de uma politica de Estado). Isso faz dez anos. Daí a necessidade de distinguir as vozes que se dizem indignadas.

Os mesmos que ontem se enojavam em pagar melhor empregadas domésticas, que acham que programas sociais são desperdício de dinheiro, que acreditam que mais diversidade nas universidades é “perda de qualidade”, estão assanhados em capitalizar as balas de borracha. E, quiçá, as balas de fuzil.

Só há um percurso que devemos respeitar: quem chorou pelos mortos de antes, quem se importunou com o preconceito, quem defende a continuidade dos programas sociais, e quem nunca desdenhou de pessoas, qualquer que seja a origem, a cor da pele, e o nível de renda.

Todo o resto deve ser ignorado: indignados de última hora, hipócritas em busca de luzes, oportunistas cujos interesses são basicamente capitalizar a desgraça, para, ao final, mantê-la como está ou ainda, quem sabe, devolvê-la aos níveis anteriores.

Esta é a hora de saber quem você realmente pode ouvir. E quem merece, no máximo, um sorriso irônico.



Quero um plebiscito para definir o valor do salário dos políticos

Leonardo Sakamoto
28/06/2013

Plebiscito é uma ferramenta legal. Desde que usada em prol da dignidade e não contra ela. Ou seja, desde que usada com parcimônia.

Porque, em uma democracia de verdade, é respeitada a vontade da maioria, preservando-se a dignidade das minorias. Ou seja, adotar simplesmente o que a massa quer não significa viver em um país decente. Seja pelo conservadorismo da população, seja pelo fato de que, quanto mais hipercodificado permanecer o assunto, mais fácil será manipular o cidadão.

Se nos orientássemos pela vontade da maioria, gays e lésbicas nunca teriam conquistado o direito a se unir. Jovens com 16 e até 14 anos seriam mandados para a cadeia ao cometer crime. E, dependendo da pesquisa de opinião, nem o direito ao aborto legal, em caso de risco de vida da mãe ou estupro, existiria.

Ao mesmo tempo, até uma estrelinha-do-mar com graves problemas de cognição percebe que os contrários à ampliação do direito ao aborto e à legalização da eutanásia são os primeiros a querer levar essas pautas a plebiscito. Sabem que nossa sociedade gosta de tiranizar o útero alheio e que sofrimento no olhos dos outros é refresco e que, portanto, seriam maioria.

Dito isso, que não é recomendável que absolutamente tudo vá ao escrutínio da massa, o uso do plebiscito também demanda um trabalho prévio de conscientização, em que o cidadão saiba realmente o que está sendo decidido e as implicações de sua decisão. O problema é que discursos vazios, cosmeticamente embalados pelos competentes colegas da propaganda, instalam-se facilmente em corações e mentes. Martelados nos intervalos da novela das 21h, acabam por encontrar ninho e por lá ficar. Da mesma forma, apresentadores sensacionalistas que rosnam na TV, empurram o povo para o lado sombrio da força, usando um discurso do medo.

E nem sempre uma curta campanha de informação é suficiente para explicar todas facetas de determinado assunto polêmico. Tive vontade de chorar ao ouvir “especialistas” explicando o que é voto distrital, distrital misto e proporciona, no rádio, nos últimos dias. Pai, perdoai, eles não sabem o que dizem.

O ideal seria que todos nós tivéssemos, ao longo da vida, acesso à formação e informação de qualidade para tomadas de decisão. Contudo, na falta disso, seria necessário um tempo razoável para discutir com a população temas cabeludos como sistema eleitoral, financiamento de campanha, coligações – coisa que o poder público não parece muito interessado em conceder. Há parlamentares que defendem que 60 míseros dias são suficientes para esclarecer a pauta. Ahã, Cláudia, senta lá… Estamos falando de uma reforma política, não de pedir um sundae de morango no drive thru.

Espero que esteja enganado, contudo, do jeito que a coisa está se desenhando, será um show de horrores. Não, não acho o povo incapaz de escolher com sabedoria. Mas são assuntos complexos. Se o plebiscito sobre o desarmamento, que era simples, foi vítima de bala perdida, imagina então colocando em pauta assuntos que nem os políticos sabem explicar direito?

Tenho fé, é claro, que através da tecnologia e do aumento do interesse da sociedade sobre os destinos de seu país, conseguiremos desenvolver outros mecanismos de participação para além do plebiscito. Lembrando que democracia direta não é algo que se ganha de uma hora para outra, empacotada e pronta para consumo, mas é discutida, conquistada e construída.

E se der certo, se a reforma política sair mesmo via consulta popular, tenho uma lista de outras propostas muito mais simples que poderiam ser postas em votação. Sei que tão difícil quanto imaginar políticos que topem abrir mão de uma estrutura que hoje os beneficia, é também um autoengano achar que eles poderiam contrariar poderosos, grandes empresas e outros doadores de campanha. Mas me contento só com o debate que isso iria gerar.

Você é favor que o teto do salário de um vereador seja o mesmo que de um professor da rede pública?

Você é a favor de mudanças na lei para impedir a reintegração de posse de terrenos ocupados por famílias que não possuem absolutamente nada sem que, antes, seja garantida uma alternativa de moradia decente a elas?

Você é a favor do fim da cela especial para quem tem curso superior?

Você é a favor de que propriedades rurais que, ilegalmente, ocupam territórios indígenas sejam devolvidas aos povos que as reivindicam?

Você concorda que fazendas e imóveis que sejam palco de trabalho escravo sejam confiscados sem direito à indenização e destinadas aos mais pobres?

Você é a favor de que juízes sejam expulsos do serviço público, perdendo o direito aos seus vencimentos, em vez de receberem aposentadoria compulsória quando punidos por algum malfeito?

Você é a favor de veicularem o último episódio da Caverna do Dragão?

Você é a favor de que exista um limite máximo permitido para o tamanho de uma propriedade rural?

Você é a favor do fechamento das empresas que foram envolvidas por seus diretores em casos de corrupção?

Você é a favor da redução da jornada de trabalho para 40 horas semanais sem redução de remuneração?

Você é a favor de sobretaxar grandes fortunas?

Você é a favor do fim da Polícia Militar no Brasil?


100% do petróleo para a Educação? Como assim?

Da interminável série “Mentiras Institucionais”!



quinta-feira, 27 de junho de 2013

Vale relembrar a matéria: Em cinco anos, PM de São Paulo mata mais que todas as polícias dos EUA juntas

Policia Militar - Formatura
Daia Oliver/R7

Corporação paulista matou 6% mais que polícias americanas entre 2005 e 2009

Luciana Sarmento, do R7
publicado em 07/06/2011


Relatório da Ouvidoria da Polícia de São Paulo aponta que mais de uma pessoa foi morta por dia em São Paulo por um policial militar entre 2005 a 2009

Com uma população quase oito vezes menor que a dos Estados Unidos, o Estado de São Paulo registrou 6,3% mais mortes cometidas por policiais militares do que todo os EUA em cinco anos, levando em conta todas as forças policiais daquele país. Dados divulgados pela SSP (Secretaria de Segurança Pública), e analisados pela Ouvidoria da Polícia, revelam que 2.045 pessoas foram mortas no Estado de São Paulo pela Polícia Militar em confronto - casos que foram registrados como resistência seguida de morte - entre 2005 e 2009.

Já o último relatório divulgado pelo FBI (polícia federal americana) aponta que todas as forças policiais dos EUA mataram em confronto 1.915 pessoas em todo o país no mesmo período. As mortes são classificadas como justifiable homicide (homicídio justificável) e definidas pelo "assassinato de um criminoso por um policial no cumprimento do dever".

Para Guaracy Mingardi, ex-subsecretário nacional de Segurança Pública e pesquisador do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a diferença no total de mortes do Estado e dos Estados Unidos se deve à própria cultura geral da sociedade brasileira, que tende a apoiar os assassinatos cometidos por policiais e prega que “bandido bom é bandido morto”.

- Nós temos uma diferença. O júri americano tem uma tendência a inocentar [o acusado] porque ele desconfia do Estado. Aqui, apesar de o nosso Estado ser pior, o júri tende a condenar [o acusado] porque ele considera que, se a polícia pegou, é porque ele tem culpa no cartório.
Mingardi ressalta, porém, que a letalidade em São Paulo diminuiu, embora ainda esteja "fora do aceitável”. Segundo ele, o número de mortos pela Polícia Militar caiu especialmente depois do massacre de Carandiru, ação policial dentro do presídio na zona norte da capital paulista que terminou com 111 presos mortos em 1992. De acordo com o especialista, só naquele ano, foram registradas cerca de 1.400 mortes no Estado.

- Ninguém está advogando que aqui tem que ser como na Inglaterra, por exemplo, que a polícia mata duas, três pessoas por ano. Estamos falando em chegar num nível mais civilizado.

“Lógica de guerra”

Especialista em polícia do Instituto Sou da Paz, Carolina Ricardo afirma que existe uma diferença na própria história da Polícia Militar brasileira, que foi consolidada no período da ditadura e criada com o objetivo de defender o Estado de seus inimigos. Essa “lógica de guerra”, segundo Carolina, se mantém até os dias de hoje.

- Até hoje, a Polícia Militar é força auxiliar do Exército. Ou seja, se tiver uma guerra, a PM pode ser acionada. Ao mesmo tempo, ela tem que estar na rua e 99% do que ela faz não é atender crime, mas lidar com conflitos cotidianos, coisas banais.

Carolina ressalta, no entanto, que a polícia vem mudando ao longo dos últimos anos graças ao discurso de direitos humanos. O processo, no entanto, é lento.

- Ainda falta muito, ainda é uma polícia formada para combater o crime numa lógica mais dura. A gente precisa entender que a polícia está se reinventando. Aos poucos, consegue trabalhar em parceria com a sociedade civil.


Confira também

Para cada PM, 35 civis foram assassinados

PM tem “carta branca para crimes”


Mortes x prisões

Para o professor de direito da FGV (Fundação Getulio Vargas) Theodomiro Dias Neto, houve um avanço, mas ainda tímido, no combate à letalidade policial nos últimos anos. Ele compara os números atuais com os da década de 90, quando havia uma média de quatro mortos por policiais por dia no Estado de São Paulo, e afirma que os últimos dez anos ficaram “entre avanços e retrocessos”.

- O número de pessoas mortas certamente não tem nada a ver com eficiência da polícia. Uma polícia eficiente é aquela que faz um trabalho correto na prevenção do crime, com o menor número de mortos e feridos possível. Quanto menor a proporção entre detenções realizadas e mortos, melhor.

O relatório Força Letal - Violência Policial e Segurança Pública no Rio de Janeiro e em São Paulo -, lançado em dezembro de 2009 pela ONG internacional Human Rights Watch, aponta que a polícia do Estado de São Paulo prendeu 348 pessoas para cada morte em 2008. Já a polícia norte-americana prendeu mais de 37.000 pessoas para cada morte em suposto confronto no mesmo ano. O índice de prisões por mortes cometidas pela polícia é 108 vezes menor em São Paulo do que nos Estados Unidos.
Segundo Neto, a eficácia da polícia americana comparada à paulista se dá, entre outros motivos, porque ela é “mais bem controlada”.

- É uma polícia que mata menos e prende mais.

Outro lado

A reportagem do R7 entrou em contato com as assessoria da Polícia Militar, mas até a publicação desta notícia, a corporação não havia se pronunciado sobre os dados apresentados nesta notícia.


Fonte: Notícias.r7


Reunio de Emergncia


Sobre as atuais manifestações

IVO TONET*
1. O pano de fundo

Para compreender o que está acontecendo, atualmente, no Brasil, é preciso voltar um pouco na história.
Certamente, é uma situação muito complexa, mas procuraremos sinalizar, aqui, os elementos que nos parecem mais marcantes para entender o processo atual.
Em primeiro lugar, a vitória esmagadora do capital sobre o trabalho.
A eclosão da crise do capital, que começou por volta de 1970, encontrou um chão fértil para permitir que este enfrentasse esta crise com uma brutal intensificação da exploração da classe trabalhadora. A intensificação da exploração se deu, de modo prioritário, através da reestruturação produtiva, isto é, da reorganização da produção de modo a permitir a retomada dos lucros do capital. Privatização de empresas estatais, privatização de serviços públicos, aumento do desemprego e do subemprego, precarização do trabalho, intensificação da exploração dos que ainda permaneciam empregados, supressão de direitos duramente conquistados, corte dos gastos públicos e com isso, agravamento dos problemas sociais de toda ordem: saúde, educação, transporte, alimentação, moradia, saneamento, segurança, urbanização, cultura e lazer, devastação da natureza. Tudo deveria ser organizado no sentido de garantir os lucros dos capitalistas nem que, para isso, fosse preciso destruir a humanidade.
Ao mesmo tempo, o Estado foi reorganizado sempre no sentido de favorecer o capital e garantir o controle e a submissão da classe trabalhadora. Nunca, como neste momento, foi e está sendo, tão verdadeira a afirmação de Marx e Engels, no Manifesto Comunista, de que o Estado é “o comitê executivo dos negócios da burguesia”. Umas poucas grandes corporações ditam, utilizando o Estado, as regras de todas as políticas econômicas mundiais.
Em segundo lugar, a perda do horizonte revolucionário. O desmoronamento dos países ditos socialistas pareceu confirmar, empiricamente, a ideia de que o socialismo é impossível. O que se apresentou como socialismo em vez de ser uma sociedade superior ao capitalismo se manifestou, na verdade, como um precário igualitarismo e, ao mesmo tempo, como supressão das liberdades democráticas e cidadãs, como brutal ditadura, como um sistema repressivo, como um Estado todo-poderoso e como um menosprezo pela individualidade. Desde então, o horizonte mais presente é, no máximo, aquele do aperfeiçoamento da atual ordem social.
Mesmo para aqueles que ainda pretendiam construir um mundo melhor, a alternativa, tanto pela via socialdemocrata como pela via revolucionária resumia-se a atribuir ao Estado a tarefa de dirigir o processo de transformação social. Para isso, seria necessário conquistar o Estado e colocar todos os partidos, sindicatos e movimentos sociais sob a direção desse Estado, supostamente posto, agora, a serviço dos interesses das classes subalternas.
Tudo isso contribuiu para orientar a classe trabalhadora e todos os movimentos sociais no sentido de lutar não contra o capital e contra Estado, mas com o capital e com o Estado no o objetivo de conquistar melhorias pontuais sem nunca colocar em questão a ordem social capitalista.
As ideias de revolução, de socialismo, de superação de toda exploração e dominação do homem pelo homem, de construção de uma sociedade realmente igualitária foram substituídas pelas ideias de reforma, democracia, cidadania, universalização de direitos, melhorias gradativas.
A pressuposição era de que, não sendo o socialismo algo possível, a única alternativa razoável seria o aperfeiçoamento da atual ordem social capitalista.
A enorme maioria dos partidos que se pretendia representante dos interesses da classe trabalhadora foi assumindo esta perspectiva reformista, mesmo quando conservava o nome de comunista ou socialista, contribuindo, poderosamente, para a deseducação da classe trabalhadora e das lutas sociais.
Deste modo, os inúmeros movimentos sociais que surgiram foram vistos ora como substitutos do verdadeiro sujeito revolucionário ora como simples momentos de reivindicação de melhorias pontuais.
Este conjunto de circunstâncias gerou uma ideologia profundamente conservadora e individualista. Disseminou-se a ideia de que esta forma de sociabilidade seria a última (fim da história) e a melhor possível, apesar dos seus defeitos; que ela seria indefinidamente aperfeiçoável; que o sucesso ou insucesso dependeria apenas do esforço individual; um sentimento de impotência diante da solidez do sistema; uma perda de compreensão do processo histórico; um espírito de superficialidade, que leva a ver a história como a repetição indefinida do momento atual; uma fragmentação do conhecimento, que impede a compreensão da realidade como uma totalidade articulada.
Em resumo: as consequências mais importantes de tudo isso foram: a perda do horizonte revolucionário e sua substituição por um horizonte reformista; a descrença na possibilidade de mudar o mundo na sua totalidade e o apego a reformas pontuais; a sensação de impotência diante dos problemas sociais; a ideia de que todas as lutas deveriam confluir para o Estado, ou para tomá-lo e, supostamente, colocá-lo a serviço das classes populares ou para arrancar dele melhorias pontuais; o acento na ação individual e eleitoral em substituição à luta coletiva.
Com tudo isto, no momento de sua crise mais séria (a partir de 1970), o capital vê seu caminho inteiramente livre para enfrentar o agravamento dos seus problemas com a intensificação da exploração da classe trabalhadora de uma maneira incrivelmente brutal. Isto porque o seu adversário histórico – o proletariado – a classe que poderia liderar  a oposição mais consequente ao capital se encontrava ideológica e politicamente desnorteado e desorganizado quando não atrelado ao próprio Estado por obra e graça de partidos, centrais sindicais e sindicatos que se diziam defensores dos interesses da classe trabalhadora. Desamparadas de seu líder natural, as demais lutas sociais, justas e importantes, não conseguem ultrapassar os limites de reivindicações pontuais no interior do capitalismo, confluindo sempre para o Estado. Não há nenhum questionamento mais profundo do capital e do Estado. E já que socialismo é confundido com falta de liberdades democrático-cidadãs, com ditadura, com partido único e todo-poderoso, com supressão de toda propriedade, inclusive a individual, com menosprezo do indivíduo, então sobra apenas a busca do aperfeiçoamento da democracia e da cidadania

2. A situação atual no Brasil
No Brasil, a chegada do PT ao poder se deu em meio ao enfrentamento da crise do capital através da reestruturação produtiva e da retomada da ideologia liberal. A aparente oposição deste partido aos interesses do capital gerou uma enorme expectativa de mudanças substanciais. Apesar das alianças problemáticas, o crédito concedido pelas classes subalternas foi enorme.
Além do mais, o PT carregava consigo a confiança da maioria da classe trabalhadora, da maioria dos outros partidos ditos de esquerda (PCdoB, PDT, PSB) e da maioria dos sindicatos e Centrais Sindicais.
Uma situação internacional favorável aos países periféricos – já que o foco principal dela estava nos países centrais – permitiu ao governo enfrentar a crise mundial de modo a suavizar os seus efeitos. Contudo, as linhas mestras da política econômica não destoavam do conjunto das políticas mundiais. Todas elas estavam direcionadas no sentido de garantir os interesses do capital descarregando o peso do enfrentamento da crise sobre os ombros da classe trabalhadora e das demais classes populares.
Foi-se gerando, então, a ideia de que esse seria o caminho para a superação dos problemas sociais no Brasil: um pacto entre o capital (representado por parte da burguesia) e o trabalho (representado pela maioria da classe trabalhadora), no qual ambos sairiam ganhando e possibilitaria ao Brasil elevar-se à posição de membro dos países mais desenvolvidos!
No entanto, aos poucos, o caminho ia ficando claro: nenhuma mudança estrutural, apenas a busca de um caminho para a inserção do Brasil na economia mundial do capital em crise profunda. Para isso, continuidade das privatizações (via concessões, parcerias público-privadas, isenções fiscais, mercantilização de tudo, corte dos gastos públicos, privatização de serviços públicos, favorecimento dos interesses privados (bancos, empreiteiras, agronegócio, montadoras…)). Ao lado disso, a montagem de políticas sociais compensatórias (bolsas de diversos tipos), que permitiriam minimizar os aspectos mais gravosos dos problemas sociais.
O orçamento nacional (tomando como exemplo o de 2012 e assinalando apenas alguns elementos) mostra claramente onde estão as prioridades para a destinação dos recursos públicos: 43,98% para pagamento da dívida pública; 22,47% para previdência social; 10,21% para transferência para Estados e Municípios; 4,17% para saúde; 3,34% para educação, 2,42% para trabalho; 3,15% para assistência social; 0,39% para segurança pública; 0,70% para transporte; 0,01% para habitação; 0,06% para urbanismo; 0,02% pra desportos e lazer 0,04% para energia; 0,05% para cultura.
Na esfera política deu-se uma completa transformação do PT em um partido típico burguês: sistema de alianças com partidos e grupos sociais conservadores e mesmo reacionários, corrupção, apadrinhamentos, utilização dos bens públicos para fins privados, carreirismo, manipulação das massas com fins eleitoreiros, criminalização das lutas sociais, favorecimento dos grandes grupos empresariais. O PT, que se tinha apresentado como campeão da “ética na política” acabou chafurdando no mesmo lamaçal em que sempre se espojaram todos os partidos políticos. Todos eles utilizando a população apenas como massa de manobra em momentos eleitorais, para depois esquecê-la e buscar apenas a satisfação dos interesses da burocracia partidária e dos seus financiadores.
As consequências disto foram o agravamento dos problemas sociais com o consequente aumento da insatisfação social; o descrédito nas instituições políticas; a despolitização, a alienação e o apassivamento da maioria da população; a confusão ideológica e política; a percepção da enorme desigualdade social, pois enquanto alguns poucos (bancos, empreiteiras, montadoras, agronegócio, etc.) enriqueciam, a maioria da população via aumentar muito pouco a sua participação na riqueza gerada. Tudo isto, ainda, agravado, nos últimos meses, pelo aumento da inflação, pela deterioração nos serviços públicos e por gastos bilionários com a construção e reforma de estádios de futebol.
Como resultado de tudo isto, a violência se tornou cada vez mais presente na vida social, atingindo, embora de modo muito diferente, todas as classes sociais. Os ricos veem ameaçado o seu patrimônio e os pobres se sentem abandonados pelo Estado, quando não, muitas vezes, eles próprios vítimas da violência do Estado.
Por sua vez, a juventude vê estreitar-se cada vez mais o seu horizonte. Além de sofrer com a deterioração dos serviços públicos, também se vê engrossando cada vez mais um enorme exército de reserva, que dificilmente será absorvido pelo mercado de trabalho.
Ainda mais: a corrosão do nível de vida da classe média aumentou também as suas preocupações e a sua insatisfação. Insatisfação esta que, por um lado se dirige contra a relação entre o alto pagamento de impostos e o que é recebido em troca como serviço público, de péssima qualidade e, por outro lado, contra o que ela vê como favorecimento das classes populares em detrimento de si mesma, interpretando isto como uma política governamental assistencialista que privilegia os que não trabalham.

3. Desdobramentos
Embora pipocassem, aqui e ali, lutas setoriais, nada parecia indicar uma iminente explosão. Mas, a caldeira estava aumentando a sua fervura. A questão do aumento do transporte foi apenas a gota d´água que fez explodir a insatisfação que estava latente.
Surgem, então, as mais variadas reivindicações.
Como resultado de todo o processo acima descrito, não é de admirar que, neste momento, haja uma enorme confusão ideológica e política.
Também não é de admirar que não haja clareza quanto aos objetivos a médio e longo prazo.
Do mesmo modo, não é de admirar que os reacionários e conservadores procurem direcionar esse movimento para seus fins. O surgimento de movimentos fascistas, integralistas, nazistas não é algo estranho a estas situações. Isto já foi visto em outros momentos históricos.
Por sua vez, a rejeição aos partidos é compreensível, embora não justificável, porque a maioria, despolitizada, vê toda atividade partidária pela lente de um sistema político totalmente degenerado. A ampla maioria dos participantes destas manifestações não é nem de esquerda, nem de direita nem de centro. Simplesmente está reagindo motivada por uma insatisfação que, provavelmente, no fundo, tem a ver com a frustração relativa às suas perspectivas de vida. A falta de um maior esclarecimento acerca das causas mais profundas dos problemas sociais pode facilmente tornar essas massas presa de grupos reacionários e/ou de indivíduos “salvadores”.
As classes dominantes, por sua vez, diante do agravamento dos problemas, procurarão, por todos os modos, defender os seus interesses: intensificando a repressão, aumentando as políticas de austeridade, isto é, de exploração do trabalho e a criminalização das lutas sociais.
Mas, em tudo isso, há ainda um elemento profundamente preocupante. A classe operária está praticamente ausente dessas manifestações, pelo menos como classe consciente e organizada. Algumas pesquisas parecem indicar que, entre os manifestantes, encontram-se muitos, especialmente mais jovens, trabalhadores precarizados e desempregados. O fato é que o grosso da classe trabalhadora ainda não entrou em cena. E por essa ausência, como vimos acima, a esquerda (partidos e sindicatos) tem uma enorme responsabilidade.
Vê-se que, mesmo onde esta classe intervém de forma mais expressiva e organizada, como na Grécia, em Portugal, na Espanha, ela não tem um projeto próprio claramente contrário ao capital e ao Estado, projeto este que só poderia ser o resultado de um longo processo de construção. A tônica das reivindicações é, de modo geral, por reformas e por outro tipo de Estado, mais preocupado com as questões sociais.
De modo especial, aqui no Brasil, o atrelamento da classe trabalhadora ao Estado dirigido pelo PT tem um enorme impacto no sentido de enfraquecer e desnortear essas lutas que estão surgindo espontaneamente. Impediu que se formasse a convicção de que a solução dos problemas sociais passa pela superação radical do capitalismo e pela construção de uma sociedade socialista. Infelizmente, a tônica da polarização, por uma grande parte da esquerda, era colocada na contraposição entre PSDB (o caminho do mal) e PT (o caminho do bem) e não entre capital e trabalho. Acresce a isso o fato de que inclusive partidos e organizações sociais, que se pretendem de esquerda e de oposição, imprimiram ao seu trabalho um forte viés eleitoral. Embora existam, são raras e de expressão ainda bastante reduzida as organizações partidárias e movimentos sociais, que não imprimiram às suas lutas um viés eleitoral. Tudo isso contribui para iludir as massas fazendo-as acreditar que a resolução dos problemas sociais se centra em questões éticas (contra a corrupção, contra a malversação de recursos públicos), administrativas (melhor gestão dos recursos públicos, menor impostos) e/ou políticas (reforma política) passa pela conquista do Estado e por reformas realizadas por ele.

4. Nossas tarefas
Neste momento, agitação (poucas ideias para muitas pessoas) e propaganda (muitas ideias para poucas pessoas) são fundamentais para ajudar na politização, no esclarecimento e na definição dos objetivos. A esquerda terá que se reinventar, deixando de lado sectarismos e vanguardismos, para poder influenciar nos rumos das lutas atuais e futuras.
É importante mostrar às massas a relação entre os diversos problemas setoriais, a natureza do capital e a atual crise a que ele submete a humanidade.
É importante esclarecer que a solução dos problemas não pode ser encontrada dentro do capitalismo; que a resolução dos problemas, que são universais, só pode ser encontrada com a superação radical do capitalismo e a construção de uma sociedade socialista.
Para isso, é importantíssimo explicar o que é socialismo, desfazendo os equívocos em relação aos países ditos socialistas e deixando clara a sua superioridade em relação ao capitalismo.
É importante esclarecer que o problema não é a corrupção (inerente ao capitalismo), nem a “bandalheira” dos políticos (também inevitável), nem a falta de “vontade política” dos governantes, muito menos este governo – cujo núcleo é o PT – (porque todo governo cumpre a função essencial do Estado que é a defesa dos interesses das classes dominantes), mas, que as causas mais profundas se situam na lógica do capital, na exploração dos trabalhadores pelos capitalistas e na existência da propriedade privada.
Como dizia Lenin, é preciso “explicar, explicar e explicar”, sem reducionismos sem sectarismo, sem acusações, mas procurando mostrar a conexão entre as diversas reivindicações e as causas fundamentais dos problemas sociais.
Mas, a tarefa mais importante, é, sem dúvida, contribuir para que a classe trabalhadora volte a assumir o seu lugar como sujeito fundamental das transformações sociais. Ela, porém, só poderá voltar a ocupar este lugar na medida em que se organizar ideológica e politicamente contra o capital e, também, contra o Estado. Considerando o pano de fundo acima descrito e as suas consequências, essa não será uma tarefa nada fácil. No entanto, absolutamente necessária e decisiva. Os exemplos das lutas da chamada “primavera árabe”, das grandes manifestações em vários países da Europa e nos vários tipos de “Occupy” mostram, claramente, que a ausência da classe trabalhadora como sujeito fundamental deste processo, com um projeto revolucionário, impede o avanço das lutas no sentido da resolução radical dos problemas sociais.

Maceió, 24 de junho de 2013
*Doutor em Educação pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho e professor de Filosofia da Universidade Federal de Alagoas.